A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública internacional na sequência do surto do coronavírus em Wuhan. Desde que as primeiras notícias surgiram, centenas de pessoas já perderam a vida e o vírus foi confirmado em vários países. Não há dia que o coronavírus não seja notícia e abra telejornais e há ainda muitas perguntas sem resposta. Se o tema é difícil para adultos, ainda mais para crianças. A pensar nisso, reunimos um conjunto de conselhos de profissionais nas áreas da psicologia e da saúde para que pais possam tranquilizar filhos. E não mentir ou fazer promessas impossíveis é um deles.
Estar informado e tranquilizar
As crianças são muito permeáveis às notícias, pelo que é importante que, nesta fase, os pais se mantenham informados de maneira a transmitir uma mensagem tranquilizadora com base em factos, esclarece Inês Afonso Marques, psicóloga infanto-juvenil na Oficina de Psicologia. As muitas notícias que têm surgido sobre o impacto do coronavírus têm uma componente alarmista, pelo que é provável que, entre os mais novos, surjam dúvidas, receios e até ansiedade. É precisamente por isso que a psicóloga defende que os pais devem dar espaço para que sejam sobretudo as crianças a colocar as questões — se as tiverem — antes de avançarem com informação que os filhos podem não estar preparados para receber. “Os factos têm de estar do nosso lado”, reitera Inês Afonso, que também é mãe. “É importante passar a informação real, mas também filtrá-la. Há detalhes que podem ser desnecessários”, continua. No caso de uma criança de 5 ou 6 anos, por exemplo, esses detalhes podem remeter para o número de mortos ou de infetados. “É irrelevante, as crianças não sabem processar essa informação. Por outro lado, como os números são elevados, elas podem ficar assustadas”, diz. Relativamente aos adolescentes, a psicóloga afiança que não haverá muita informação a filtrar “porque eles têm acesso a tudo”.
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“Apesar de estarmos todos alarmados com isto, temos de ir buscar pistas tranquilizadoras”, diz. Essas pistas podem ser factos como estes: o vírus não chegou a Portugal (pelo menos até à data da publicação deste artigo) — apesar dos casos suspeitos que marcaram as últimas horas — , o surto aconteceu num país distante, existem normas de prevenção ou a comunidade médica está a fazer tudo ao seu alcance para controlar a ameaça. Além de informados sobre o que se passa a nível global e local, também é aconselhável que os pais estejam atentos e controlem as fontes de informação dos filhos. “Claro que não conseguimos controlar tudo e que eles na escola falam uns com os outros, mas o importante é estarmos atentos e sermos o exemplo”, atesta ainda Inês Afonso Marques. E como este é um tema que tem marcado muito a atualidade, a psicóloga entende que os pais até podem, numa fase inicial, abordar o assunto para tentar perceber o nível de conhecimento (ou de dúvidas ou receios) que os filhos têm, desde que criado o espaço para se falar abertamente sobre isso.
Não mentir ou fazer promessas impossíveis
Se desvalorizar não é resposta, mentir também não, bem como não é viável fazer promessas sem garantias de que estas se possam cumprir. Podemos, ao invés, adaptar o discurso: “Não posso garantir que o vírus não chegue a Portugal, mas até agora não há notícias sobre isso”, exemplifica Inês Afonso Marques. Já antes se lia na Time, num artigo com o mesmo ângulo, que os pais devem manter-se informados, ter perspetiva e ser honestos. “Nunca mentir, qualquer que seja a altura ou a idade”, reitera Rita Silveira Machado, psicóloga clínica no Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância e da Adolescência no Hospital de Santa Maria.
E o que acontece se a situação se altera e são detetados casos de coronavírus em Portugal? Inês Afonso Marques insiste que, mesmo assim, é importante que os adultos continuem a ser verdadeiros na informação que passam. “Se chegar, é preciso confirmá-lo. Nesse caso, podemos tranquilizar com informação disponível e explicar, por exemplo, que é preciso haver contacto com uma pessoa infetada, além de reforçar as normas de segurança.” A tranquilização é fundamental para evitar alarmismos. “Às vezes os pais querem meter os miúdos numa bolha de proteção e acabam por manipulá-los achando que os estão a proteger. Depois, eles ouvem o contrário na escola ou na televisão e ficam confusos.”
Ainda assim, pode chegar o momento em que a informação já não é suficiente para tranquilizar uma criança. Há várias dimensões da ansiedade: uma física e outra comportamental. A primeira inclui dores de barriga ou mãos suadas, sendo que os pais podem recorrer a técnicas de redução da ansiedade que passam pelo controlo da respiração ou pela mudança de foco (vulgo distrair). A segunda é quando o medo é tão grande que a criança pode, por exemplo, não querer sair de casa ou não querer brincar com o colega da escola só porque este é chinês. Assumindo sempre que não há perigo efetivo, é importante contrariar esses comportamentos — podem parecer protetores mas, na realidade, não o são e correm o risco de alimentar ainda mais o medo. No último caso, é importante que o adulto explique que não pode haver diferenciação cultural e que tente ser o mais claro possível quanto às formas de contágio. Outra opção passa por inverter a situação: “Como é que te sentirias se fosse ao contrário e fosse ele que não queria brincar contigo?”.
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Adequar o discurso e a linguagem à idade deles
Falar de coronavírus é também falar de milhares de pessoas infetadas e de centenas de mortos, pelo que a pergunta se coloca: podem palavras como “morte”, “contágio” ou “vírus” fazer parte do discurso dos pais? Inês Afonso Marques é da opinião que sim porque “todas essas palavras são reais e vão transparecer a realidade”, isto sem nunca esquecer que a linguagem deve ser adaptada à criança em si. “Se estivermos a falar com um menino de 5 anos e ele perguntar o que é a palavra ‘vírus’ podemos falar num animal muito pequenino que pode provocar doenças nas crianças; se for um adolescente já podemos elaborar um pouco mais a resposta”, continua. Na opinião desta profissional — psicóloga em exercício desde 2005 –, quando os pais tentam evitar determinados termos numa lógica de preocupação correm o risco de passar uma mensagem pouco realista e a criança pode detetar essa inconsistência. “Elas são muito permeáveis e observadoras”, assegura.
Rita Silveira Machado refere que as explicações dadas pelos pais devem ter em conta a idade dos filhos e também os testes que se fazem na escola, cujas perguntas podem — em caso de dúvida — servir de instrumento de maneira a sabermos que linguagem usar. A psicóloga e terapeuta familiar salienta que esta é uma forma de estar a par de como se estrutura o pensamento dos filhos, percebendo que os testes — nas diferentes etapas escolares — estão ajustados às suas capacidades de compreensão. “A linguagem tem de ser muito baseada naquela que já existe na escola. Isso vale para o vocabulário”, diz, dando ainda outro exemplo prático: partir a realidade é a melhor forma de a explicar. “Mas não vale a pena fazer disto um drama que interfira no dia a dia da criança”.
Ser vigilante e estar atento aos sinais
Este é um tema que, na opinião das psicólogas consultadas, pode gerar ansiedade. Em casos mais extremos é possível assistir a alterações de comportamento e de humor, incluindo alterações do sono, irritabilidade e maior dificuldade de uma criança em separar-se do adulto de referência, afirma Inês Afonso Marques. “Os pais têm de estar atentos a estes sinais”.
“Não vamos nunca evitar que um miúdo mais ansioso comece a ter uma preocupação excessiva”, refere Rita Silveira Machado. Nesses casos, continua, os pais podem partilhar histórias pessoais e empatizar com os filhos e, a pensar em situações mais complicadas, a psicóloga coloca em cima da mesa as consultas de terapia familiar — com enfoque em todos os membros e não apenas na criança — como uma hipótese. Isso ou, se possível, conversas com o médico de família de maneira a surtir uma explicação mais técnica e tranquilizadora.
Manter as normas de higiene (e seguir os conselhos da DGS)
O coronavírus não é substancialmente diferente da Gripe A ou de outras doenças transmitidas por contágio direto, diz Jorge Amil Dias, chefe de serviço de pediatria no Hospital de São João. Ao Observador explica que, ainda que a maior taxa de mortalidade esteja, ao que se conhece, associada a pessoas de idade avançada ou com outros fatores de risco, as crianças podem ser veículos de contágio. Daí que o essencial é os pais recordarem aos filhos as medidas de prevenção, isto é, “as boas práticas gerais de higiene”, como não tossir ou espirrar para cima de outros e lavar as mãos com frequência. “A melhor educação é o exemplo, os pais devem comportar-se de forma correta à frente dos filhos. E é útil que nas escolas se ensine boas práticas para prevenir o risco infeccioso”, continua Jorge Amil Dias, enumerando a necessidade para o respeito e consciência social.
Inês Afonso Marques atesta que as ações preventivas que todos podemos tomar — adultos ou não — oferecem-nos um sentimento de controlo mais apaziguador.
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Validar todas as emoções
Tudo isto pode ser um processo difícil, sobretudo quando são os próprios adultos a sentirem o peso da preocupação ou do receio. Reconhecendo o trabalho exigente que os pais podem ter pela frente, Inês Afonso Marques faz questão de salientar que é importante validar todos os estados emocionais, isto é, o que se está a sentir. “Se estou com medo, estou com medo. É importante reconhecer de que forma encaramos o tema para, depois, em conjunto com os filhos, ir à procura das tais pistas tranquilizadoras.”