Foi a primeira conferência de imprensa de um líder partidário através de vídeo chamada, pela internet. Catarina Martins estava na sede do Bloco de Esquerda, acabada de sair de uma reunião — também em vídeo-conferência — com a líder da CGTP, Isabel Camarinha, e os jornalistas tinham recebido os códigos de acesso para uma “reunião” virtual. As perguntas seriam enviadas por mensagem para a assessora de imprensa que, no final da intervenção inicial da coordenadora bloquista, lhe passaria o telemóvel. Depois de um primeiro teste de som, estava tudo a postos para a conferência de imprensa.
Catarina Martins começou por sublinhar a importância de manter a via aberta com os jornalistas para a informação chegar aos portugueses da melhor forma possível, destacando as formas alternativas de comunicação que o Bloco de Esquerda está a testar. Depois, enviou condolências à família e amigos do primeiro caso conhecido de morte devido a Covid-19 e deixou os agradecimentos devidos aos profissionais de saúde que “estão a trabalhar em condições tão difíceis, e aos trabalhadores que têm continuado a manter o país a funcionar”. Foi então que a líder bloquista destacou um conjunto de medidas sobre trabalho que saíram da reunião com a secretária-geral da CGTP, e que o BE vai propor ao Governo.
Entre elas encontra-se a ideia de que o Governo deve decretar que todos os trabalhadores que se encontrem no chamado grupo de risco (doentes crónicos, oncológicos, diabéticos ou pessoas com mais de 65 anos) sejam enviados para casa para trabalharem em teletrabalho, e a receber na íntegra, ou que, no caso de não ser possível o teletrabalho, sejam dispensados das funções, mas continuem a receber por inteiro. O BE também quer garantias de que os trabalhadores não vão perder o direito às férias, uma vez que “quarentena não são férias”, e quer a suspensão dos prazos do subsídio de desemprego, assim como medidas de proteção a empregados domésticos e trabalhadores das plataformas digitais que, neste momento, “estão desprotegidos”.
Decretar a suspensão de despejos e cortes de eletricidade, gás, água e comunicações também está entre as medidas que o BE diz já ter apresentado genericamente ao Governo, preparando-se para reforçar agora o apelo. Eis a lista completa de 10 medidas “urgentes de proteção dos trabalhadores” que o BE quer ver atendidas:
1.”Todos os trabalhadores de grupos de risco devem estar em casa. Governo deve aprovar de imediato esta norma para todos os sectores. Ou passam a teletrabalho ou são dispensados de trabalhar, estando em casa com salário”;
2. “As empresas que têm de permanecer em funcionamento, devem ter medidas de contingência. O Governo deve criar regras claras sobre normas de segurança. É incompreensível que call-centers não tenham lotação drasticamente reduzida, com teletrabalho generalizado e horários desencontrados. No comércio, caixas de supermercado têm de ter gel e máscaras disponíveis. Outros setores de serviços, como transportes, recolha de resíduos, limpeza ou vigilância, têm de ter normas de segurança e higiene reforçadas, assim como os trabalhadores da indústria e do setor primário cuja atividade se mantenha indispensável”;
3. “O novo regime de lay-off do Governo tem duas dimensões graves que têm de ser imediatamente corrigidas. Incentiva a corte das férias e estabelece que o trabalhador que receba 2/3 do vencimento pode ser obrigado a trabalhar na mesma e em funções que não são as suas. Se o emprego se mantém, mesmo com apoios públicos, o trabalhador tem de ganhar os 100% do salário, mesmo que uma parte seja paga pelo Estado, e não pode perder o direito ao gozo das férias”;
4. “As bolsas de estágio do IEFP não podem ser pura e simplesmente suspensas deixando os estagiários sem rendimentos como está a acontecer. O Bloco propõe que sejam prorrogadas: trabalhadores vão para casa, o prazo da bolsa de estágio é suspenso, mas a parte do pagamento que cabe ao Estado mantém-se”;
5. “O mesmo relativamente aos apoios sociais no desemprego: suspensão dos prazos do subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego, para que se mantenham as prestações e não cheguem ao fim em momento de crise”;
6. “Também as bolsas e contratos de investigação científica devem ter a prorrogação necessária”;
7. “É necessário criar novos mecanismos para setores especialmente desprotegidos: trabalhadoras domésticas e trabalhadores das plataformas digitais“;
8. “O apoio aos trabalhadores independentes que ficam sem rendimentos deve ter teto mínimo do IAS — e não o IAS como teto máximo. Há trabalhadores que ficaram sem rendimentos e receber 200 ou 300 euros é incomportável. Devia aplicar-se o mesmo intervalo previsto para quem fica em casa: entre 1 IAS e 2,5 IAS, tendo em conta o rendimento dos últimos 3 meses, para que as pessoas não fiquem a viver abaixo do limiar da pobreza”;
9. “Decretar a suspensão de despejos e cortes de eletricidade, gás, água e comunicações”;
10. “O esforço financeiro das medidas de resposta social à crise Covid-19 deve ser financiado pelo Orçamento do Estado, protegendo-se a sustentabilidade da segurança social”.
Ou seja, o Bloco de Esquerda entende que o dinheiro para a concretização destas medidas deve vir do Orçamento do Estado, com Catarina Martins a sublinhar que não é certo se o montante já autorizado pelo Governo vai ser “suficiente” para fazer face a todas as medidas que vão ter de ser tomadas na perspetiva da proteção dos trabalhadores e das empresas. É nesse sentido que a líder bloquista considera que o Parlamento deve continuar a funcionar — ainda que com restrições –, para que possam ser aprovadas “medidas legislativas de resposta à crise”.
Questionada sobre o eventual decreto de “estado de emergência”, Catarina Martins limitou-se a dizer que o BE “aguarda a decisão do Presidente da República”, sendo que já ontem o líder parlamentar bloquista tinha dito à agência Lusa que “ninguém pode fechar a porta” a esse cenário. Para Catarina Martins, pode ser precisoo “apoio constitucional” para o Governo poder tomar algumas das medidas de resposta à crise, daí que dê a entender que não se oporá à instituição de “estado de emergência” no país. A decisão cabe a Marcelo Rebelo de Sousa, ouvido o primeiro-ministro, mas tem depois de ser aprovada por maioria no Parlamento, algo que deverá acontecer esta quarta-feira.