Uma guerra entre Estados Unidos e Irão já começou. É o que entende Sépideh Radfar, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Iraniana de origem, vive em Portugal há 25 anos, está a acompanhar à distância a mais recente escalada de tensão entre os dois países, mas com “grande preocupação”.

Na madrugada desta quarta-feira, o Irão levou a cabo um ataque contra duas bases norte-americanas no Iraque. A prometida resposta, pela morte de uma das principais figuras iranianas, o general Qassem Soleimani, chegou por via de um ataque de mísseis. A contra-resposta, dos Estados Unidos, foi conhecida já durante a tarde, pela voz do presidente Donald Trump, que garantiu novas sanções para o Irão e apelou à comunidade internacional — nomeadamente à NATO — para assumir um maior envolvimento no Médio Oriente.

Sépideh Radfar vive há 25 anos em Portugal. Diz-se preocupada com a tensão entre Irão e EUA e apela à intervenção da União Europeia

Sépideh Radfar, que contacta diariamente com familiares, amigos e colegas a viver no Irão, garante que, nas ruas, o povo não quer uma guerra. “Nós, especialmente a minha geração, vivemos uma guerra. Eu vivi uma guerra. Vivi a guerra entre o Irão e o Iraque, durante quase nove anos. Sei melhor do que qualquer outra pessoa o que é a guerra. E, por isso, sei que ninguém deseja uma guerra, nenhum iraniano deseja isso, especialmente uma guerra desta dimensão, que pode ser alargada a todo o Médio Oriente”, explica em entrevista ao Observador. “Todos procuramos paz. Há dois ou três anos, tínhamos muitas esperanças quando o acordo nuclear foi assinado com os cinco países mais um do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O povo iraniano tinha grande esperança com esse pacto, previa um futuro muito brilhante. Infelizmente, o senhor Trump rasgou tudo.”

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A professora universitária confessa que está a viver as tensões entre os dois países com muita preocupação. “Estou a viver tudo isto com grande angústia, grande tristeza e grande preocupação para o meu país, e para toda a gente. Eu tinha grande esperança de paz, e, infelizmente, estamos hoje em dia perante uma guerra que esperamos não se alargue mais que isto.”

Imagem divulgada do Irão “não corresponde à realidade”

Sépideh Radfar rejeita ainda a ideia de um Estado iraniano repressivo e fechado, que diz não corresponder à realidade. “O Irão é um país com um grande passado. Um país de recursos naturais, de riqueza natural, com bastante história, com uma população jovem, dinâmica, instruída e culta. De facto, de modo nenhum, a imagem que está a ser divulgada sobre o Irão corresponde à realidade.” Mas admite, Sépideh Radfar, que um sentimento de vingança era esperado depois de “uma ameaça externa, um ato externo deste grau contra a terceira figura do país, como foi o caso do comandante Soleimani”, o que “mostra imediatamente a união que existe entre um povo e um orgulho ferido.”

O que se sabe sobre o ataque do Irão às duas bases que abrigam tropas norte-americanas

Esse orgulho ferido, de um povo iraniano que chorou a morte do general Soleimani no dia do funeral e bloqueou as principais ruas de Teerão, é facilmente explicado. Qassem Soleimani era visto como um herói nacional por ter mantido “a segurança dentro das fronteiras iranianas” durante o conflito dos anos 80. O general liderou a luta contra o Estado Islâmico, que invadiu o Iraque, e que chegou a estar próximo do Irão. “O Daesh tinha chegado a 40 quilómetros da fronteira. E Soleimani comandou essa luta. Foi de facto o nosso herói, que salvou o país do Estado Islâmico e que manteve a segurança dentro de fronteiras iranianas.” Por isso, explica Sépideh Radfar, “o povo sentiu-se ferido [com a morte deste comandante] e uniu-se para mostrar ao mundo essa união que existe quando há intervenção externa” naquele país.

Nos últimos dias, foram muitas as imagens divulgadas pela televisão estatal iraniana, com frases de ordem do povo iraniano contra os Estados Unidos. Entre elas, “morte à América”. No entanto, Sépideh Radfar explica que o Irão não sente ódio pelos Estados Unidos. “O tal ódio, entre aspas, para com os Estados Unidos não é contra os Estados Unidos ou a população americana, é mais contra a tal política externa americana, especialmente no Médio Oriente, e as suas intervenções diretas ou indiretas durante os anos passados nas suas intervenções contra a população e o interesse da população iraniana.”

Professora iraniana apela à União Europeia

“Infelizmente a guerra já existe”, garante a professora universitária. “E existe desde a última sexta-feira passada, quando os americanos abateram os carros do militar iraniano, do general soleimnai, e o Irão respondeu.”

Sépideh Radfar acredita, ainda assim, na via do diálogo entre Estados Unidos e Irão. “Espero que a guerra pare nesta etapa e que o diálogo se abra entre os dois países. Eu acredito no papel dos países da União Europeia… e de Portugal, porque não? Portugal é um país de diplomacia. Tem de agora avançar e fazer o seu trabalho de grande diplomacia para estabelecer paz no Médio Oriente e no Mundo”, apela Sépideh Radfar.

[Ouça aqui a entrevista completa no noticiário das 18h:]

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