Caso alguma vez se tenha perguntado sobre o que poderia unir estudiosos da Bíblia, adeptos da chamada “alimentação saudável” e Victoria Beckham, a resposta é simples — pão. Não se trata de uma simples carcaça, broa de milho ou pão de forma mas sim do “pão de Ezequiel”, a fonte de hidratos de carbono mais bíblica que existe. Uma recente tendência que começa a crescer do outro lado do oceano, nos EUA.
Há poucos dias, a ex-Spice Girl e mulher do ex-futebolista David Beckham partilhou numa story no Instagram aquilo que nesse dia foi o seu pequeno-almoço: uma fatia de “pão de Ezequiel” com abacate. As dúvidas não tardaram a surgir mas prontamente Victoria esclareceu tudo partilhando uma fotografia da embalagem do tal “pão”.
“Ezekiel 4:9” aparece em letras grande numa embalagem que facilmente passaria como sendo de um normal pão de forma. Para perceber melhor do que se tratava era preciso ler a letra pequena que acompanhava a embalagem — “O original pão 100% integral, sem farinha, com baixo índice glicémico e feito com grãos germinados | Igual ao que é descrito nas escrituras.” Confusos? É bastante fácil: o alimento em questão deriva de uma receita bíblica que aparece no Antigo Testamento, nos Livros Proféticos, pela pena do profeta Ezequiel, claro está.
O episódio com a designer e socialite britânica é apenas a ponta do iceberg daquilo que está muito perto de se tornar numa tendência séria, daquelas na linha dos “leites vegetais” ou dos iogurtes especiais da Islândia (também conhecidos como Skyr). A pouco e pouco este “pão de Ezequiel” tem ganho popularidade e já são mais que muitos os adeptos deste produto de panificação muito dado a cisões — ou se adora ou se odeia. A empresa norte-americana que o produz, a Food for Life, parece ter acertado em cheio naquele que será um dos próximos “fenómenos virais” da alimentação mas é preciso mergulhar nas escrituras para o conhecer melhor.
A “torta de cevada” que “será cozida sobre excrementos humanos”
Comecemos pelo próprio Ezequiel. De acordo com a Bíblia, este homem que terá nascido algures em 620 a.C., em Jerusalém, era filho do sacerdote Buzi e ele próprio acabou por ser também sacerdote da “Cidade Santa”. Com 30 anos, em 592 a.C., vivia juntamente com o restante povo de Israel na Babilónia, exilado após a primeira conquista de Jerusalém por parte do rei Nabucodonosor II, quando tem uma visão e apercebe-se de que a sua vocação é ser profeta.
A sua atividade profética, desde essa altura, estendeu-se durante 20 anos. Foi algures nesse tempo que previu o segundo cerco de Jerusalém — liderado novamente por Nabucodonosor que quis vingar-se da traição do rei Joaquim, o homem que tinha escolhido para governar em seu nome e que se revoltou, fazendo aliança com o Egito –, a destruição da cidade e a extrema carência que os “rebeldes” teriam de enfrentar.
Ora é precisamente quando Deus lhe fala dessa “carência” que lhe passa a receita daquilo que os “rebeldes” iriam comer durante o cerco: “Recolhe, por conseguinte, trigo, cevada, favas, lentilhas, milho miúdo e aveia; guarda-os no mesmo recipiente; […] Comerás este alimento sob a forma de torta de cevada, a qual será cozida sobre excrementos humanos, à vista deles.” Este excerto bíblico foi levado a sério pela empresa panificadora — de tal forma que o nome oficial do pão em questão é “Ezekiel 4:9”, referindo-se à passagem acima descrita.
A lição retirada é que aquilo que hoje é visto como uma alternativa saudável e aconselhável foi sugerido inicialmente quase como que um castigo, a penitência dos “rebeldes” que sofreram com o cerco do rei babilónico e acabou por levar à destruição de Jerusalém.
Sobre os “excrementos humano”, já agora, convém dizer que segundo a Bíblia, Ezequiel opôs-se à ideia de que cozer o tal pão nestas condições era uma punição demasiado exagerada. Deus acede e define uma alternativa: “Pois bem, permito-te que troques os excrementos humanos por excrementos de boi; cozerás o teu pão sobre eles.”
Mas afinal o que é que este pão tem?
O dito pão convencional é das receitas mais simples que existem, levando apenas três ingredientes — água, farinha e sal. Ora este “pão de Ezequiel” é mais complexo, bastante mais até, não apenas por causa da sua extensa receita mas, principalmente, por causa do tipo de legumes e vegetais que os compõem. Na sua receita estarão incluídos grãos como trigo, cevada, millet, lentilhas e soja, por exemplo, que são utilizados quando já estão germinados, quase parecidos com rebentos, que depois acabam por ser conjugados, cozidos (sem excrementos, felizmente) e dão origem àquilo que visualmente se assemelha a um normal pão de forma.
Os adeptos desta iguaria defendem que é precisamente o facto dos grãos serem usados “vivos” que teoricamente, fazem deste pão o mais saudável que existe. Para ter uma ideia, uma fatia deste pão igual à que Victoria Beckham “instagramou” tem cerca de 34 gramas, é ligeiramente mais pequena que as de outros tipos de pão. Tem cerca de 80 kcal, zero gorduras saturadas, três gramas de fibra, quatro de proteína e outras três de fibra. Em média, uma fatia de pão semelhante, que tenha o mesmo peso, tem cerca de 40 calorias a mais (120, no total), por exemplo.
[A nova moda seguida por Victoria Beckham também passou pela Rádio Observador]
O facto dos grãos utilizados serem já meio germinados faz com que as suas partes de mais difícil digestão se partam. Digestão essa que fica teoricamente mais facilitada, já que as enzimas libertadas entretanto dividem os hidratos de carbono em moléculas mais pequenas e fazem que sejam mais fáceis de processar. Esse germinar, supostamente, também desencadeia mais vitaminas e minerais, tornando-os mais facilmente assimiláveis. Eventuais benefícios à parte, o grande motivo que divide quem já provou este preparado é o sabor: há quem o adore e há quem o ache sensaborão, seco e desinteressante. O seu preço, também, é motivo de preocupação. Em Portugal é difícil (se não impossível) de o encontrar à venda mas saiba que Victoria Beckham tem de dar 4,59 libras (cerca de 5,50 euros) sempre que quer comprar uma embalagem com 20 fatias. Felizmente já existem muitas receitas “faça-você-mesmo” online.