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No dia seguinte à apresentação de cerca de 1300 propostas de alteração ao Orçamento do Estado para o próximo ano, o ministro das Finanças apareceu em Setúbal, nas jornadas parlamentares do PS, para atirar a todos, mas em especial ao PSD. “As propostas do PSD, se fossem todas aprovadas, agravariam o défice em mais de 2 mil milhões de euros“, garante Mário Centeno que se centrou particularmente da proposta do IVA da luz do partido liderado por Rui Rio, considerando-a “ilegal”. O Observador teve acesso a nota do Governo com argumentação a sustentar a acusação do ministro.
Centeno diz que o PSD não apresenta contas — ainda que o partido, sobre o IVA da luz, tenha previsto e anunciado um impacto de 175 milhões de euros — porque elas “não são para levar a sério. A proposta do IVA é ilegal porque não cumpre a legislação portuguesa e comunitária. É irresponsável”, garantiu aos deputados socialistas que estão reunidos na Quinta dos Moinhos de São Filipe, em Setúbal, distrito pelo qual Centeno já foi eleito. E nesta proposta, acrescentou ainda, “o PSD consegue bater todos os partidos parlamentares na irresponsabilidade” — PCP e BE também têm propostas neste capítulo.
Ao Observador, fonte do Governo explica que a “proposta apresentada pelo PSD não se enquadra nas regras da Diretiva do IVA por três fundamentos: por falta de base legal, por violar o princípio da neutralidade do IVA e por originar distorções na concorrência“. Uma nota do Governo a que o Observador teve acesso argumenta que “não existe base legal na Diretiva IVA para aplicação de diferentes taxas em função do tipo de consumo (doméstico, comercial, industrial)” e a proposta do PSD diz respeito exclusivamente à redução da taxa do IVA da eletricidade (exclui o gás natural) para 6% a partir de julho do próximo ano e apenas para o consumo doméstico, uma diferenciação que o Governo aponta como ilegal.
Também invocando a mesma diretiva do IVA, o Governo assume que “a taxa de IVA deve ser aplicada e fixada objetivamente considerando o bem ou serviço em si e não a sua utilização”. Além disso, o Executivo considera ainda que está em causa o princípio da neutralidade ao tratar de forma diferente consumidores entre si. E acrescenta um exemplo: “Uma pessoa que explore uma determinada atividade em nome individual, por exemplo um arquiteto ou um dono de um café, poderá ter uma taxa de IVA mais baixa do que um atelier de arquitetura ou uma sociedade comercial do ramo da restauração, isto porque os primeiros conseguem celebrar um contratos em
nome individual e, como tal, doméstico, ao contrário dos segundos que não podem”.
E esta “discriminação entre sujeitos passivos pessoas singulares e pessoas coletivas poderá originar distorções na concorrência”, adianta a mesma nota sublinhando que isso, “de acordo com a argumentação da Comissão Europeia, é considerada como uma linha vermelha na aplicação de taxas reduzidas de IVA”.
Ministro ataca “arranjinho” sobre redução do IVA da luz para 6%
O próprio Governo está a estudar a conformidade da sua proposta de redução modelada do IVA da energia, consoante o escalão de consumo, junto do Comité do IVA da Comissão Europeia e este é um tema sensível neste Orçamento já que PCP e BE e também o PSD têm todos propostas no sentido da redução generalizada da taxa que o Governo quer evitar. É também por isso que Centeno critica “o arranjinho sobre o artigo 215”. Um artigo onde está a lista de bens e serviços a que se aplica a taxa reduzida do IVA e onde PSD e PCP querem ver incluída a eletricidade (no caso do PCP também o gás natural). Já o BE quer incluir esta redução na taxa intermédia a partir de julho, mas com evolução para a reduzida em 2022.
Ora, para Centeno, “uma negociação orçamental não é um arranjinho sobre o artigo 215, não é uma tarde bem passada numa comissão parlamentar qualquer a negociar uma medida que parece popular”. No ano passado, o descongelamento de carreiras dos professores foi negociado e aprovado pela esquerda, PSD e CDS numa comissão parlamentar durante a tarde e levou até à ameaça de demissão por parte do primeiro-ministro. Uma negociação, continua Centeno, “não é um encontro furtivo, mas um processo continuado e partilhado”, isto na legislatura pós-geringonça, em que as negociações orçamentais são feitas a menos mãos.
Mas o alvo maior desta intervenção com que abriu as jornadas socialistas foi mesmo o PSD que a “pouco mais de duas horas do fim do período da entrega das propostas” apresentou uma lista “mas não entregou contas”. Uma coisa é certa para o ministro, esta “batalha vai ser dura”.
“Somos mais”, diz ministro aos deputados PS. E também houve muito mais segurança
Do PS, o ministro espera o apoio necessário para defender a sua “perspetiva do Orçamento” que espera que “não fique para trás. Até porque somos mais e vamos conseguir chegar ao fim com contas certas”, a sua tal “perspetiva” orçamental.
E lembra que “nos últimos quatro anos foram centenas as propostas que estes partidos propuseram que teriam impedido o aumento das pensões, o descongelamento das carreiras, a redução do IRS e do IVA”. Tudo isto, garante “foi feito com conta, peso e medida“. Quando as propostas da oposição se “dividem em dois grupos”, nas palavras do ministro: “Mais despesa ou menos receita. Todas as propostas revelam um aumento da dívida e uma deterioração do saldo”. Aqui ataca todos, mas logo depois retoma ao PSD que “é o exemplo mais paradigmático”.
E aproveita para atirar a toda a direita, com líderes renovados nas últimas semanas. “O que aconteceu à direita é que lhe foi caindo dirigente a dirigente do glorioso período de além da troika e agora caiu-lhe de vez a máscara da responsabilidade”. Sobre o PSD em particular, fez as contas ao impacto orçamental das propostas que o partido apresentou: “Se fossem todas aprovadas agravariam o défice em 2 mil e 200 milhões de euros, mil milhões de euros no aumento da despesa e uma diminuição da receita de mil milhões”.
Centeno também chamou a si os méritos sobre as “contas certas”, retirando a “conjuntura externa dessa equação”. “Dizer que esta é a melhor conjuntura externa de sempre é um exagero. Portugal contribui para a sustentabilidade dessa conjuntura”. E diz mesmo que há desafios pela frente, como a procura externa que diminuiu, o preço do petróleo e a enorme incerteza na construção financeira da Europa. “O que é verdade e diferente é que a riqueza cresce porque o Estado faz a sua parte absolutamente essencial nessa tarefa”, concluiu.
O ministro de Estado e das Finanças foi a figura de peso do Governo na abertura destas jornadas e à entrada do evento existia uma forte barreira de segurança assumida pela GNR. Os vários agentes inspecionaram cada um dos carros que entrou no perímetro do edifício da quinta onde decorrem estas jornadas, abrindo os capots e os porta-bagagens para que fossem inspecionados por um cão pisteiro. E form até usados espelhos para verificar a parte debaixo das viaturas. Questionada sobre estas nada usuais medidas de segurança num evento partidário — mesmo que nesse evento sejam esperados ministros e até o primeiro-ministro –, a organização das jornadas parlamentares do PS disse que foi a GNR quem as tomou e que também o PS ficou surpreendido com aquele aparato.