A falta de capacidade dos hospitais italianos para tratar os doentes infetados com o coronavírus está a obrigar as autoridades de saúde a arranjar alternativas para cuidar dos milhares de doentes no país. A maioria dos hospitais já pararam todos os procedimentos não-urgentes, incluindo cirurgias, para transformar blocos operatórios e outras alas hospitalares em unidades de cuidados intensivos — e até a Feira de Milão, importante centro de exposições da cidade onde decorrem habitualmente grandes eventos internacionais, será transformada num hospital temporário com 400 camas de cuidados intensivos.

De acordo com o jornal italiano La Stampa, as camas adicionais instaladas nos corredores dos hospitais, nos blocos operatórios e nos quartos de recuperação já não são suficientes para tratar os doentes no país europeu mais afetado pelo surto do coronavírus. Em declarações citadas por aquele jornal, o presidente da região de Lombardia, Attilio Fontana, admitiu que a região está perto de “esgotar” os recursos de que dispõe. “Estamos a fazer milagres ao recuperar mais de 200 camas de cuidados intensivos numa semana e meia. Nos próximos dias, deveremos disponibilizar mais 100 camas de cuidados intensivos. Temos um projeto para criar 400 camas de cuidados intensivos na Feira de Milão.”

O projeto tem vindo a ser estudado ao longo dos últimos dias pelo governo regional, pela proteção civil e pela fundação responsável pela gestão da Feira de Milão. Num espaço de cerca de 30 mil metros quadrados — os salões 1 e 2 da Feira, onde habitualmente decorrem grandes exposições internacionais —, serão instalados módulos capazes de albergar até dez camas de cuidados intensivos. No total, as autoridades estimam que o hospital temporário seja capaz de albergar entre 400 e 800 doentes infetados com o coronavírus. Ainda segundo o La Stampa, aquele centro de conferências e exposições foi escolhido pela sua localização estratégica na região e também por já ter uma série de características técnicas que facilitam a instalação de estruturas temporárias, como instalações de energia elétrica de grande escala e fácil acesso de viaturas pesadas.

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Falta ainda assegurar tanto o equipamento médico como o staff, disse Attilio Fontana. É necessário um médico por cada oito pacientes e um enfermeiro por cada três pacientes. Além disso, são precisos centenas de ventiladores e sistemas de monitorização, além de uma série de equipamentos médicos que ainda não se encontram assegurados. “Esperamos que a proteção civil nos envie o pessoal e o equipamento que temos em falta. Mas se não revertermos o crescimento [do número de doentes] nunca seremos tão rápidos como o vírus”, disse Fontana.

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Em Itália, segundo dados da OCDE, existe uma média de 3,2 camas de hospital por cada mil habitantes. Um número inferior ao de Portugal, que tem uma média de 3,4 camas por cada mil habitantes, mas superior a países como a Suécia (2,2), o Reino Unido (2,5), os Estados Unidos (2,8), a Islândia (2,9) ou Espanha (3). Na Europa, destaca-se a Alemanha (com 8 camas por mil habitantes) e a Áustria (7,4).

“Cada ventilador é como ouro”

A falta de capacidade dos hospitais de Itália para responder a um surto como o do coronavírus, entretanto classificado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde, tem sido evidente nos relatos de vários médicos italianos que vão sendo conhecidos nos últimos dias. A falta de espaço e de camas nos hospitais é um dos principais fatores apontados por quase todos os médicos que têm relatado a situação do sistema de saúde italiano.

Numa longa mensagem publicada no Facebook no fim de semana, o médico italiano Daniele Macchini, do hospital privado Humanitas Gavazzeni, na cidade de Bérgamo, descreveu como a falta de camas está também a afetar o setor privado — que tem trabalhado em colaboração com o Serviço Nacional de Saúde para dar resposta ao surto.

“Eu próprio observei, com espanto, as reorganizações de todo o hospital na semana anterior, quando o nosso atual inimigo ainda estava nas sombras: as enfermarias foram lentamente ‘esvaziadas’, as atividades letivas foram interrompidas, as unidades de cuidados intensivos foram libertadas para criar tantas camas como possível. Contentores a chegar à frente do serviço de emergência para criar percursos diversificados e evitar eventuais contágios. Toda esta rápida transformação trouxe aos corredores do hospital uma atmosfera de silêncio surreal e vazio que ainda não entendemos, à espera de uma guerra que ainda estava para começar e que muitos (entre os quais eu) não tinham a certeza de se chegaria com tanta ferocidade”, escreveu Daniele Macchini na mensagem publicada no sábado.

Em Itália, os hospitais estão à beira do colapso — e os médicos têm de escolher quem podem tratar

Descrevendo o povo italiano como um povo que não acorre aos serviços de saúde por uma mera gripe, o médico sublinhou o drama do surto de coronavírus — acentuado pelo grande nível de desconhecimento científico sobre o vírus e as suas formas de propagação. “Agora, porém, chegou com todo o drama a necessidade de camas. Um após o outro, os departamentos esvaziados estão a encher-se a um ritmo impressionante. As placas com os nomes dos doentes, de cores diferentes consoante a unidade a que pertencem, estão agora todas vermelhas, e em vez da operação cirúrgica está lá o diagnóstico, que é sempre o mesmo maldito: pneumonia intersticial bilateral.”

“Não há mais cirurgiões, urologistas, ortopedistas. Somos só médicos que de repente fazem parte de uma única equipa para enfrentar este tsunami que nos sobrecarregou. Os casos multiplicam-se, chegam a uma média de 15-20 hospitalizações por dia, todas pela mesma razão. Os resultados dos testes chegam um atrás do outro: positivo, positivo, positivo. Os cuidados intensivos estão saturados, e quando acabam os cuidados intensivos são criados mais. Cada ventilador é como ouro. Os blocos operatórios que suspenderam toda a atividade não-urgente tornam-se locais para cuidados intensivos que não existiam antes.”

Neste momento, Itália já registou um total de 12.462 casos de infeção por coronavírus, dos quais 3.724 se encontram em isolamento domiciliário. De acordo com os números mais recentes, morreram 827 pessoas na sequência da infeção. Entre terça e quarta-feira, morreram 196 pessoas. A nível global, já se registaram mais de 124 mil casos de infeção, com Itália a figurar como o segundo país mais afetado pelo vírus — e a ser, atualmente, o que regista uma maior taxa de disseminação do vírus. Entre terça e quarta-feira, houve um aumento de 2.313 casos naquele país, enquanto na China (onde o total acumulado é agora de 80.790 casos) este aumento foi de apenas 36 casos.