Em 1994, quando OJ Simpson foi detido e acusado de um duplo homicídio, o mundo no geral e o Estados Unidos em particular viram algo que ainda não tinham visto até então. De repente, uma estrela do desporto era um inimigo público. De repente, o jogador que todas as semanas aparecia na televisão com uma bola de futebol americano nas mãos tinha agora essas mesmas mãos algemadas. De repente, OJ Simpson era maior do que o desporto — e não no bom sentido.

Menos de 20 anos separam o caso de OJ Simpson do de Aaron Hernandez. A semelhança naquilo que são as traves mestras de ambos os episódios — foram os dois acusados de matar familiares, a ex-mulher no caso do primeiro e um futuro cunhado no caso do segundo, para além de que eram os dois jogadores de futebol americano — obrigou a uma proximidade nem sempre justa entre um e outro. Hernandez, que tinha 23 anos quando foi preso, era uma das estrelas dos New England Patriots de Tom Brady e formava com Rob Gronkowski uma das duplas mais perigosas da liga de futebol americano. A ganhar espaço numa equipa cuja presença no Super Bowl é algo recorrente e habitual, Aaron Hernandez era o futuro dos Patriots, da modalidade e do desporto nos Estados Unidos. Até que tudo o que podia correr mal, correu mal.

O jogador chegou a ser acusado do duplo homicídio de dois cidadãos cabo-verdianos mas acabou ilibado desse caso

Em junho de 2013, foi detido e acusado do homicídio de Odin Lloyd, o namorado da irmã da própria mulher. O jovem de 28 anos, que era também ele jogador de futebol americano, foi encontrado morto num parque industrial com vários ferimentos de bala: Hernandez, em conjunto com outros dois homens que terão sido cúmplices, foi o único suspeito do crime. Os Patriots rescindiram o contrato assim que a prisão do jogador se tornou efetiva e, após julgamento, Aaron Hernandez acabou por ser condenado a uma pena de prisão perpétua.

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Em abril de 2017, quase quatro anos depois de ser preso e cinco dias após ter sido declarado inocente num outro caso — tinha sido entretanto acusado do duplo homicídio, em 2012, de dois cidadãos cabo-verdianos –, foi encontrado morto dentro da própria cela. O suicídio de Aaron Hernandez acabou por abrir caminho a uma série de revelações por parte da família e a investigações do lado da comunicação social que hoje, sete anos depois de o escândalo ter rebentado, deixam entender que o caso do jogador não foi um simples episódio de rapaz-mau-mata-rapaz-bom.

A mãe e o irmão de Aaron Hernandez, assim como o próprio advogado que representou o jogador, revelaram que o jogador assumiu a própria homossexualidade já na prisão e que terá sido esse, de certa forma, o motivo que o levou a matar Odin Lloyd. O namorado da irmã da mulher de Hernandez terá descoberto que o atleta era homossexual e este, apavorado com a possibilidade de ver esse lado da vida pessoal ser desvendado, decidiu matar Lloyd. Uma investigação do Boston Globe, que acabou por dar origem a um mini doc sobre o caso, abriu ainda a porta à importância que os problemas mentais, muitos deles provocados pelos confrontos físicos do futebol americano, acabaram por ter no comportamento de Aaron Hernandez.

Ex-jogador da NFL condenado por homicídio, Aaron Hernandez, suicida-se na prisão

Já depois da morte do jogador, investigadores da Universidade de Boston analisaram o cérebro de Hernandez e concluíram que este sofria de um estado avançado de encefalopatia traumática crónica, provocada por concussões graves e recorrentes. “Esta condição resulta em problemas de julgamento, inibição de impulsos, agressão, irritabilidade, paranoia, volatilidade emocional e comportamentos de raiva, o que ajuda a explicar os crimes e outros comportamentos”, explicou, na altura, a equipa que estudou o cérebro do norte-americano. O consumo de drogas, que se prolongou durante o período que Aaron Hernandez passou na prisão e que era alegadamente ignorado pelos guardas prisionais, terá agravado os já sérios danos cerebrais do jogador — durante os quatro anos de pena que acabou por cumprir, passou grande parte do tempo isolado e castigado por comportamentos violentos dentro da cela, que incluíam gritar e bater com força nas grades.

Depois da investigação do Boston Globe, a Netflix vai divulgar no próximo dia 15 de janeiro um documentário sobre o caso de Aaron Hernandez. “Killer Inside: The Mind Of Aaron Hernandez”, que conta com testemunhos de antigos e atuais jogadores dos Patriots, explica a forma como as lesões cerebrais poderão ter influenciado o crime do jogador mas também aborda a paranoia e os ataques de pânico que já o afetavam anteriormente — e que levavam alguns treinadores a considerá-lo “uma bomba-relógio”.