Quando Willem era pequeno, os quadros de Vincent van Gogh decoravam as paredes de casa do avô, outro Vincent. Amendoeiras em Flor, o seu favorito, estava pendurado na sala de estar, ao lado de A Colheita, outra obra famosa do pintor holandês. O seu avô chamava a “Amendoeiras” o seu “pequeno quadro” — tinha sido pintado por van Gogh para celebrar o seu nascimento, a 31 de janeiro de 1890, e durante muitos anos decorou o seu quarto.
Vincent Willem van Gogh era o único filho de Theo, irmão de Vincent. Foi ele o responsável pela criação do Museu van Gogh, em Amsterdão, que recebeu nos anos 70 a totalidade da sua coleção pessoal, composta por 200 pinturas, 700 desenhos e as cartas que Vincent tinha escrito a Theo. A coleção tinha ficado à guarda da sua mãe, Johanna, após a morte do seu pai. Theo van Gogh morreu poucos meses depois do irmão, em janeiro de 1891, deixando a Johanna, com quem tinha casado há pouco mais do que dois anos, tudo o que tinha em sua posse. Ela tornou-se uma importante divulgadora da obra do cunhado, cujo talento reconheceu desde início.
Willem van Gogh, o neto de Vincent Willem van Gogh, é um dos herdeiros deste legado. Membro da direção do Museu van Gogh, está há várias décadas envolvido na preservação e divulgação da obra do seu tio-bisavô através da fundação que tem o seu nome, à qual pertence a coleção que era da família. Além do nome e apelido, há quem veja nele outras semelhanças com o famoso van Gogh — as comparações são constantes, e Willem considera-as um elogio, uma vez que a única fotografia que se conhece de Vincent foi tirada quando este tinha apenas 19 anos.
O sobrinho-bisneto do pintor holandês esteve em Lisboa para a apresentação da experiência “Meet Vincent van Gogh”, que abre as portas esta sexta-feira no Terreiro das Missas, em Belém. Criada pelo Museu van Gogh para divulgar a vida e obra de Vincent fora de Amesterdão, a experiência pretende tornar o artista “acessível a muitas pessoas”, para que estas “apreciem a sua viagem e aprendam mais sobre ele”, como explicou, durante uma curta conversa com o Observador, Willem van Gogh.
Viajou até Lisboa para a apresentação de “Meet Vincent van Gogh”, do Museu van Gogh. O que é que tinham em mente quando criaram esta experiência?
A ideia é tornar tornar a vida e a arte de Vincent acessível para muitas pessoas, para que estas apreciem a sua viagem e aprendam mais sobre ele. É uma experiência tridimensional, com vários espaços, cada um com um tema diferente. Acho que é incrível visitá-la.
Participou de alguma forma na criação e desenvolvimento da experiência?
Faço parte da direção do Museu van Gogh, estou envolvido em muitas coisas. Estive envolvido no processo de criação da experiência, mas não na sua concretização.
Essa ligação ao Museu van Gogh é recente, correto? Nem sempre esteve diretamente envolvido na história do seu tio-bisavô.
Na verdade, sempre estive. O meu avô fundou o Museu van Gogh juntamente com o governo holandês. Ele transferiu a coleção privada da família, composta por 200 quadros, 700 desenhos e todas as cartas para o seu irmão Theo, para as mãos de uma fundação, a The Vincent van Gogh Foundation. Quando tinha 32 anos, tornei-me membro dessa fundação. Foi há 35 anos.
O seu avô era sobrinho de Vincent van Gogh. Cresceu rodeado pelos quadros dele?
Cresci mesmo. Como disse, o meu avô era o dono da coleção. Antes da abertura do Museu van Gogh em Amesterdão, em 1973, ele tinha em casa 200 quadros. Lembro-me muito bem de que, quando tinha 8 ou 9 anos, o meu quadro favorito, Amendoeira em Flor, estava pendurado na sala da casa dele, ao lado de A Colheita, outro quadro muito conhecido.
Esse quadro, Amendoeira em Flor, foi pintado quando o seu avô nasceu.
Sim, Vincent pintou-o na altura do nascimento do meu avô.
Originalmente estava no quarto dele, não era?
Sim, estava. Li há pouco tempo os diários do meu avô e ele escreveu: “O meu pequeno quadro estava sempre comigo”.
O seu avô chegou a conhecer tio?
Sim. Vincent recebeu a notícia de que o bebé tinha nascido do Theo e da sua mulher, Johanna. O bebé tinha o mesmo nome que Vincent, Vincent Willem. Vincent também tinha Willem como segundo nome. Pintou este quadro e, alguns meses depois, mudou-se para Paris, e foi aí que visitou a jovem família pela primeira vez. Nunca tinha estado com Johanna e, obviamente, tinha curiosidade em conhecer o bebé que tinha o mesmo nome que ele. Há uma história engraçada: ele enviou o quadro “Amendoeira em Flor” para o apartamento da família em Paris e esperava que fosse pendurado no quarto do bebé. Ele [os visitou] entrou no quarto para ver o pequeno Vincent e tê-lo nos braços e não ficou contente por ver que o quadro não estava lá. A razão foi que Johanna gostou tanto dele que queria poder olhar sempre para ele, e pendurou-o na sala.
Johanna acabou por desempenhar um papel muito importante na história de Vincent. Foi ela que ficou com todos os quadros, as cartas.
Acho que não podemos subestimar o papel que ela desempenhou. Vincent só vendeu um quadro em vida.
Que quadro foi esse?
A Vinha Encarnada, que hoje faz parte da Coleção Pushkin. Pouco depois da morte de Vincent, [a 30 de março de 1853], Theo morreu. Apenas alguns meses depois. Ela era uma mulher jovem, de 28 anos, e tinha um filho de um ano. Ela tinha concordado com o marido que Vincent era um artista importante, então dedicou toda a sua vida a promover a sua arte. Organizou exposições com aquilo que tinha herdado do seu marido — 450 quadros — e vendou peças icónicas a colecionadores de arte e museus importantes. Por razões nostálgicas — porque a relação de Theo e Johanna durou apenas dois anos e meio —, começou a ler as cartas de Vincent ao marido e entrou no mundo dos dois irmãos. Ao fazer isso, reparou que eram de grande importância para a história de arte, porque eles começaram a sua correspondência antes de Vincent se tornar artista, aos 27 anos, e a última carta data de cinco dias antes da sua morte. Eles eram muito íntimos. Johanna decidiu editar as cartas e publicá-las. A primeira edição foi em 1914. Vincent escreveu sobre tudo — os seus desesperos, esperanças, a influência de outros artistas.
Sobre Gauguin…
Sim, sobre Gauguin, sobre Paul Signac, que também era um grande amigo. Como um professor canadiano disse: “É um documento sem paralelo na história de arte”.
O que é que sente quando lê aquelas cartas? São muito emotivas.
Sinto-me feliz quando o tom é feliz e sinto-me triste quando sinto que ele estava deprimido, tinha saudades do irmão, da família, dos amigos. Acho que são muito tocantes.
Na sua opinião, porque é que Vincent van Gogh permanece um artista tão popular? Porque é que gostamos tanto dele?
A publicação das cartas tornou Vincent famoso. Existem muitas pessoas que gostam de Vincent e a sua arte por causa da sua arte e da sua vida.
Então considera a publicação das cartas um momento fundamental na história da divulgação da sua obra?
Sim. A fama de Vincent deve-se a duas coisas, à sua vida e à sua arte. Claro que a sua arte domina. Começou pouco anos depois da sua morte, no final do século XIX. Ele pintou quadros muito acessíveis. Usou cores vibrantes, retratou a vida do dia a dia e também o círculo da vida. Ele pintou a ceifeira, a debulhadora, e isso faz parte do círculo da vida. Todos nós fazemos parte dele. Todos temos um quarto, uma casa pequena em que vivemos. A muitos níveis metafóricos, ele pintou, na minha opinião, a vida de todos.
É fácil gostar dele?
Sim, acho que sim. É um artista muito acessível.
Costumam dizer-lhe que é parecido com ele?
Oiço muito isso. É um elogio muito grande, porque só existe uma fotografia de Vincent, que foi tirada quando tinha 19 anos. Portanto, quando dizem que me pareço com ele…
Estão a dizer que parece que tem 19 anos.
Sim [risos].
“Meet Vincent van Gogh”, a única experiência oficial dedicada ao artista holandês, pode ser visitada a partir desta sexta-feira até 31 de maio no Terreiro das Missas, em Belém (junto à Estação Fluvial). Mais informações aqui