“O país não se pode cansar de cumprir”, defendeu o ministro das Finanças durante o arranque da discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2020. Mário Centeno, que está a apresentar as propostas no Parlamento, começou por responder aos ataques e críticos que pedem mais despesa e menos excedente.

“Há quem queira por em causa os avanços conseguidos nos últimos anos, nos salários, no emprego, na redução de impostos e no investimento nos serviços públicos. Uns em nome de um liberalismo mirítico e indefinido, outros em nome de uma doutrina orçamental que nunca permitiu cumprir os objetivos a que se propôs. Portugal tem o dever de manter a credibilidade que conquistou”.

E deixou recados para aqueles que querem desafiar o caminho da responsabilidade.

“Têm de dizer apenas quais as despesas que querem cortar e os impostos que querem subir, ou ambos. A estabilidade e confiança dos portugueses não pode ser sacrificada pelo ganho político imediato com propostas sustentadas em cheques sem cobertura”.

E é precisamente o tema da carga fiscal que lança as perguntas do PSD, com o deputado Afonso Oliveira a questionar os números de “ficção” apresentados por Centeno, lembrando ainda os alertas da Unidade Técnica de Apoio Orçamental sobre informação insuficiente quanto aos valores que vão ser cativados e uma suposta folga que não aparece no cálculo final do excedente de 0,2% do PIB.

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“Qual é o momento para fazer um desagravamento fiscal sobre quem cria riqueza?”, questionou o PSD. E o investimento público, vai mesmo subir?”, acrescentou Afonso Oliveira.

O deputado social-democrata socorreu-se ainda da apreciação preliminar da proposta de
Orçamento do Estado para 2020 feita pela UTAO.

Para ser alcançado um objetivo político, depende de poupanças na despesa no valor de 590 milhões de euros que o Governo não diz onde nem quando vai fazer, reservando para si a margem discricionária na afetação de recursos igual a 0,3% do PIB [produto interno bruto], exatamente a melhoria do saldo previsto”, disse Afonso Oliveira.

Por isso mesmo, diz que “falta de transparência” para votar o OE e cita o presidente do PSD, há duas semanas, quando Rui Rio denunciou a “fraude democrática” que representa este orçamento. “No fundo, o Governo está a pedir uma autorização para despesa que já sabe que não vai realizar”.

Os 255 milhões de receita “escondida” e as críticas da UTAO à “falta de transparência” no Orçamento do Estado

O ministro das Finanças respondeu com um desafio: Quais são os impostos que vão subir em 2020? Mário Centeno detalha novamente os dados que apresentou sobre o tema da carga fiscal, explicitando que está a falar da “carga fiscal direta” e não receita de impostos mais contribuições para a Segurança Social. Os impostos sobre os trabalhadores e empresas caíram 0,8 pontos percentuais, menos dois mil milhões de euros. E vão voltar a cair, garantiu.

Centeno lançou ainda uma farpa a Rui Rio, recordando os tempos do atual presidente do PSD quando era presidente da Câmara do Porto. Centeno disse que o Orçamento da Câmara do Porto para 2012 ficou muito abaixo do orçamentado, isto numa tentativa de salientar que nem sempre as estimativas batem certo.

E recordou que os governos PS não querem, sobretudo, repetir a experiência do último governo PSD/CDS-PP, quando “foram apresentados oito orçamentos retificativos”, disse Centeno, motivando alguns aplausos na bancada socialista.

Sabe o que é que acontece quando se excedem os limites máximos de despesa? Eu digo-lhe, senhor deputado: oito orçamentos retificativos, foi o que os senhores deputados do PSD e do CDS conseguiram apresentar a esta câmara durante os quatro anos em que foram Governo pela última vez”

Dúvidas da UTAO? “Totalmente ilegítimas”, diz o governo

Sobre as dúvidas da UTAO, Centeno foi taxativo.

“A UTAO coloca uma dúvida totalmente ilegítima. A despesa com pessoal na administração pública cresce 3,6% em termos nominais e as contribuições sociais crescem 5,7%, crescem mais do que os salários na administração pública, ou seja, a repercussão na receita de contribuições sociais daquilo que é a evolução das remunerações da administração pública está obviamente feita na projeção macroeconómica do cenário que apresentámos”, disse o ministro das Finanças aos deputados.

Aliás, disse Centeno, também está repercutido nas projeções de receitas do IRS. Ou seja, também é “totalmente ilegítimo dizer que não estão refletidas as remunerações nessa conta”. “Basta perceber que os agregados crescem mais do que é o crescimento das despesas com pessoal na administração pública”.

Depois de sublinhar que Portugal se afastou dos países com a maior dívida pública mundial, Centeno avisou que investir exige tempo, estabilidade e preparação.

Segundo o ministro das Finanças, “não subimos impostos, enquanto que no resto da área do euro a receita fiscal em percentagem do PIB subiu 0,5% , em Portugal caiu o,2 pontos percentuais”. É mais um fator de competitividade da economia portuguesa que se repete em 2020. Centeno apresenta também números para contrariar a tese do “deserto de investimento”.

“Desde 2015, o investimento cresceu 28% em termos reais, mas do dobro da área média do euro e o valor mais elevado dentro de outros estados da UE. Só não vêm quem não quer. O investimento público financiado por impostos cresceu 23% na anterior legislatura. Quem ainda não tinha dado por isso, fica a demonstração”.

Ainda uma palavra ainda para a prioridade dada ao Serviço Nacional de Saúde. O SNS nunca teve tantos recursos, assinalando o maior reforço da dotação orçamental inicial, mais 941 milhões de euros. O financiamento do funcionamento fica totalmente assegurado, mas será reforçada a autonomia dos hospitais empresas, cujas administrações passam a ser responsabilidades pelo aumento dos pagamentos em atraso.

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“Excedente é um rolo compressor que esmaga os outros ministros”, diz Bloco

Na sua intervenção, a deputada do Bloco de Esqurda Mariana Mortágua disse que o documento do Orçamento do Estado para 2020 não contém quaisquer medidas que melhorem a vida dos cidadãos que não as aprovadas e negociadas na anterior legislatura.

“Há formulações na lei que são processos de intenções, há intenções no relatório que não têm tradução na lei” e dá o exemplo da eventual descida do IVA na eletricidade, que depende de uma resposta da Comissão Europeia que não é certa e de um modelo que ninguém conhece.

“O senhor ministro deixou bem claro que a preocupação é o excedente orçamental. (…) E até achará que isso é uma prova do seu sucesso”, disse Mariana Mortágua, antes de deixar a sua frase mais forte contra Mário Centeno: “O seu sucesso, senhor ministro, é um problema para o país”.

O excedente é um rolo compressor que passa a ferro os restantes ministros deste governo”, já que os coloca na situação de terem de gerir as despesas dos seus ministérios com muito menos verba do que aquilo que precisam, disse a deputada.

Mariana Mortágua disse que o Governo executou menos 2,887 mil milhões de euros em despesa em contabilidade pública. “E isso tem um nome: é má gestão. Nem o Governo nem o Ministério das Finanças cumprem aquilo que vieram aqui pedir em autorizações de despesa à AR. Não cumprem a despesa que vem nos mapas”, afirmou.

O ministro Mário Centeno, disse Mariana Mortágua, veio ao parlamento exigir responsabilidade e respeito pelas “contas certas”, dizendo que o país “não se pode cansar de cumprir” e desafiando os outros partidos a dizerem em que rubricas pretendem cortar. “Mas era bom que assumisse a sua responsabilidade pela péssima execução da despesa pública”, atacou.

Centeno. Chumbo ao OE pode parar investimento público

O deputados do PCP Duarte Alves também criticou a escolha de apresentar um excedente orçamental de 0,2% do PIB em detrimento de investimento necessário em hospitais e escolas. “Há um profundo e inaceitável défice no investimento público, com níveis que estão a metade dos verificados em 2010”, acusou Duarte Alves.

E sobre o investimento público, senhor ministro, no relatório do Orçamento do Estado, o Governo volta a comparar o incomparável. Compara o executado de 2019 com o orçamento de 2020. Não podemos fazer essa comparação, se queremos comparar orçamento com orçamento, só prevê mais 1,4% de investimento público face ao orçamento de 2019″.

Ou seja, para Duarte Alves o investimento público está “praticamente estagnado”. “Não se percebe que o Governo insista em não investir hoje as verbas necessárias para garantir a solução dos problemas e até para garantir poupanças no futuro, havendo uma situação orçamental que permitiria esses investimentos”, assegurou.

Mário Centeno dramatizou. Sem este Orçamento – leia-se, se o documento for chumbado pela oposição – o investimento público para.

“Queria relembrar a esta Assembleia e aos senhores deputados Duarte Alves e Diana Ferreira que se há uma coisa que tem sido constante na experiência orçamental portuguesa é a travagem e a paragem brusca destes projetos de investimento [transportes, hospitais e escolas]. Se o orçamento, com os equilíbrios que ele tem, não for aprovado, garanto-lhe que é exatamente isso que vai acontecer”.

“A senhora deputada não acreditava nada [na recuperação]. Acreditava ‘bola’, como diz o treinador”

Centeno e a deputada do CDS-PP Cecília Meireles trocaram ainda acusações azedas sobre as formas que o ministro das Finanças encontra para justificar o aumento da carga fiscal em Portugal nos últimos anos. Centeno tem vindo a defender que a carga fiscal deve ser calculada usando a receita fiscal e deixando de fora as contribuições para a segurança social.

Questionado pela deputada sobre esse peso da carga fiscal, Centeno disse que as receitas das contribuições para a Segurança Social em 2015 representavam 11,6% do PIB. E salientou que esse peso subiu para 12,1% em 2019.

Já a receita fiscal era de 25,3% do PIB em 2015, contra os 25,1% em 2019. Ou seja, diz Centeno, com o crescimento do emprego, “hoje há mais 1.100 milhões de euros de salários pagos todos os meses”, e que se deve a isso “e apenas a isso” que as “receitas das contribuições em percentagem do PIB aumentaram”.

E deixou uma farpa a Cecília Meireles, que foi secretária de Estado do governo PSD/CDS-PP até ao final de 2015. “Não sei qual seria a política alternativa. Só se for cortar salários para não ter de pagar pensões. Foi essa a política que, efetivamente, a senhora deputada seguiu enquanto foi governo e deve ser disso que tem saudades”, atacou Centeno.

Cecília Meireles acusou o toque e disse que o ministro das Finanças “tem memória curta”, porque reclama para si méritos que não lhe pertencem. “Sim, pertenci a um governo que ao começar tinha o desemprego a crescer, mas quando chegou ao fim já estava a reduzir. Pertenci a um governo que apanhou Portugal numa das maiores recessões, mas que no fim já dava sinais de crescimento”. Mas “se agora estamos a reduzir o desemprego, fico contente. Se estamos a crescer, fico contente”, considerou.

“É preciso olhar para os últimos 10, 20 anos. E se tem dúvidas sobre como chegámos ao ponto em que estávamos, pergunte a alguns dos ministros que se sentam a seu lado no conselho de ministros”, disse a deputada do CDS, numa referência aos ministros socialistas que integraram o governo de José Sócrates, que em inícios de 2011 pediu ajuda externa.

“Se ouviu bem o que eu disse, eu atribui os créditos aos portugueses. O único mérito do governo é ter permitido que isso acontecesse”, respondeu mais tarde Centeno.

Mas o ministro ainda quis ter a última palavra. “Aliás, nas políticas do Governo, a senhora deputada não acreditava nada. Nadinha. Como diz o treinador: ‘bola’. Felizmente não foi, o jogo foi outro. A senhora deputada agora fica contente. Não acreditava, mas deu bons resultados”.