A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu apoiar as iniciativas contra a despenalização da eutanásia, nomeadamente a realização de um referendo ao tema. A decisão foi anunciada em comunicado, esta terça-feira, depois da reunião do conselho permanente da CEP.
A Igreja Católica assume assim uma posição pública que contraria aquela que tinha mantido até agora. Para a Igreja, questões relacionadas com a vida, como a eutanásia, não eram referendáveis. Na semana passada, o bispo do Porto, D. Manuel Linda, tinha defendido, ainda assim, que não sendo uma questão referendável, “seria mais deplorável se 150 ou 200 pessoas impusessem os seus critérios a largos milhões de cidadãos”, referindo-se à possibilidade de a eutanásia ser aprovada pela Assembleia da República sem qualquer consulta popular.
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No comunicado, os bispos portugueses reafirmam que “a opção mais digna” está “nos cuidados paliativos como compromisso de proximidade, respeito e cuidado da vida humana até ao seu fim natural”. E recordam as palavras do papa Francisco, que apelou aos profissionais de saúde que tenham sempre em conta “a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer cedência a atos como a eutanásia, o suicídio assistido ou a supressão da vida, mesmo se o estado da doença for irreversível”.
Numa conferência de imprensa após a reunião, o porta-voz da Conferência Episcopal, o padre Manuel Barbosa, afirmou que “a sociedade tem de ser consultada” sobre “um assunto tão sério da sociedade”. “O referendo é uma forma, mas tem de ser consultada e tem de ser ouvida sobre questões que são essenciais da própria vida”, afirmou Manuel Barbosa.
Destacando que a legitimidade do Parlamento é “para servir o bem comum do povo português”, Manuel Barbosa insistiu que “tem de se ouvir o que é que a sociedade, no seu todo, tem a dizer sobre isso”. “E a Igreja Católica também faz parte da sociedade”, acrescentou.
“O homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima”
A Conferência Episcopal já se tinha pronunciado publicamente sobre a questão da eutanásia em março de 2016, altura em que publicou uma nota pastoral sobre o assunto, com o título “Eutanásia: o que está em causa? Para um diálogo sereno e humanizador” — documento que é lembrado esta terça-feira pelos bispos, no comunicado enviado aos meios de comunicação social.
“O homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima. A inviolabilidade da vida humana não cessa com o consentimento do seu titular”, argumentava na altura a Igreja Católica.
Nesse documento, o órgão que reúne todos os bispos católicos portugueses lembrava que, “para os crentes, a vida não é um objeto de que se possa dispor arbitrariamente, é um dom de Deus e uma missão a cumprir” — mas acrescentava que, “quando se discute a legislação de um Estado laico importa encontrar na razão, na lei natural e na tradição de uma sabedoria acumulada um fundamento para as opções a tomar”.
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Nesse sentido, a Igreja Católica assinalava, nesse extenso posicionamento, que “não é difícil encontrar na razão universal uma sólida base para esse princípio”, bastando olhar para a Constituição Portuguesa, que o reconhece “ao afirmar categoricamente que «a vida humana é inviolável» (artigo 24º, nº 1)”.
Os bispos recordam ainda o posicionamento do Papa Francisco, que a propósito do Dia Mundial do Doente — que se assinala precisamente nesta terça-feira — escreveu sobre a importância de colocar “o substantivo ‘pessoa’ (…) sempre antes do adjetivo ‘doente'”.
“Por isso, a vossa ação tenha em vista constantemente a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer cedência a atos como a eutanásia, o suicídio assistido ou a supressão da vida, mesmo se o estado da doença for irreversível”, afirma o Papa Francisco na mensagem divulgada no início do ano.
A posição da Igreja Católica em Portugal surge numa altura em que grupos da sociedade civil procuram recolher as 60 mil assinaturas necessárias para pedir um referendo sobre a eutanásia.
A iniciativa popular de referendo é assinada por 101 mandatários, entre os quais se incluem responsáveis católicos como o padre e teólogo Anselmo Borges, o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, Pedro Vaz Patto, ou o presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca.
Entre a lista de mandatários encontram-se também o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, a ex-presidente do PSD Manuela Ferreira Leite, o politólogo Jaime Nogueira Pinto e a ex-deputada do CDS-PP Isabel Garliça Neto.
Na iniciativa popular, que conta atualmente com mais de 7 mil assinaturas, os signatários propõem que seja apresentada a referendo a seguinte pergunta: “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?“.
No próximo dia 20, o Parlamento irá votar cinco projetos de lei destinados a despenalizar a eutanásia e o suicídio assistido em Portugal, apresentados pelo PS, pelo Bloco de Esquerda, pelos Verdes, pelo PAN e pela Iniciativa Liberal — e a distribuição das forças políticas na atual legislatura permite antecipar como quase garantida a aprovação da despenalização da prática.