Odisseia
Homero
Frederico Lourenço, na introdução à sua tradução da Odisseia, refere que segundo poema homérico é, a seguir à Bíblia, “o livro que mais influência terá exercido, ao longo dos tempos, no imaginário ocidental”. De facto, existem várias aspetos da história que acabaram por entrar “no quotidiano ‘cultivado’ da civilização ocidental: a teia de Penélope, as Sereias, o Ciclope”. Um dos episódios mais famosos da Guerra de Tróia, o saque da cidade por meio do estratagema do cavalo de madeira, é narrado na Odisseia e não na Ilíada, apesar de este último se passar na reta final do conflito armado entre gregos e troianos (os episódios da guerra na Odisseia são relatados em retrospetiva). É também pela Odisseia que ficamos a saber da morte de Aquiles, anunciada no poema anterior pelo seu cavalo possuído pelas Fúrias.
A popularidade do poema deve-se, como refere Lourenço, ao “facto de estarmos perante uma história de interesse imorredouro, contada com eficácia arrasadora”, mas também à sua personagem principal, Odisseus (o Ulisses dos gregos). A Odisseia é, resumidamente, a história do seu regresso a casa, na ilha de Ítaca, depois dos dez anos da Guerra de Tróia. Um regresso adiado por outros dez anos por causa de inúmeras aventuras e paragens por lugares fantásticos, que incluem uma viagem ao mundo dos mortos e uma estadia de sete anos junto da ninfa Calipso. Não é que Odisseus não queira voltar para casa — quando está preso na ilha de Calipso, passa os dias a olhar para o mar, atormentado pela nostalgia e com saudades da mulher e do filho—, apenas parece ter dificuldades em ignorar os prazeres que lhe vão surgindo pelo caminho. São, no entanto, esses e outros defeitos que o tornam mais humano do que os heróis anteriores de Homero.
Como escreveu Lourenço: “Ulisses mente, mata, sobrevive; abraça as múltiplas experiências que vêm ao seu encontro, conhece o canto das Sereias e o leito de Circe; desce ao mundo dos mortos e recebe, mais tarde (ou mais cedo, pela ordem por que nós lemos a história), a oferta de nunca morrer: mas, essencialmente, é uma figura a quem as circunstâncias, e não a sua própria natureza, conferem uma dimensão heróica. É na superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela sobrevivência, que nos identificamos com ele”.
Obra disponível em e-book e para download gratuito no Project Gutenberg, numa tradução em prosa para o inglês, por Samuel Buttler (1835-1902), e para o francês, aqui. Está disponível uma tradução verso, também para o inglês, por William Cowper (1731-1800), entre outras.
As Viagens de Marco Polo
Rusticiano de Pisa
Livro das maravilhas do mundo, Descrição do mundo, Il Milione (isto é, O Milhão, em italiano) ou simplesmente As viagens de Marco Polo. O livro sobre as viagens do famoso mercador e explorador veneziano tem sido conhecido por muitos nomes desde que apareceu em Veneza, no final da década de 1290. O seu autor, Rustichello da Pisa, esteve preso em Génova com Polo, num período em que esta cidade estava em guerra com Veneza. Terá sido na prisão, entre 1298 e 1299, que o explorador terá relatado a Rustichello as suas aventuras pela Ásia e a Rota da Seda, entre 1271 e 1295, e as suas experiências na corte de Kublai Khan, neto do temível Gengis Khan.
As viagens em quatro partes: a primeira descreve as terras do Médio Oriente e da Ásia Central, por onde Polo passou durante a sua viagem rumo à China; a segunda passa-se já em território chinês e na corte de Kublai Khan; a terceira fala sobre algumas regiões costeiras do que será atualmente o Japão, a Índia e o Sri Lanka; e a quarta aborda guerras entre os mongóis e algumas regiões mais a norte, possivelmente na atual Rússia. Algumas passagens referem histórias fabulosas, o que levou a que se questionasse desde logo a veracidade dos relatos. Alguns autores modernos chegaram mesmo a questionar se Polo tinha ido até à China e pela Rota da Seda ou se as suas “viagens” não seriam apenas uma repetição de histórias de outros viajantes. Uma discussão semelhante existe em torno de uma obra inglesa, mais tardia, que terá sido inspirada por Il Milione, The Travels of Sir John Mandeville. Até hoje, ainda não foi possível provar se o tal Sir John Mandeville existiu.
Verdade ou mentira, o que parece certo é que o livro foi sucesso assim que apareceu, tendo sido reproduzido em várias línguas ainda em vida de Marco Polo, numa altura em que a impressão não existia. Dessas reproduções, conhecem-se cerca de 150. A mais antiga, e aquela que se acredita estar mais próxima do original de Rustichello, foi escrita em franco-veneziano, uma variedade de francês antigo influenciada pelo dialeto veneziano.
Obra disponível em e-book e para download gratuito no Project Gutenberg, numa tradução de 1903 para o inglês em dois volumes. O primeiro está aqui e o segundo aqui.
Cândido, ou O Otimismo
Voltaire
Cândido, ou o Otimismo é, muito provavelmente, a obra mais famosa do francês Voltaire. Isso deve-se, por um lado, ao seu enredo errático e fantástico (a personagem principal, Cândido, anda de um lado para o outro, viajando pelas grandes capitais europeias do século XIII), e, por outro, ao seu forte sarcasmo, que Voltaire usa como arma de arremesso contra diferentes aspetos da sociedade do seu tempo. É verdade que Cândido, ou o Otimismo é um livro de viagens e aprendizagens, mas é sobretudo uma grande crítica cultural e social feita por um homem que soube observar e analisar o seu tempo como poucos.
O principal alvo da crítica de Voltaire é o alemão Leibniz e a sua filosofia otimista (também conhecida por panglossianismo), que é ridicularizada através da série de calamidades que se abatem sobre Cândido e aqueles que o rodeiam. Apesar da improbabilidade de muitas coisas que acontecem ao longo do livro e do tom satírico que marca a narrativa, a maior parte dos eventos discutidos são baseados em acontecimentos históricos, como a Guerra dos Sete Anos (entre França e Áustria) ou o Terramoto de Lisboa de 1755, que muito impressionou Voltaire e que inspirou um poema, “Poème sur le désastre de Lisbonne“.
A par disto, é possível encontrar a temática da viagem, que Cândido é obrigado a realizar depois de ser expulso do castelo do barão Thunder-tem-tronckh, o paraíso terrestre. Esta viagem física é também uma viagem de auto-conhecimento e de crescimento, já que Cândido, ao deixar a sua zona de conforto, é obrigado a confrontar-se com o lado mais duro e difícil da vida. Mas fá-lo sempre mantendo uma esperança inabalável, que equilibra com o sentimento de desespero que inevitavelmente sente em determinadas circunstâncias. Afinal, o mundo em que vive, é o melhor dos mundos possíveis, uma teoria que lhe foi transmitida pelo seu mentor, Pangloss, uma paródia de Leibniz, e da qual acaba por desistir. No final da obra, cansado de filosofias, Cândido decide tornar-se agricultor.
Obra disponível em e-book e para download gratuito no Project Gutenberg em francês, aqui, e numa tradução para o inglês de 1918, aqui. O poema sobre Lisboa pode ser lido na Wikisourse, em francês e em inglês.
As Viagens de Gulliver
Jonathan Swift
As Viagens de Gulliver, do irlandês Jonathan Swift, relatam as aventuras do marinheiro e cirurgião Lemuel Gulliver, o único sobrevivente de um terrível naufrágio, que o conduz às paragens mais estranhas e inesperadas. Apesar de serem sobretudo conhecida pela sua vertente fantástica, As Viagens de Gulliver são, na verdade uma paródia da literatura de viagem, muito popular na altura, e uma inteligente e aguçada crítica social e política à Inglaterra do século XVIII, que Swift censurou em muitos outros textos satíricos, publicados anonimamente, nomeadamente em “Uma Modesta Proposta”, no qual propôs uma série de medidas que, uma vez aplicadas, acabariam com a fome na Irlanda.
Este livro, também publicado sob anonimato, está dividido em quatro partes, cada uma delas correspondendo a uma região que Gulliver visita. A primeira passa-se em Lilliput, um país habitado por pequenas pessoas, com pouco mais de 15 centímetros de altura, com costumes ridículos e uma cerca tendência para se envolverem em debates insignificantes. Em termos políticos, os liliputianos encontram-se divididos em duas fações, os tacões altos e os tacões baixos, que representam os dois lados da política inglesa, os Tories e os Whigs, respetivamente.
Na segunda parte, Gulliver viaja até Brobdingnag, a terra dos gigantes, e na terceira até à ilha flutuante de Laputa. A quarta parte passa-se na terra dos cavalos inteligentes, os Houyhnhnms. Esta é a região que maior impacto tem em Gulliver que, uma vez regressado a Inglaterra, decide mudar radicalmente a sua vida.
Viagens na Minha Terra
Almeida Garrett
Não é possível falar de literatura de viagens em português sem falar de Viagens na Minha Terra, o relato de Almeida Garrett da sua “odisseia” entre Lisboa e Santarém, a convite de Passos Manuel, seu amigo e chefe do então Governo. Publicada originalmente em folhetins na Revista Universal Lisbonense, entre 1845 e 1846, e depois em livro em 1846, a obra reúne as impressões de Garrett sobre o que vê durante o caminho que faz até Santarém, que acabam de servir de pretexto para uma outra digressão crítica e para uma série de divagações e reflexões filosóficas, ideológicas, políticas e sentimentais.
Em paralelamente à viagem, vai-se desenrolando uma outra história, a da “menina dos rouxinóis” ou dos “olhos verdes”, que vai sendo intercalada com a ida a Santarém. Nesta novela, tal como na viagem física de Garrett, é possível encontrar duas realidades distintas: a de um Portugal velho, inerte e corrupto, encarnado na personagem do Frei Dinis, e a de um Portugal romântico e liberal — o Portugal de Garrett –, que Carlos simboliza. Só que este ideal liberal é, para Garrett, por altura da escrita das Viagens, uma desilusão. No final da história, Carlos já não é Carlos: “Nem o conhecia se o visse agora: ingordou, inriqueceu, e é barão…”. Tornou-se naquilo que condenava, na representação superior do fracasso do liberalismo português.
Obra disponível em e-book e para download gratuito no Project Gutenberg, em português, aqui, e também na Wikisource, na grafia original, aqui.