“É fantástico poder fazer parte da história, dos três capítulos do Dakar. Corri duas vezes em África, 11 vezes na América do Sul e agora na Arábia Saudita. Vai ser certamente uma grande experiência. Penso que 98% dos pilotos nunca correram aqui antes, por isso vai ser um grande desafio para toda a gente. É um novo capítulo para mim depois de cinco anos maravilhosos na Honda. Ganhei várias corridas, alcancei o título mundial. Consegui também terminar o Dakar no segundo lugar e ganhei algumas etapas.
Agora mudei-me para a Hero Motorsports e estou ansioso com este novo desafio. Às vezes é necessário fazer mudanças talvez para encontrar uma motivação extra. Estou feliz até agora. Fiz apenas duas corridas até agora mas tive várias etapas muito boas. Ganhei uma etapa em Marrocos e fiquei nos três primeiros em cinco ocasiões no Silk Way. Foi um início muito bom com a nova equipa. A Hero é como uma família! Conhecia o diretor da equipa há alguns anos da Speedbrain e da Honda, e provavelmente 80% das pessoas na equipa. E juntar-me ao meu cunhado J-Rod [Joaquim Rodrigues] é bom porque podemos trabalhar juntos e puxar um pelo outro.
Penso que é uma boa combinação em muitas coisas que nos irá ajudar a fazer uma boa corrida. Tenho mais dois meses para me continuar a adaptar à nova moto e estar preparado para lutar pelas primeiras posições. Esse é um objetivo para mim e para a minha equipa no Dakar. Existe a expetativa de encontrar muita areia e dunas mas os organizadores incluíram também áreas de montanha e de navegação complicada de certeza. Eles querem fazer algo especial neste novo capítulo do Dakar!”
Este é o texto na primeira pessoa de Paulo Gonçalves na sua página oficial do Rali Dakar, onde é descrito como um piloto à antiga que teve no ano de 2015 a sua melhor participação de sempre com um segundo lugar apenas atrás de Marc Coma. Em paralelo, a própria organização assumia que a prova não tinha sido propriamente “simpática” para o português, sobretudo nas últimas duas edições em que teve dois acidentes que lhe retiraram o sonho de poder lutar pelas primeiras posições. Speedy, como também era conhecido, chegava a um novo contexto com uma nova equipa mas o sonho de sempre: chegar ao lugar mais alto do pódio nas motos. E aquilo que se passou nas etapas iniciais mostrou que, mesmo não tendo possibilidade de lutar pela vitória, recusava desistir.
Parecia, mas não. Um pau quase tirou Paulo Gonçalves do Dakar
Devido a um acidente logo no início da terceira etapa, na passada terça-feira, Paulo Gonçalves foi transportado com a sua Hero de motor partido para o acampamento. E a própria organização chegou a anunciar a desistência do piloto, que era como habitualmente o melhor português em prova, naquela que seria a sexta saída precoce em 13 participações no Dakar. Seis horas depois, a surpresa: Speedy, campeão mundial de motociclismo em todo-o-terreno em 2013, teve uma paragem de seis horas mas voltou à prova após conseguir trocar o motor. Tudo pelo Dakar, tudo pela hipótese de pelo menos ainda poder brilhar em algumas etapas.
Organização do Dakar2020 corrige e mantém Paulo Gonçalves em prova
Este domingo, após um acidente fatal no quilómetro 276 da especial, o piloto entrou na lista negra daquele que foi muitas vezes apelidado de “Rali da Morte” mas que estava agora no período consecutivo com menos acidentes fatais, com o último entre competidores na prova a acontecer em 2015 com o polaco Michał Hernik. Paulo Gonçalves tornou-se em 2020 o 29.º participante no Dakar como piloto a morrer em prova, numa extensa lista que teve a primeira fatalidade logo no ano inicial quando Patrice Dodin perdeu o controlo da sua moto no arranque da etapa que fazia a ligação entre Agadez-Tahoua e sofreu ferimentos que se viriam a revelar mortais. Juntando ainda não pilotos, entre elementos da organização, jornalistas e espetadores, o número ascende aos 70.
Motociclista polaco morre durante a terceira etapa do Dakar 2015
A década de 80 começou com a morte do holandês Bert Oosterhuis em 1982, seguindo-se o francês Jean-Noël Pineau, o japonês Yasuo Kaneko, o italiano Giampaolo Marinoni e o francês Jean-Claude Huger até 1988 – todos eles motociclistas que não resistiram aos ferimentos de quedas ou de embates com outras viaturas. No final dessa década, o dia 9 de janeiro de 1988 foi dos mais negros da história do Dakar, com as mortes do holandês Kees van Loevezijn (e restante equipa na prova de camiões) e do francês Patrick Canado (automóveis) na mesma etapa. Foi também nessa década que Thierry Sabine, o criador do Rali Dakar (na altura uma prova que ligava Paris a Dakar), morreu num acidente de helicóptero com cinco pessoas, entre as quais o cantor Daniel Balavoine.
A década de 90 trouxe mais sete mortes de pilotos do Dakar mas nem todas foram no seguimento de acidentes com motos, automóveis ou camiões: em 1991, o francês Chales Cabannes acabou por ser atingido por uma bala perdida numa etapa no Mali quando levava o seu camião e não resistiu aos ferimentos; em 1996, o também francês Laurent Gueguen atravessou com o seu camião uma mina em Marrocos e acabou por morrer, ao contrário dos restantes tripulantes que conseguiram escapar ilesos (sendo que, na altura, foi levantada a hipótese de ser ainda uma mina restante da Segunda Guerra Mundial, algo que não demorou a cair por terra quando se percebeu que era mais um vestígio da guerra entre os rebeldes da Frente Polisário e o exército marroquino).
Este século, o período entre 2005 e 2007 foi particularmente fatídico, com cinco mortes em prova em apenas três anos, entre os quais o antigo bicampeão italiano Fabrizio Meone, que fazia a sua última corrida da carreira e acabou por falecer numa etapa na Mauritânia (sendo que o dia seguinte acabou por ser cancelado por se entender que não existiam condições para prosseguir a competição de imediato). Na América do Sul, para onde a prova se mudou em 2009, o francês Pascal Terry foi a primeira vítima numa história trágica: esteve desaparecido apesar de ter enviado um sinal de socorro, todos achavam que teria regressado à caravana e foi encontrado dias depois sem vida. O argentino Jorge Andrés Martínez Boero, o francês Thomas Bourgin, o belga Eric Palante e o polaco Michał Hernik foram as outras mortes até 2015, todos em acidentes na prova de motos.