A “democracia não será suspensa”, como garantiu o primeiro-ministro, mas com a declaração de estado de emergência, o governo fica com a capacidade de suspender ou limitar vários direitos garantidos na Constituição. De acordo com o decreto enviado pelo Presidente da República ao Governo e à Assembleia da República, que já o aprovou, o Governo pode suspender parcialmente os direitos de: deslocação e fixação em qualquer parte do território; propriedade e iniciativa económica privada; direitos dos trabalhadores; circulação internacional; direito de reunião e manifestação; liberdade de culto, na sua dimensão coletiva e direito de resistência. Todos estes direitos são só suspensos em parte e em caso de necessidade. E dependerá daquilo que o Governo decidir.
Quanto aos direitos que não podem ser violados, o Presidente da República deixa claro os efeitos da declaração de estado de emergência não podem “em caso algum” afetar os “direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião”. A declaração de emergência também não afeta “as liberdades de expressão e de informação” e “em caso algum pode ser posto em causa o princípio do Estado unitário ou a continuidade territorial do Estado”.
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O detalhe do que vai mudar no dia a dia só será anunciado pelo Governo esta quinta-feira, mas para já, Marcelo aumentou o leque de possibilidades. Veja, ponto por ponto, o que pode mudar com a declaração de estado de emergência:
Para evitar o risco de contágio, o Governo, se assim o entender, pode impor o confinamento compulsivo no domicílio (quarentena obrigatória) ou no hospital, implementar cercas sanitárias, interditar deslocações e limitar a permanência na via pública, a não ser que as pessoas tenham um motivo: cuidados de saúde, assistência a terceiros ou para se irem abastecer de bens essenciais ao supermercado. Embora seja o governo a definir em que circunstâncias poderão as pessoas andar na rua. Abre margem para que o governo imponha, como fez o primeiro-ministro italiano, que as pessoas só saiam de casa mediante um motivo incontornável.
A propriedade e a iniciativa privada podem ser limitados. As autoridades públicas podem requisitar a prestação de serviços e utilizar bens móveis e imóveis de hospitais privados, de estabelecimentos comerciais ou de fábricas. Pode ainda obrigar empresas a funcionar, fábricas a laborar e também o contrário: suspender atividades comerciais ou industriais.
Sobre os direitos dos trabalhadores, fica também aberta a possibilidade de as autoridades ordenarem que quaisquer trabalhadores de entidades públicas ou privadas possam passar a desempenhar funções noutro local, que não o local de trabalho, com condições e horários diversos. Isto vale para os trabalhadores do setor da saúde, proteção civil, segurança e defesa, bem como para atividades relacionadas com a produção e distribuição de bens e serviços essenciais. Fica igualmente suspenso o direito à greve.
Controlo de fronteiras. Fica aberta a possibilidade de, em articulação com as autoridades europeias e em respeito pelos tratados da UE, o governo estabelecer novos controlos fronteiriços de pessoas e bens, incluindo controlos sanitários em portos e aeroportos. Ou seja, pode-se impedir a entrada em território nacional de pessoas desde que se verifique haver risco de propagação da epidemia.
Direito de reunião e de manifestação. Com base na posição da autoridade de saúde (a Direção Geral de Saúde) as autoridades públicas podem limitar ou proibir a “realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo coronavírus”.
Fica aberta a possibilidade de as autoridades imporem restrições à realização de celebrações religiosas ou outros eventos de culto que impliquem aglomeração de pessoas. Ou seja, Governo pode impedir a realização de missas, sob pena de multa caso não se cumpra a restrição.
Por fim, ficam impedidos todos os atos de resistência às ordens das autoridades.
O decreto de lei de Marcelo Rebelo de Sousa foi discutido esta tarde no plenário da Assembleia da República, tendo sido aprovado sem quaisquer votos contra (houve apenas abstenções do PCP, Verdes, IL e Joacine Katar Moreira). Depois seguiu para Belém para assinatura de Marcelo e para casa de Imprensa, para entrar em vigor logo à meia noite desta quarta-feira e vigorar até ao dia 2 de abril, podendo depois ser renovado por períodos iguais a quinze dias.
António Costa já fez saber que, depois de aprovado o decreto, vai reunir o Conselho de Ministros esta quinta-feira de manhã para tomar medidas concretas em função da margem constitucional que o estado de emergência dá direito.