Liz Garbus é uma documentarista com largos anos de experiência, autora de filmes como “The Farm: Angola, USA”, “Bobby Fischer Against the World”, “Love, Marilyn” ou “What Happened, Miss Simone?”. Estreada na Netflix, “Lost Girls” é a sua primeira fita de ficção, mas nem por isso deixa de ter uma avantajada mochila documental, já que se baseia num livro com o mesmo título, escrito pelo jornalista Robert Kolker, sobre o chamado assassino em série de Long Island, que sem nunca ter sido identificado ou apanhado, matou entre 16 e 20 pessoas, quase todas mulheres e prostitutas, ao longo de duas décadas naquela área. (O “lost” do título tem um duplo sentido, referindo-se ao seu desaparecimento, mas também à sua condição de “mulheres perdidas”.)

[Veja o “trailer” de “Lost Girls”:]

O livro conta a vida de cinco dessas mulheres, mas Garbus prefere centrar o filme em Mari Gilbert (Amy Ryan), a mãe de uma delas, Shannan Gilbert, a última a ter desaparecido e sido assassinada. Mari, que tinha mais duas filhas adolescentes que ainda viviam com ela, sabia o que Shannan fazia e recorria ao dinheiro dela quando a necessidade apertava, nunca tendo revelado às mais novas como é que a irmã mais velha o ganhava. E foi Mari que, revoltada com o desinteresse e o desleixo da polícia local perante o desaparecimento da filha (Gabriel Byrne interpreta um comissário fatigado e passivo), começou a fazer barulho com as autoridades e nos media, formando um grupo com mães, irmãs e amigos de outras vítimas, após a descoberta ocasional dos quatro primeiros cadáveres e o início de uma investigação em grande escala.  

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[Veja Amy Ryan falar da sua personagem e do papel:]

Em “Lost Girls”, Garbus procura coser o lado documental e realista, e a componente ficcionada e mais padronizada, e aquele é o mais satisfatório. Sobretudo graças à personagem de Mari, uma mãe solteira que levou muitos safanões da vida e está longe de ser exemplar, que acumula dois empregos, tem que lidar com os problemas psiquiátricos de duas das três filhas e que, após o desaparecimento da Shannan, é motivada tanto pela dor e pela indignação ante a atitude negligente das autoridades, como pelo remorso e pela culpa. Apenas esboçados, ficam os perigos que correm as raparigas que se dedicam à prostituição, os vários problemas que as levaram a isso, as figuras das parentes destas, que fazem pouco mais que figura de corpo presente, e o dilaceramento interno das famílias que não a de Mari.

[Veja a realizadora Liz Garbus falar do filme:]

Se o forte do filme é esse realismo de cepa documental, amplificado pela interpretação de Amy Ryan numa Mari tão incendiada pela fúria como atormentada pela consciência, a sua fraqueza revela-se no pouco à-vontade da realizadora perante os elementos mais convencionais do formato, resultando numa estrutura dramática por vezes claramente desajeitada e em emoções telegrafadas por antecedência. “Lost Girls” acaba por se assemelhar em excesso a um daqueles telefilmes de “denúncia” indignada e justiceira, onde as boas intenções e o merecimento da causa não conseguem ter uma execução narrativa, emotiva e cinematográfica à altura.

Liz Garbus teria de certeza feito mais justiça a esta sombria história, e à memória das vítimas, se a tivesse tratado no registo de documentário em que é exímia, e com mais tempo para a explicar, detalhar e deixar respirar, do que a mera e apertada hora e meia que dura “Lost Girls”.

(Nota: a deficientíssima tradução de filme chega ao ponto de, numa cena em que Mari diz que teve que fazer “the graveyard shift” (ou seja, o turno da noite), aparecer nas legendas: “Tive que trabalhar no cemitério”.)

“Lost Girls” está já disponível na Netflix