Quem se recorda da proatividade e do “dedo no gatilho” evidenciados pelas agências de rating nos cortes que foram sendo anunciados na última crise, a chamada crise da dívida europeia, já poderá ter estranhado: porque é que as mesmas agências de notação financeira estão agora, no contexto desta crise causada pela pandemia da Covid-19, comparativamente tão silenciosas?
Na área da dívida empresarial, as principais agências de rating já têm tomado algumas decisões, sobretudo cortes da notação às companhias aéreas, que sentiram o impacto mais brusco e óbvio desta crise mundial. Mas na área das obrigações soberanas, designadamente na dívida dos estados europeus, alguns analistas estão a estranhar que as agências estejam, por sinal, a retardar a tomada de decisões com base nas perspetivas de recessão e de endividamento adicional que será necessário para combater os impactos e as consequências da pandemia.
Se o trabalho das agências de rating é servir os seus clientes com a aplicação de modelos de risco às economias sobre as quais, depois, emitem opiniões, esse trabalho não parece estar a ter feito – ou, pelo menos, não está a ser tornado público nem partilhado com os investidores que pagam por este serviço, designadamente os fundos de pensões e seguradoras, que repartem as suas carteiras de investimento tendo por base os ratings atribuídos aos diferentes investimentos possíveis.
A exceção a esta regra foi o corte de rating aplicado ao Reino Unido pela agência Fitch, na última sexta-feira – embora a Fitch tenha dado a entender que o impacto do coronavírus não foi o único fator a justificar esta decisão. “O corte de rating reflete um enfraquecimento significativo das finanças públicas do Reino Unido causado pelo impacto do surto de Covid-19 mas, também, a uma atitude de desaperto orçamental que já começou antes de a magnitude desta crise se tornar visível”, explicou a Fitch, acrescentando que na mente dos analistas estava, também, “a incerteza persistente que existe em torno da relação entre o Reino Unido e a União Europeia no pós-Brexit”.
A equipa de analistas do mercado de dívida do holandês Rabobank, em Londres, emitiu esta segunda-feira uma nota onde mostra recear que este corte de rating aplicado ao Reino Unido seja “um mau augúrio para os países da chamada periferia da zona euro, com Itália aqui a emergir como principal preocupação“.
Esta segunda-feira, as taxas de juro de Itália a 10 anos já denotam um agravamento significativo, subindo 12 pontos-base para 1,45% e esfumando-se parte do alívio registado após os anúncios de medidas de estímulo por parte do Banco Central Europeu (BCE), na semana passada. Segundo a mesma fonte, a Bloomberg, as taxas de juro de Portugal no mesmo prazo sobem ligeiramente, para 0,68%, e as de Espanha também seguem praticamente inalteradas, nos 0,55%.
As perspetivas económicas pioraram subitamente, afetando vários países do Sul da Europa em particular, é inevitável o aumento do endividamento público pela perda de receita e aumento das despesas, e, além disso, tem havido uma “falta de progressos” no trabalho que é divulgado por parte das lideranças europeias sobre os mecanismos de apoio que vão estar disponíveis – desde os moldes da utilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade até à eventual emissão de dívida conjunta, as chamadas eurobonds, ou coronabonds. Com todas estas notícias negativas e esta incerteza sobre o futuro, porque é que as agências de rating não parecem estar a pronunciar-se, ou a querer pronunciar-se, sobre os impactos para o risco dos emitentes de dívida pública?
Essa é a questão deixada pelo Rabobank esta segunda-feira. “Há alguma razão que esteja a levar as agências a adiarem alterações de rating neste período extraordinário?”, indaga a equipa de analistas liderada por Richard McGuire, deixando, então, mais uma dúvida: “se assim for, se as agências estão mais relutantes neste momento, porque é que decidiram só cortar o rating do Reino Unido?“.
Richard McGuire (um britânico) e a sua equipa admitem que a explicação para que Itália e outros não tenham ainda visto o rating cortado é porque, ao contrário do Reino Unido, já estão neste momento com ratings em patamares inferiores, embora ainda em “investimento de qualidade” (acima de lixo). “Mas isso significaria que, com esse critério, só nos países com rating mais elevado é que se vai refletir esse endividamento adicional nas notações de crédito, o que inviabilizaria a utilização dos ratings como instrumento de comparação internacional de riscos de crédito“.
Outra hipótese levantada pelo analista é que as agências de rating possam estar a ter especial cuidado desta vez porque foram alvo de “regulações muito restritivas” na Europa, após a última crise, em que foram abertamente criticadas por, alegadamente, terem agravado a espiral negativa entre risco maior, escassez de investidores, juros mais altos, portanto, risco ainda maior e ainda menos investidores.
“Será que as agências, agora, estão mais receosas em relação a potencialmente alterar os ratings com medo de mais restrição na sua atividade? Se assim for, além do enorme ‘risco moral’ (moral hazard) que isto comporta, as agências de rating estarão a colocar em causa a sua própria relevância caso continuem, por sinal, a manter a arma no coldre mesmo que as condições se agravem muito mais”, afirma o Rabobank.
Os analistas deixam claro que a sua nota de análise não visa “desafiar” as agências a cortarem ratings, mas, sim, alertar os clientes do Rabobank de que eventuais cortes de notação financeira são um risco a que têm de estar atentos, sobretudo se tiverem investimentos em dívida dos países do Sul da Europa. Sobretudo porque o Rabobank, embora seja um banco holandês, defende que a “bazuca” lançada pelo BCE não equivale àquilo que seria mais eficaz para resolver esta crise: a mutualização da dívida entre os países europeus para fazer face à pandemia, com a emissão das chamadas coronabonds.
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