Tudo começou esta terça-feira à tarde, quando as funcionárias de um lar de Vila Real gritaram por “ajuda” à janela, pedindo que fossem feitos mais testes e que fossem retirados os idosos infetados. O presidente da câmara ficou “particularmente sensibilizado” com o apelo de funcionárias que, em alguns casos, estavam “há sete dias seguidos” no lar, e agilizou a operação, que arrancou esta manhã: 11 dos 13 idosos infetados estão a ser esta manhã transferidos de ambulância para o hospital militar do Porto, e os restantes 58 vão ser levados de autocarro para o hospital militar de Braga.
“Queremos ajuda. Queremos fazer os testes”, gritaram as profissionais naquela tarde de terça-feira, com máscaras a tapar a boca e o nariz. Junto ao Lar da Nossa Senhora das Dores, no centro da cidade, o autarca Rui Santos ouviu o apelo e garantiu estar a fazer “tudo o que é possível” para resolver o problema.
Se for preciso pagamos os testes. Eu quero saber se estou bem, mas também quero saber dos idosos”, gritou ainda a funcionária.
Lar evacuado: infetados para o hospital militar do Porto, restantes para Braga
Esta manhã, antes das 9h, começou o processo de evacuação dos utentes do lar Nossa Senhora das Dores, em Vila Real, para retirar os idosos que estão infetados com (11 os que estão ali, dois já tinham sido levados para o hospital). Esses 11 idosos vão ser agora levados, de ambulância, para o hospital militar do Porto.
De acordo com a SIC Notícias, que estava no local, todos os restantes idosos que não foram sujeitos a testes, também vão ser retirados e levados para um hospital militar improvisado em Braga, sendo lá testados. Esses, são “cerca de 60” (58 mais concretamente), segundo o presidente da câmara, que diz que tudo foi operacionalizado muito rápido, durante a noite, estado a operação agora a decorrer.
Além dos utentes, 7 funcionários também foram confirmados como infetados com o novo coronavírus. “Uns verdadeiros heróis”, disse o presidente da câmara, Rui Santos, que admitiu ter ficado “muito sensibilizado” com o pedido de socorro feito pelos trabalhadores do lar.
“Temos a consciência de que isto é uma longa guerra, vamos tentando ganhar batalha a batalha”, disse o autarca, pedindo a todos os habitantes de Vila Real para permanecerem resguardados em casa. Segundo o autarca, a operação está a ser coordenada com o Ministério da Saúde, o Ministério da Segurança Social e o Ministério da Defesa, e está a mobilizar 21 corporações de bombeiros, cerca de 30 ambulâncias e um autocarro para transportar todos os utentes.
Os primeiros a sair são os doentes infetados (11), que vão de ambulância; de autocarro vão os utentes que têm autonomia e que, não tendo sintomas, vão para o hospital militar de Braga.
A Unidade de Saúde Pública do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Marão e Douro Norte já tinha determinado esta terça-feira o isolamento de todos os casos positivos detetados neste lar, designadamente 13 utentes e sete funcionários. Determinou ainda o isolamento profilático dos restantes 59 utentes e 50 profissionais, incluindo um funcionário que aguarda resultado do teste que foi realizado pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
Segundo Rui Santos, só foram testados os que apresentavam sintomatologia. O primeiro caso positivo da covid-19 nesta instituição foi detetado no domingo, tratando-se de um doente oncológico.
Aos jornalistas, o presidente da Câmara de Vila Real disse que foi enviada uma missiva ao Governo a pedir a evacuação do lar, onde disse que “não há, neste momento, nenhum enfermeiro” para apoio aos idosos. Não havia também “ninguém com equipamento ou condições de entrar no espaço e substituir os funcionários que lá estão, em profundo estado de exaustão e a dar o seu melhor”, acrescentou.
Mas não podem aguentar muitas mais horas as 13 funcionárias para cerca de 74 utentes que estão, neste momento, dentro deste lar”, alertou.
Já nessa altura, o autarca apontava como solução a transferência dos utentes para o hospital militar do Porto. “É uma situação absolutamente dramática. Exijo ao Estado central que imediatamente atenda a esta nossa solicitação e venha socorrer estas pessoas”, frisou Rui Santos.
No debate quinzenal desta terça-feira, o primeiro-ministro chegou a admitir que alguns idosos possam ser transferidos de lares para unidades hoteleiras. “Estamos a admitir a mobilização de unidades hoteleiras para poder haver a instalação [de idosos], quando carecem de cuidados que não podem ser assegurados por outros meios”, disse, em resposta a Jerónimo de Sousa, que tinha questionado sobre as dificuldades dos lares e residências de idosos que registam cada vez mais casos de utentes e funcionários infetados.
“É o mesmo que passar uma certidão de óbito a esta gente toda”
Entretanto, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses alerta para uma “situação de catástrofe” noutra instituição: na Santa Casa da Misericórdia de Resende, em Viseu.
A Unidade de Cuidados Continuados está desde domingo em isolamento, depois de ter sido detetado um caso positivo numa utente (que entretanto faleceu). Em comunicado, o sindicato dá agora conta de 10 casos positivos na instituição, que tem 18 idosos.
E estes 18 idosos estão ao cuidado de apenas três enfermeiros — os restantes estão em quarentena. Destes três profissionais, só um pertence aos quadros da instituição — os outros dois estão a recibos verdes.
Ao Observador, Alfredo Gomes, da direção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, alerta que estes profissionais de saúde estão a trabalhar em “ciclos de 24 horas”, com apenas oito horas de descanso entre os turnos. E sem equipamento de proteção individual.
Alfredo Gomes denuncia ainda que os enfermeiros estão a cuidar dos idosos com casos positivos e, ao mesmo tempo, dos utentes que não estão infetados. “É uma bomba relógio. Ao prestarem cuidados de um lado e do outro, estes enfermeiros podem ser a via de transmissão da infeção”, explica o dirigente.
[Ouça aqui as declarações de Alfredo Gomes ao Observador]:
A Santa Casa da Misericórdia de Resende afirma que ainda não recebeu qualquer indicação por parte da Direção Geral da Saúde: “A Instituição já assumiu ter esgotado todos os recursos que tinha definido no seu plano de contingência, não ter capacidade de resposta e até já ter alertado a Direção Geral da Saúde, da qual não obteve qualquer resposta ou ajuda”, lê-se no comunicado enviado às redações.
Como tal, o sindicato pede a intervenção do Governo. Os enfermeiros já enviaram à ministra da Saúde um ofício, onde pedem o reforço dos profissionais de saúde, mais equipamento de proteção e a transferência dos idosos para outra instituição.
É urgente que estes idosos sejam retirados dali. Ou, então, que se criem as mínimas condições para que não sejam as mesmas pessoas a tratar de uns e doutros. Porque, senão, é o mesmo que estar a passar uma certidão de óbito a esta gente toda”, alerta Alfredo Gomes.
O enfermeiro pedia que estas medidas fossem aplicadas nas seguintes horas e de forma urgente. “Cada hora que passa é um risco acrescido”, avisa.
A instituição mandou fazer testes aos restantes utentes e a alguns funcionários — “que, como será de prever,
tem grandes probabilidades de serem positivos”, conclui o comunicado.
*artigo atualizado com a operação de evacuação do lar de Vila Real, na manhã desta quarta-feira