PSD Madeira e PSD nacional estão em pé de guerra. E não é apenas pela abstenção desta sexta-feira no Orçamento do Estado para 2020. Em causa estão, sobretudo, as eleições diretas para a escolha do novo líder social-democrata. E a verdade é que o diferendo está a agitar o último dia de campanha interna. Começou com a confirmação de que os três deputados do PSD eleitos pela Madeira iam contrariar a disciplina de voto e acabaram mesmo por viabilizar (através da abstenção) o Orçamento do Estado na generalidade, arriscando com isso um processo disciplinar, e culminou com Rui Rio a ameaçar iniciar uma guerra jurídica por causa do pagamento de quotas para as diretas deste sábado. No limite, o líder do PSD já fez saber que o não respeito dos regulamentos internos pode levar à impugnação do ato eleitoral e o caso pode ir parar ao Tribunal Constitucional. Miguel Albuquerque também já respondeu: se votos da Madeira forem anulados, o caso só para nas “instituições competentes”.

Em causa está o facto de o PSD Madeira insistir que há 2.500 militantes aptos a votar nas diretas deste sábado, e Rui Rio estar a contar apenas com os 103 militantes (segundo os últimos dados oficiais revelados) que pagaram as quotas de acordo com as novas regras impostas pela secretaria-geral do partido. A divergência está no modo de pagamento, que, segundo as novas regras aprovadas em Conselho Nacional, não pode ser feito em numerário, tem de ser por transferência bancária, débito, MBWay ou vale postal, através de um código enviado para cada militante individualmente. Na Madeira, contudo, as coisas têm funcionado de forma diferente, com muitos militantes a pagarem diretamente a sua quota na sede, muitas vezes em dinheiro vivo.

Em entrevista à TSF, publicada esta sexta-feira, Rui Rio diz que não se pode “aceitar que um partido com a dimensão do PSD faça uma eleição nacional e que os militantes de Bragança, de Viseu ou da Guarda tenham de preencher determinados requisitos, enquanto outros não”, lembrando que “existem regulamentos que têm de ser aplicados igualzinho para todos os militantes, independentemente do sítio onde residem”. Ou seja, as regras têm de ser iguais para todos, sob pena de o ato eleitoral acabar impugnado.

A questão é que a Madeira pode passar de ser um dos círculos eleitorais com menos militantes para passar a ser o quinto maior, dependendo de qual das duas contabilizações seja aceite. A diferença é de mais de 2300 militantes, o que poderá fazer toda a diferença num universo de pouco mais de 40 mil votantes. Para Rio, não há dúvidas: se, em vez de 104 militantes, surgirem os tais 2.500 “está-se a usurpar o direito a esses 103 militantes, porque depois não se pode contabilizá-los”. “Não pode contar nada, como é lógico, portanto, é preciso pensar, quem vai fazer isso, que vai retirar o direito àqueles 104 militantes [número citado por Rio na TSF, provavelmente por não ter os números atualizados na altura da gravação da entrevista]“. Ou seja, ou contam os 103, ou não conta nenhum.

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Quem decide? Rio espera que o Conselho de Jurisdição do PSD atue ou, em última análise, o Tribunal Constitucional será chamado a pronunciar-se. E, nesse caso, o líder do PSD não tem “dúvida nenhuma do que o TC vai dizer: que as regras têm de ser iguais para todos”. “Era uma vergonha” se não fosse assim, disse ainda na mesma entrevista à TSF.

Miguel Albuquerque vai levar polémica até ao fim

Ninguém parece disposto a ceder. Classificando a polémica de “aberrante”, Miguel Albuquerque, líder do PSD Madeira, não admite que os 2500 votos não sejam contabilizados. Se forem anulados, vai recorrer para as “instâncias competentes”, como disse esta sexta-feira em declarações à Lusa na Madeira.

“Está é uma situação aberrante, ridícula e uma situação que não abona o PSD nacional”, disse o líder do PSD Madeira reagindo à posição do partido a nível nacional que invoca os regulamentos para não contabilizar os votos de 2.500 militantes. “Eu vou votar”, declarou o líder dos sociais-democratas madeirenses, argumentando que os militantes desta região “não vão é transigir relativamente a uma questão que é essencial, que é a circunstância do PSD/Madeira, no quadro dos estatutos nacionais e consoante está consubstanciado nos estatutos regionais, ter autonomia”. Ou seja, no seu entender, o estatuto de autonomia conferido à Madeira permite ter regras diferentes das restantes estruturas nomeadamente ao nível do pagamento de quotas.

Miguel Albuquerque reforçou ainda que “as eleições para o líder nacional, durante 40 anos se processaram da forma como vamos realizar as eleições amanhã [sábado]”. Ou seja, “não há nenhum motivo para alterar aquilo que durante 40 anos foi concretizado na Madeira sem qualquer problema”. O líder do PSD/Madeira realça que nesta região “durante 40 anos” os militantes do partido participaram “na eleição do líder nacional, tendo em vista o respeito pela autonomia estatutária” que a estrutura social-democrata do arquipélago tem.

“Portanto, não há nenhuma alteração que possa ser introduzida, nem o regulamento aprovado num conselho nacional que vá alterar os estatutos da Madeira e a sua autonomia”, argumentou, complementando que “são questões institucionais e de princípio” com as quais que os militantes do PSD/Madeira “não podem transigir”. Miguel Albuquerque salienta que se os votos do PSD/Madeira forem anulados na sequência desta polémica, o partido na região vai “recorrer para as instâncias competentes porque não é admissível esta situação”. Rio insiste que a lei de financiamento dos partidos impede pagamentos em numerário, pelo que as quotas não podem ser pagas por essa via. O braço de ferro veio para ficar.

Interesse da Madeira “em primeiro lugar”

Entretanto, os três deputados do PSD Madeira convocaram para a tarde desta sexta-feira uma conferência de imprensa, no Parlamento, onde apresentaram os argumentos para votarem o OE de forma diferente do que o resto da bancada social-democrata. Em vez do voto contra, os três deputados abstiveram-se, contribuindo dessa forma para viabilizar o documento. Porquê? Porque “colocamos o interesse da nossa região em primeiro lugar”, disse Sara Madruga da Costa, insistindo que os deputados madeirenses têm como “principal prioridade a defesa incondicional dos interesses dos madeirenses e porto-santenses”, colocando-os acima da disciplina de voto da bancada do PSD.

Questionada sobre o eventual processo disciplinar que daí pode advir, Sara Madruga da Costa limitou-se a dizer que os três deputados irão “assumir as consequências” dos seus atos. Ou seja, se tiverem um processo disciplinar, pouco importa. Para a deputada madeirense, a “prioridade” é garantir a resolução dos problemas dos madeirenses nomeadamente através da construção do hospital do Funchal, cuja verba de 17 milhões de euros está garantida no Orçamento do Estado.

Em todo o caso, a verba para a construção do hospital por si só não chega. As outras reivindicações do PSD Madeira, como os subsídios para a mobilidade social e marítima, não foram ainda garantidas neste documento, daí que a promessa de viabilização seja apenas para a votação do OE na generalidade e não se estenda à votação final global. A ideia é manter a via negocial aberta para ver o que a Madeira ainda pode vir a conseguir no decorrer da discussão na especialidade.

Mas foi mais um sinal do mau estar que existe entre a direção nacional e a regional do PSD. Até porque Rui Rio fez questão de dizer aos jornalistas, à saída da sessão plenária que aprovou na generalidade do orçamento, que só soube desta decisão através da comunicação social.