O dinheiro que os pais vão receber para cuidarem dos filhos em casa, no âmbito das ajudas do Estado para fazer face à crise do coronavírus, vai ser alvo de descontos para a Segurança Social. De acordo com o decreto-lei publicado em Diário da República esta madrugada e com o documento informativo da Segurança Social sobre esta matéria, o trabalhador terá de pagar os habituais 11% e a empresa, que garante o apoio a meias com a Segurança Social, terá de suportar a respetiva parte da contribuição.
Faz sentido? Luís Leon, consultor da Deloitte, não percebe a decisão, tendo em conta o procedimento habitual do Estado para este tipo de subvenções: “Estes apoios vão estar sujeitos a Segurança Social, mas não a IRS, o que é estranho. Não é normal uma prestação social ser tributada. O Governo está a seguir uma lógica diferente das baixas médicas ou das prestações de desemprego”, explica o consultor. O Observador aguarda esclarecimentos da tutela sobre esta questão.
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A medida aplica-se a pais que não possam trabalhar a partir de casa e tenham de cuidar de filhos menores — até 12 anos ou em casos de deficiência ou doença crónica. Vão poder justificar a falta e receber um apoio financeiro excecional, correspondente a dois terços da remuneração base.
No mínimo, os trabalhadores por conta de outrem recebem no total 635 euros euros (o equivalente ao salário mínimo) e, no máximo, 1905 euros (3 vezes o SMN).
Todo o dinheiro será recebido por via da entidade patronal, a quem a Segurança Social entrega a respetiva parcela. E é precisamente à empresa que o trabalhador deve fazer o pedido — com justificação de falta —, através de formulário próprio, disponível no site da Segurança Social.
A entidade empregadora, que “terá de atestar não haver condições para outras formas de prestação de trabalho, nomeadamente, o teletrabalho”, requere depois o apoio à Segurança Social através de formulário online a disponibilizar na Segurança Social Direta.
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Funcionários públicos recebem menos apoio do que no privado?
“Convém haver clarificação se os funcionários públicos pagam ou não IRS sobre a totalidade do apoio concedido”, sugere Manuel Faustino, antigo diretor do IRS, ao Observador.
A questão é que, no caso das empresas privadas, a parte paga pela Segurança Social deverá estar isenta de IRS, diz o consultor fiscal. Mas na administração pública, o apoio deverá ser concedido como salário: “Para uma mesma remuneração haverá uma diferença em termos líquidos entre o que ganha um trabalhador do privado e um trabalhador do Estado”, com os funcionários a receberem menos.
O consultor sublinha que “não é algo novo, porque já existe este tipo de situação no caso do subsídio de doença”, embora com particularidades. Mas Manuel Faustino entende que, “nesta situação excecional, em que há uma diminuição generalizada da remuneração, o Estado deveria abster-se de ir buscar o correspondente IRS”. Seria tratado “como é hoje o subsídio de refeição”.
“Se um funcionário público tem direito a mil euros, um trabalhador do setor privado também tem direito a mil euros”, entende Manuel Faustino.
A questão não se coloca para quem ganhe o rendimento mínimo, cujos valores não são sujeitos a IRS.
Com um dos pais em teletrabalho, o outro não pode receber apoio para cuidar de filhos
No caso de “um dos progenitores estar em teletrabalho o outro não pode beneficiar deste apoio excecional”, pode ler-se no documento publicado pela Segurança Social.
Uma situação que, nalgumas circunstâncias, levará a que um pai ou uma mãe tenha de cuidar sozinho(a) do filho (ou dos filhos) enquanto trabalha.
Se é certo que “o teletrabalho pode ser determinado unilateralmente pelo empregador ou requerido pelo trabalhador, sem necessidade de acordo”, também é verdade que terá de ser “compatível com as funções exercidas”. Ou seja, em casos em que um dos pais já esteja em teletrabalho e o outro não puder sair do local de trabalho, pelas funções que exerce (enfermeiros, motoristas, construtores civis, etc.), haverá casos em que um dos pais terá de cuidar sozinho dos filhos durante o horário de trabalho.
Além disso, o apoio não será dado durante o período de férias. Questionado pelo Observador sobre esta decisão, o gabinete do Ministério do Trabalho e da Segurança Social explica que o Governo parte do princípio de que, em qualquer caso, os pais já estariam em casa com os filhos. A questão coloca-se daqui a 15 dias, no período que corresponderia às férias da Páscoa (de 30 de março a 13 de abril), ainda durante o período de exceção decretado pelo Governo.
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O executivo prevê ainda casos específicos (também aplicáveis no caso de trabalhadores independentes). “Se a criança ficar doente suspende-se o pagamento da prestação excecional de apoio à família e aplica-se o regime geral de assistência a filho”, indica a Segurança Social no documento que explica as alterações.
E se “a criança ficar em situação de isolamento decretado pela autoridade de saúde, aplica-se o regime previsto para estes casos”, substituindo este apoio excecional.
Trabalhadores independentes com máximo de 1.097 euros para cuidar de filhos
O apoio para cuidar de menores aplica-se também a trabalhadores independentes, mas, neste caso, o apoio financeiro vale um terço das remunerações sujeitas a Segurança Social — a “base de incidência contributiva mensualizada” referente ao primeiro trimestre de 2020, ou seja, o rendimento de um trimestre dividido por três partes iguais.
O mínimo mensal corresponde ao valor do Indexante de Apoios Sociais deste ano, 438,81 euros, e no máximo pode atingir 1.097,03 euros (2,5 IAS). Se o período de encerramento da escola ou da creche for inferior a um mês, o trabalhador receberá o valor proporcional.
O apoio será requerido, neste caso, através da Segurança Social Direta, em formulário próprio. E deve ser declarado na Declaração Trimestral, estando sujeito à respetiva contribuição para a segurança social.
Tal como no caso dos trabalhadores por conta de outrem, “em caso de um dos progenitores estar em teletrabalho o outro não pode beneficiar deste apoio excecional”.
Recibos verdes com máximo de 438 euros por mês em caso de paragem de atividade
Quem trabalhe a recibo verde vai poder ainda contar com um apoio máximo de 438,81 euros por mês (correspondente ao Indexante de Apoios Sociais de 2020) se tiver uma quebra total da atividade por causa da crise do coronavírus. O apoio será concedido pelo Estado “durante um mês, prorrogável mensalmente, até um máximo de seis meses”.
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Para isso, é necessário que o trabalhador não tenha qualquer rendimento por conta de outrem; não seja pensionista; tenha tido uma obrigação contributiva em pelo menos 3 meses consecutivos (no espaço de, pelo menos, um ano); e esteja “em situação comprovada de paragem total da sua atividade ou da atividade do respetivo setor, em consequência do surto de COVID-19”.
Os trabalhadores nestas circunstâncias devem entregar uma declaração, “sob compromisso de honra, ou do contabilista certificado no caso de trabalhadores independentes no regime de contabilidade organizada”, que certifique a quebra da atividade. E deverão ter o dinheiro “a partir do mês seguinte ao da apresentação do requerimento”.
Além disso, durante o período em que recebam o apoio, os trabalhadores independentes vão poder pedir o adiamento dos pagamentos à Segurança Social para um momento posterior, “a partir do segundo mês posterior ao da cessação do apoio”. Vão nessa altura poder pagar às prestações, “num prazo máximo de 12 meses em prestações mensais e iguais”.
Em todo o caso, haverá sempre a obrigação de apresentar a declaração trimestral, para os casos em que se aplique, durante os meses em que os trabalhadores recebam esses apoios.