Esta segunda-feira à noite, o epidemiologista e diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, Anthony Fauci, deu como certa a possibilidade de nos EUA haver um novo surto de Covid-19 depois do verão deste ano.

A questão foi colocada por uma jornalista na conferência de imprensa diária, onde Anthony Fauci divide o palco com o Presidente dos EUA, Donald Trump. A pergunta sobre a possibilidade de um novo surto “no outono” foi feita quando este último estava no palco. “Estamos preparados, mas espero que não aconteça”, respondeu Donald Trump, chamando de seguida Anthony Fauci, para um esclarecimento.

Este, por sua vez, foi mais direto do que o Presidente. “O facto é que antecipo que isso venha a acontecer, por causa do grau de transmissibilidade”, disse.

Porém, o principal epidemiologista dos EUA, e que assumiu o cargo ainda em 1984, no final do primeiro mandato de Ronald Reagan, deixou várias razões para otimismo em relação ao combate à Covid-19 num provável surto no outono.

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“Se regressar no outono, será um campeonato completamente diferente do que quando fomos atingidos pela primeira vez, no início deste ano. Vai haver várias coisas que vão ser diferentes”, disse. “A nossa capacidade para testar, identificar, isolar e rastrear as cadeias de transmissão será muito melhor do que o que era há um par de meses.”

Além disso, Anthony Fauci apontou para a possibilidade de por essa altura já estar disponível “uma ou mais” intervenções terapêuticas contra a Covid-19, que neste momento estão a ser produzidas e testadas. Mais tarde, mas já depois deste outono, dentro de “um ano ou ano e meio”, poderá inclusive haver uma vacina.

“Nessa altura não vamos contar só com as lições que aprendemos, mas também com as coisas que vão estar disponíveis e que não tivemos até aqui”, concluiu.

Adiar eleições? Trump disse que é “desnecessário”, Biden diz que “está fora de questão”

No contexto político norte-americano, falar no “outono” remete para um acontecimento acima de todas as outras: as eleições presidenciais, agendadas para 3 de novembro. Ora, a intensidade desta nova pandemia, tal como a imprevisibilidade que tem marcado a sua evolução, já levou a que o adiamento das eleições presidenciais de 3 de novembro fosse colocado como hipótese.

A 17 de março, Donald Trump foi questionado com essa possibilidade. “Adiar eleições não é lá muito bom”, disse. “Creio que adiar é desnecessário”, completou o Presidente dos EUA.

Porém, a evolução imprevisível desta pandemia, tal como uma alteração de planos por parte de Donald Trump, que tem ele próprio revisto a sua mensagem e resposta em torno desta crise à medida que ela se tem desenvolvido, tem motivado discussões sobre a possibilidade de as eleições de 2020 (que, além de servirem para eleger o Presidente, também são para alguns lugares nas duas câmaras do Congresso) estarem em perigo.

Joe Biden, favorito a vencer as eleições primárias do Partido Democrata, que por causa da Covid-19 foram adiadas em 12 estados, já se opôs a que as presidenciais sofram alterações do mesmo tipo. A 24 de março, num comício por videoconferência, Joe Biden disse:

“Nós votámos a meio da Guerra Civil (…). Nós votámos a meio da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Por isso, a ideia de adiar o processo eleitoral está, para mim, completamente fora de questão.”

A 27 de março, Joe Biden disse ao apresentador de talk-show Jimmy Kimmel que Donald Trump “não tem autoridade” para adiar as eleições. “Agora, é possível que ele comece uma campanha a dizer que as eleições devem ser adiadas”, especulou o ex-vice-Presidente.

A mesma hipótese foi rejeitada pelo historiador especialista no estudo da presidência norte-americana, Douglas Brinkley, em declarações à CNN. “Custe o que custar, as eleições têm de acontecer”, disse. “Isto não é como a época da NBA ou os Jogos Olímpicos. Quando vier outubro, temos de votar. Se conseguimos votar durante a Guerra Civil e se Franklin D. Roosevelt pôde concorrer a um quarto mandato em plena Segunda Guerra Mundial, então temos de arranjar uma maneira de as eleições de 2020 serem livres e justas.”

Ainda assim, no mesmo artigo, Matthew Petersen, que fez parte da Comissão Federal Eleitoral dos EUA, colocou algumas reservas sobre o que “o futuro nos guarda”. “Se o vírus ainda estiver a espalhar-se a grande escala no outono, então ir às urnas em locais cheios de gente, que são geridos na maior parte dos casos por pessoas mais velhas e vulneráveis, cria uma tempestade perfeita para o vírus continuar a espalhar-se.”

Voto por correio vai receber mais fundos, mas “não é uma panaceia”

Na tentativa de evitar uma fraca participação eleitoral no caso de, por medo de novos contágios, muitas pessoas preferirem ficar em casa em vez de ir às urnas no dia 3 de novembro, o pacote de estímulo económico aprovado pelo Senado e promulgado por Donald Trump prevê a utilização de 400 milhões de dólares (363 milhões de euros) para promover o voto por correspondência.

Este valor, porém, ficou consideravelmente aquém dos 4 mil milhões de dólares (3,63 mil milhões de euros) que a líder dos democratas na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, defendeu para essa iniciativa. No Senado, democratas como Ron Wyden (Oregon), Christopher Coons (Delaware) ou Amy Klobuchar (ex-candidata nas primárias democratas, do Minnesota), defenderam o uso de 2 mil milhões de dólares (1,81 mil milhões de euros) para esse fim.

Ainda assim, o uso do voto por correspondência como alternativa ao voto presencial em contexto de pandemia não é consensual. “Não podemos simplesmente mudar para o voto por correspondência e esperar que isso resolva tudo”, disse Ari Berman, especialista em direito ao voto, à CNN. “Isso não é uma panaceia.”