Com a pilha de folhas do Orçamento do Estado para 2020 entre os dois, o Presidente da República e o ministro das Finanças concordaram que poderia ser promulgado tal como está, com um desenho proposto, discutido e aprovado ainda longe provocada pela pandemia do novo coronavírus. Enquanto Mário Centeno falava ainda em Belém, depois da reunião com o Presidente, e já Marcelo publicava uma nota a avisar que só promulga este Orçamento porque o regime de duodécimos não permite responder à crise e que a aplicação do diploma “vai ter de se ajustar ao novo contexto vivido”.
Uma coisa ficou praticamente clara, ficam abortados os planos de Centeno para sair do Governo no início do Verão, como estava alinhado mesmo antes desta crise de saúde pública rebentar e dos tremores económicos e financeiros que a ela vêm associados. O ministro não o disse taxativamente, mas varreu para debaixo do tapete o tabú que ele próprio alimentou — ao nunca responder com clareza se seria ele a executar o OE202, por exemplo — sobre a sua saída das Finanças. Isso são agora “folhetins”, diz ao mesmo tempo que garante estar “totalmente focado nas exigências e necessidades que este quadro requer do quadro” que ocupa como “ministro das Finanças e como presidente do Eurogrupo”. Este último cargo depende da permanência de Centeno no primeiro.
Quanto ao Orçamento, o ministro deixou claras as reservas para avançar já com uma retificação ao diploma. Garante que “este Orçamento tem um conjunto de normas que permitem acomodar uma boa parte das matérias que têm vindo a ser legisladas e tem um conjunto vastíssimo de outras normas que permitirão dar nota dinâmica à execução orçamental adaptada a 2020″. Admite a “possibilidade de um retificativo, que será avaliada a todo o momento pelo Governo, mas até lá temos margem de adaptação no Orçamento do Estado em vigor” para responder à crise.
O novo Orçamento entra em vigor a 1 de abril e nele constam medidas desenhadas noutro contexto, como por exemplo o reforço de investimento nos programas de arrendamento acessível, a revisão das carreiras da função pública, novo aumento extraordinário das pensões, o aumento das deduções no IRS a partir do segundo filho, um novo escalão de IMT nas aquisições com fins habitacionais acima de um milhão de euros, a rede pública de creches, alterações aos vistos gold ou mexidas no IVA. Medidas mais focadas num país com a exploração turística em alta, o negócio do imobiliário também e, em contrapartida, com famílias a ter dificuldades ao nível da habitação. Todo um cenário que está por agora afastado.
Se cenário se confirmar, normalidade pode começar a voltar em julho e aí podem-se refazer as contas
Um diploma que Centeno continua a acreditar ter condições para responder ao novo país que sairá desta crise. O que, nas previsões do Governo, acontecerá em junho. “Atingimos ou não o pico da crise sanitária entre 9 e 14 de abril, como as autoridades de saúde prevêem” e nessa caso, e “podemos a partir dai ver uma redução do número de casos e uma estabilização da situação sanitária que nos permitirá num prazo do segundo trimestre numa nova possibilidade de retomar a normalidade”. Centeno aponta essa reposição da “normalidade” para depois disso, para o terceiro trimestre, ou seja, a partir de julho.
Ou seja, se este cenário se confirmar o Governo estará em condições de fazer contas ao buraco que fica nas contas públicas e que virá de dois lados: a receita fiscal a cair a pique com a paragem da economia e o aumento das despesas na saúde e, sobretudo, do lado da Segurança Social que é área que vai sustentar o maior cheque de apoio à economia, às empresas e às famílias: dois mil milhões de euros por mês com a ajuda aos pais que fiquem com filhos e, sobretudo, com o layoff simplificado. Mais o o reforço de verbas para a saúde, cujo número ainda não se conhece.
O ministro diz estar ciente que “esta execução orçamental é a mais desafiante de todas as últimas” e sublinha que “este Orçamento é a base orçamental” em que o Governo vai “trabalhar ao longo de 2020”. Ao mesmo tempo acautela eventuais necessidades de ter de mudar tudo de um momento para o outro, a garantir que o “Governo dará resposta às necessidade, com retificativos ou mais legislação que”: “Não hesitaremos”. No limite, Centeno sabe que “tem sempre adaptações que se executam através da adaptação da lei do Orçamento à evolução da economia ao longo do ano”, ou seja, tem o retificativo — a única forma de alterar a lei do Orçamento.
A ação governativa imediata irá no sentido de “dar liquidez à economia“, através do desfasamento das obrigações fiscais e contributivas, a simplificação dos regimes de lay-off para “responder às situações mais agudas” e através do sistema bancário, com as moratória a créditos que se materializem ao longo do próximo trimestre.
Centeno também aponta para as “respostas europeias” que classifica de “grande dimensão”. Esta terça-feira haverá uma nova reunião do Eurogrupo e na quinta-feira o Conselho Europeu. “A resposta europeia não vai ter limite e vai ser muito solidária“, afirmou aquele que também é o líder do grupo de países que constituem a zona euro.