Esta segunda-feira, no jogo em Barcelos contra o Gil Vicente, Carlos Vinícius marcou um golo solitário que acabou por valer a vitória do Benfica e o regresso dos encarnados à liderança da Liga. O golo do avançado, que foi o 20.º da conta pessoal esta temporada e o 15.º apenas no Campeonato, acabou por adquirir um destaque singular pela forma como foi marcado: não por dúvidas de legalidade, não por ter sido especialmente espetacular nem sequer por ter sido numa fase já derradeira do jogo. O golo de Carlos Vinícius foi assinalado porque foi marcado de cabeça — e Carlos Vinícius ainda não tinha marcado de cabeça desde que chegou ao Benfica.
Ora, o facto de o avançado brasileiro ainda não ter marcado de cabeça — e de nem sequer procurar propriamente muitas oportunidades para o fazer — começava a preocupar os adeptos do Benfica. Afinal, um avançado tem de saber marcar golos de cabeça. Tem de saber aparecer na área, subir mais alto do que os outros ou aparecer onde mais ninguém está e empurrar a bola com a cabeça para o sítio certo. O primeiro golo de cabeça de Vinícius ao serviço do Benfica surge precisamente na altura em que, no Reino Unido, a forma como se abordam os cabeceamentos no futebol começa a mudar.
Esta semana, as federações de futebol da Escócia, da Irlanda do Norte e de Inglaterra uniram-se para apresentar um plano de restrições aos cabeceamentos no futebol juvenil. “Este guia atualizado de cabeceamentos é uma evolução nas nossas regras atuais e vai ajudar os treinadores e os professores e a reduzir os repetitivos e desnecessários cabeceamentos no futebol juvenil. A nossa investigação mostrou que os cabeceamentos são raros nos jogos das camadas jovens, por isso, este guia é um desenvolvimento responsável da nossa orientação que não tem impacto na alegria que as crianças de todas as idades retiram do futebol”, explicou Mark Bullingham, líder da Football Association, a Federação inglesa de futebol.
As linhas orientadoras acordadas pelas três federações britânicas indicam então que, até aos 11 anos, nenhuma criança deve cabecear a bola durante os treinos. A partir dessa idade, de forma gradual, o jogo com a cabeça será introduzido — primeiro com uma sessão por semana, depois duas e daí por diante, até aos 18 anos, em que os cabeceamentos serão normalizados. Em nenhum escalão, porém, serão proibidos os cabeceamentos durante as próprias partidas, já que as três federações consideram que o jogo com a cabeça é raro no futebol das camadas jovens: motivo que, aliás, utilizam também para justificar a restrição nos treinos, alegando que não é necessário treinar cabeceamentos desde idades tão tenras quando estes lances só começam a aparecer de forma mais frequente nos escalões mais elevados.
A decisão das federações da Escócia, da Irlanda do Norte e de Inglaterra — a do País de Gales indicou que ainda está a realizar um estudo interno e que tomará medidas a partir daí — surge depois de um estudo da Universidade de Glasgow que conectou a prática de futebol durante muitos anos ao aparecimento de doenças do foro mental e psicológico. De acordo com a pesquisa da universidade escocesa, publicada em outubro do ano passado, os antigos jogadores profissionais de futebol correm maior risco de acabar por morrer de doenças neurológicas degenerativas e chegam a ter uma probabilidade cinco vezes superior ao normal de serem diagnosticados com Parkinson, Alzheimer ou vários tipos de demência. Ainda que os números tenham vindo a cair ao longo dos anos, principalmente devido às alterações nos materiais e no peso das bolas, um jogador de futebol continua a estar mais suscetível ao diagnóstico de problemas neurológicos.
O novo guia de orientações, porém, está longe de ser inédito. Desde 2015 que os cabeceamentos estão proibidos nas camadas jovens até aos 10 anos, depois de centenas de pais se terem unido para processar a própria US Soccer Federation, a Federação norte-americana de futebol. A preocupação com danos neurológicos e problemas crónicos futuros tem surgido também noutras modalidades, com o râguebi e o futebol americano à cabeça, onde os casos de ex-jogadores diagnosticados com encefalopatia, Parkinson ou Alzheimer se têm multiplicado nos últimos anos.