O antigo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira José Azevedo Pereira considerou esta quarta-feira “excessivo” o peso dos impostos indiretos, nomeadamente dos que incidem sobre o consumo, o que faz com que Portugal esteja nesta área à frente de países mais desenvolvidos.
“O peso dos impostos indiretos na política fiscal portuguesa é excessivo, com tudo o que isso implica em termos de equidade ou falta dela” na medida em que os impostos indiretos são “cegos” sublinhou o ex-diretor-geral e professor do ISEG — Instituto Superior de Economia e Gestão, durante a conferência “OE2020: propostas fiscais” promovida pela sociedade de advogados Rogério Fernandes Ferreira.
Em plena discussão da proposta de Orçamento do Estado, o ministro das Finanças tem procurado contrariar as leituras de aumento da carga fiscal feitas sobretudo à direita do Governo. Ainda esta segunda-feira, Mário Centeno invocou o conceito de carga fiscal direta sobre as empresas e os trabalhadores e garantiu que esta diminuiu em Portugal e vai continuar a diminuir, ao contrário do que sucedeu na média da zona euro.
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Mantendo a análise apenas na receita fiscal, ou seja, deixando de fora as contribuições para a Segurança Social como também Centeno tem feito, Azevedo Pereira chega a outra conclusão:
Ainda que ao nível da carga fiscal total Portugal não compare mal com o resto dos países que integram a União Europeia, este não é o resultado quando se têm apenas em conta os impostos indiretos. Considerando apenas esta parcela, Portugal ocupa um dos lugares cimeiros da tabela, apenas ultrapassado por países como a Croácia ou a Letónia.
Isto porque no que diz respeito ao peso dos impostos diretos (onde se inclui o IRS) “há países claramente mais desenvolvidos à nossa frente”, referiu.
Afirmando que está entre os que se reveem na frase de que não se importam de pagar impostos, porque com isto compram civilização, Azevedo Pereira assinalou, contudo, ter “dúvidas” de que a política fiscal que tem vindo a ser seguida “seja compatível” com as intenções iniciais do Governo de desagravar a carga fiscal sobre as classes sociais com menores rendimentos. São precisamente os chamados impostos cegos, porque cobrados independentemente do rendimento do contribuinte, como o IVA ou os impostos sobre o consumo, que têm estado a suportar o crescimento da receita fiscal, desde que os socialistas chegaram ao poder.
De acordo com uma tabela apresentada na conferência realizada pelo escritório de Rogério Fernandes Ferreira, a receita dos impostos indiretos cresceu 17% entre 2016 e 2019, enquanto os impostos diretos como o IRS cuja cobrança é feita em função dos rendimentos, caíram 11%. Já para 2020, a proposta de Orçamento do Estado antecipa um acréscimo de 3,3% na cobrança de impostos diretos e de 2,4% nos indiretos, muito penalizados por quedas previstas na tributação sobre o tabaco, automóveis e bebidas.
Assinalando que esta proposta de Orçamento do Estado para 2020 não contem “alterações radicais”, projeta, ainda assim, “um crescimento não despiciendo” da receita fiscal (2,8%) — acima do crescimento esperado do produto interno bruto (PIB).
Ainda sobre o peso da carga fiscal, Azevedo Pereira afirmou que, para evitar que os impostos que pagamos não se tornem explosivos, será necessário reestruturar a despesa do Estado, caminho que considera ser possível, uma vez que se recusa a acreditar que a administração pública tenha se ser “apenas e necessariamente uma burocracia”.
José Azevedo Pereira defende “governance” sobre uso que AT faz da informação
O antigo diretor-geral da AT José Azevedo Pereira defendeu ainda que a forma como o fisco trata a informação que recebe devia ser alvo de governance independente.
Assinalando que considera que a Autoridade Tributária e Aduaneira devia ter acesso a mais informação do que a que já tem disponível, José Azevedo Pereira defende igualmente que deveria ser feito um acompanhamento diferente sobre o tratamento e a forma como esta informação é gerida. Esse acompanhamento, sugeriu, deveria ser feito por pessoas de reconhecida independência.
“Informação fiscal é controlo e é também, em último caso, capacidade para transmitir aos contribuintes que, se não se comportarem de acordo com a lei, a AT tem capacidade para os detetar”, referiu Azevedo Pereira.
Atualmente, o controlo da gestão da informação é feito pela própria AT, disse ainda, para acrescentar que aquele caminho ajudaria a mostrar que “a informação não era usada para fins desviantes”. “Como, aliás, não o era no tempo em que lá estive e penso que não o é agora”, afirmou.
Reforçando este ponto, Azevedo Pereira lembrou que com o e-fatura foi necessário criar filtros e mecanismos que travaram a entrada no sistema da AT de dados que não é suposto serem reportados.
Recorde-se que sempre que um contribuinte associa o seu NIF a uma fatura a informação que passa para a AT resume-se à identificação fiscal do emissor da fatura e do adquirente e ao valor da transação — com indicação da taxa de IVA aplicável –, não lhe chegando informação sobre o que foi adquirido.
Ao longo dos últimos anos, o volume de informação que chega à AT intensificou-se devido à tomada de medidas como o sistema e-fatura, controlo de inventários, reporte de saldos de contas bancárias ou trocas de informações com as administrações fiscais de outros países.
O novo modelo da Informação Empresarial Simplificada (IES) irá ainda reforçar mais o volume de informação que chega à Autoridade Tributária e Aduaneira.