Fechadas em casa, as pessoas começaram a morrer — e ninguém foi buscá-las. É dessa forma que se pode resumir, numa simples frase, o problema com que se confrontaram várias famílias de Guayaquil, a maior cidade do Equador, quando perante a morte de um familiar em casa tiveram de esperar dias para que centenas cadáveres fossem recolhidos.

O que se passa? No fundo, é uma tempestade perfeita.

Guayaquil tornou-se num dos maiores focos do novo coronavírus em toda a América Latina, assoberbando de imediato hospitais e enchendo as morgues até ao seu limite. Quanto às funerárias, há as que não têm mãos a medir perante um pico de trabalho e também as que se recusam a trabalhar, por medo de serem contagiadas. Perante esta situação, houve famílias que ao verem um dos seus morrer foram obrigadas a decidir entre manter os seus mortos em casa ou metê-los na rua.

“O que é que se está a passar com o sistema de saúde pública deste país? Não retiram os mortos das casas, deixam-nos nos passeios, caem à frente dos hospitais e ninguém quer ir buscá-los”, queixou-se, no início desta crise, no fim-de-semana, presidente da câmara de Guayaquil, Cynthia Viteri, ela própria em isolamento por ter testado positivo para o novo coronavírus.

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De acordo com o jornal El Universo, sediado naquela cidade que é a capital económica do país, na quarta-feira a polícia estimava que havia 450 corpos em lista de espera para serem retirados de casas ou das imediações destas.

No Twitter, a jornalista Blanca Moncada começou a reunir uma lista, que apesar de extensa está longe de estar completa, com as moradas onde havia cadáveres por recolher. Naquela thread de Twitter a 31 de março, abundavam os casos de pessoas que estavam mortas já há três dias.

Em protesto e também em desespero, alguns familiares começaram a queimar em plena rua móveis, além de roupas e mantas usadas pelos mortos, de maneira a chamar a atenção das autoridades. Ao contrário do que chegou a ser escrito e espalhado nas redes sociais, não há registo de que se tenham queimado cadáveres nas ruas.

Guayaquil tem mais casos do que vários países da região

Não são só as funerárias e os hospitais que estão sem capacidade para responder em Guayaquil. Também os registos não estão a conseguir acompanhar o número elevado de mortes — tendo sugerido à população que tratassem as certidões dos bebés entretanto nascidos para outra altura. Os laboratórios pouco podem fazer, perante a escassez de materiais para testar para o novo coronavírus.

Ainda assim, os números oficiais desta quinta-feira já apontavam para que só em Guayaquil houvesse 2.758 casos positivos — o que representa mais de 87% de todos os casos no país. Só naquela cidade, há mais casos diagnosticados do que em pelo menos sete países da região, aponta o El Universo: Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Esta discrepância, porém, pode ser também o resultado da falta de testes nalguns daqueles países.

Seja como for, a cidade de Guayaquil é um foco grave do novo coronavírus — e isso mesmo admitiu pelo Presidente do Equador, Lenín Moreno, acrescentando até que aqueles números não refletem a gravidade da situação. “Hoje vivemos este problema também no nosso país, sobretudo na muito querida Guayaquil. Segundo os investigadores científicos, temos com toda a a segurança dezenas de milhares de contágios e já centenas de vidas ceifadas por este vírus, embora nalguns casos se tratem apenas de suspeitas”, referiu.

Por isso, admitiu:

“Sabemos que tanto para os números de contágios como para os falecimentos os números oficiais ficam por baixo. A realidade supera sempre o número de testes e a velocidade com que se presta atenção à situação”.

O Presidente do Equador sublinhou que os números dos mortos que o governo vai trabalhar para garantir que a contagem oficial se torne “mais transparente (…), por mais dolorosa que seja”.

A 1 de abril, o governo do Equador informou que espera que a crise do novo coronavírus mate entre 2.500 e 3.500 pessoas em todo o país.