O Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, vetou e devolveu à Assembleia Nacional a autorização dada pelo parlamento ao Governo para alterar a lei da droga, após o Tribunal Constitucional ter considerado esse diploma como inconstitucional.

Numa nota divulgada esta quinta-feira, o chefe de Estado refere que ao abrigo da Constituição da República de Cabo Verde exerceu “o direito de veto”, tendo devolvido à Assembleia Nacional, “sem o promulgar, o ato legislativo da Assembleia Nacional que concedia autorização ao Governo para aprovar o novo regime dos crimes de consumo e tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas”.

A autorização em causa foi aprovada no parlamento no mês passado e no dia 30 de janeiro Jorge Carlos Fonseca remeteu o diploma para apreciação do Tribunal Constitucional, “para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade” por ter “dúvidas cavadas quanto à conformidade” de normas e artigos da proposta, nomeadamente sobre a “separação e interdependência dos poderes”.

Na mensagem, o chefe de Estado refere que recebeu na quarta-feira a notificação do Tribunal Constitucional do seu parecer que, “em decisão de todos os seus juízes (com declaração de voto específica do Conselheiro Aristides Lima) pronunciou-se pela inconstitucionalidade” da norma em causa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo o Presidente, o parecer do Tribunal Constitucional refere que a lei “não inclui indicações sobre o conteúdo genérico das soluções legislativas a seguir, no que diz respeito ao processo criminal, os tipos de crime, as penas e medidas de segurança e os respetivos pressupostos”.

Acrescenta que na declaração de voto do juiz conselheiro Aristides Lima também é referido que “uma delegação de poderes ao executivo tão global e indeterminada em termos de sentido, ao violar uma obrigação de determinação de limite, como é o caso do sentido, é incompatível com o princípio da separação de poderes”, previsto na Constituição.

O novo regime jurídico envolvendo crimes de tráfico e consumo de estupefacientes em Cabo Verde — que o parlamento autorizava de forma genérica o Governo a legislar — previa a possibilidade de suspensão de pena com obrigação de tratamento, segundo a proposta governamental que a Lusa noticiou no início de janeiro.

A proposta aprovada então no parlamento recordava que em Cabo Verde o comércio de substâncias estupefacientes e a repressão do seu tráfico ilícito ainda são regulados pela lei n.º 78/IV/93, a qual “não sofreu alterações passados já mais de 20 anos”.

“Naturalmente que se encontra desajustada em relação à atual realidade doméstica e à evolução legislativa a nível internacional. Assim, é chegado o momento de rever o sistema legislativo vigente”, defendia a proposta do Governo.

Segundo o documento, esta reforma legislativa visa também a “adaptação aos princípios e regras internacionalmente preconizados, ao direito emanado das convenções, na prevenção e luta contra o tráfico ilícito de droga”.

Em concreto, a autorização servirá para rever o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, “definindo-se especificamente o processo criminal, os tipos de crimes, as penas e medidas de segurança e os respetivos pressupostos associados ao consumo e trafico ilícito de estupefacientes”.

Ficou ainda prevista a possibilidade de um requerimento para “assistência a tratamento espontâneo por si ou a partir dos seus familiares ou a nível dos grupos sociais”, bem como a “suspensão da pena com obrigação de tratamento”.

Seria ainda implementado o princípio da necessidade de exame médico, como forma de diagnosticar ou identificar o toxicodependente e o consumidor habitual, além de reajustadas as regras do processo penal e da legislação vigente que estabelece as medidas destinadas a reprimir o crime e lavagem de capitais.

A chamada lei da droga, em vigor desde 1993 em Cabo Verde e que assim será revista, prevê atualmente, entre outras, penas de prisão de dez a 20 anos para quem promover, fundar, chefiar, dirigir ou financiar grupo, organização ou associação de pelo menos duas pessoas, que promova o tráfico de droga no país.