A confiança de Pedro Sánchez na investidura como presidente do governo espanhol deve ter oscilado nas últimas horas mais que algumas montanhas russas. Tudo parecia garantido na quinta-feira, com a ERC a assumir uma abstenção na votação à segunda volta, mas na sexta-feira foi anunciada a decisão do JEC de destituir Quim Torra de deputado. Na Generalitat a bandeira foi arreada e a ERC marcou uma reunião de urgência em Barcelona para este sábado, à mesma hora que, em Madrid, o Congresso dos Deputados escutaria as linhas essenciais do plano de governo pela voz de Pedro Sánchez.
Ciente que podia perder o acordo conseguido, que se vai aguentando seguro por agulhas, Sánchez fez um discurso centrado em valores políticos, mas foi totalmente impossível fugir ao elefante na sala que dá pelo nome de Catalunha. Numa tentativa de acalmar os ânimos, Sánchez começou por dizer que a “Espanha não se iria destruir, nem a Constituição”, que o acordo alcançado era apenas uma forma de desbloquear o impasse. Um piscar de olhos aos responsáveis da ERC que reuniriam poucos minutos depois: o acordo não estava esquecido e era mesmo para manter. Aliás, havia propostas concretas na manga. Sánchez anunciou a criação de “uma mesa de governo bilateral com o governo da Catalunha para resolver o conflito político”.
Durante mais de 1h30, o líder do PSOE apresentou as linhas gerais do programa, não poupou recados aos independentistas e aos partidos mais críticos da solução encontrada. Sánchez continuava a tentar equilibrar as forças, no Congresso e fora, consciente que a qualquer momento qualquer peça podia cair e fazer desabar tudo.
Para já, caiu uma peça, mas não foi ainda suficiente para fazer cair a torre e Sánchez ainda acredita na nomeação, à segunda volta. A Coalicion Canaria passou a ser uma peça fora do jogo depois de Ana Oramas ter anunciado que votaria contra a investidura de Pedro Sánchez, a surpresa da tarde.
Mas a peça nuclear no acordo é mesmo a Catalunha. Quase todos os discursos dos vários partidos, que tinham 43 minutos para intervir durante a longuíssima sessão, abordaram a questão da Catalunha.
A direita, num tom fatalista, atirou que a solução encontrada irá conduzir Espanha a um caminho sem retorno, com um “Governo Frankenstein formado por comunistas e separatistas”, nas palavras do líder do PP. Pablo Casado disse mesmo a Pedro Sanchéz que o líder do PSOE tinha assinado o próprio “epitáfio político” ainda que, defendeu, esta seja uma solução que Sanchéz sempre quis e não uma solução encontrada na falta de outras alternativas, conforme argumentado pelo PSOE.
Pablo Iglesias, que agradeceu a Sánchez mas também — e para surpresa de alguns — aos independentistas catalães que, a partir da prisão, contribuíram para que o acordo fosse possível, também trouxe para o centro da discussão a questão da Catalunha. Nem com o silêncio dos parceiros de coligação Sánchez pôde contar para camuflar um pouco o elefante. A Catalunha é o tema central, quer para o acordo, quer para o desacordo.
E Junqueras, que está preso, conseguiu mesmo “falar” na sessão desta tarde do Congresso dos Deputados. Valeu-se do porta-voz da ERC, Rufián, para que fosse lida uma mensagem. Junqueras lembrou que “apesar de na prisão” têm de estar sempre dispostos a “negociar sobre tudo e com todos”, embora tenha deixado claro que não está aberto a que lhes peçam para abandonar a causa da independência catalã: “Não pedimos a ninguém que deixe de defender o que defende, não nos peçam também a nós”.