O cardeal António Marto, bispo de Leiria-Fátima, diz que quem classifica a pandemia da Covid-19 como um castigo de Deus “não é cristão” e age “por ignorância, fanatismo sectário ou loucura“. Numa entrevista ao portal católico espanhol Religión Digital, o cardeal português sublinhou que, “felizmente“, essa expressão não tem sido usada pelos líderes católicos em Portugal.

“Isso não é cristão”, disse, quando questionado sobre se concordava com os clérigos, incluindo cardeais, que afirmam que o coronavírus é um castigo de Deus. “Só o diz quem não tem na sua mente ou no seu coração a verdadeira imagem de Deus Amor e Misericórdia revelada em Cristo, por ignorância, fanatismo sectário ou loucura“, acrescentou António Marto.

Vários líderes católicos, mas também clérigos de outras religiões, têm expressado esta posição nos últimos dias. No caso da Igreja Católica, vários bispos e cardeais ligados à ala mais conservadora e tradicionalista têm classificado a pandemia como um castigo divino contra uma Igreja que se afasta dos valores tradicionais.

O bispo auxiliar de Astana, Athanasius Schneider, um dos principais rostos do conservadorismo católico, afirmou recentemente que a pandemia é “uma intervenção divina para castigar e purificar o mundo pecador e também a Igreja“. Schneider disse que o aviso divino é especialmente dirigido ao Papa Francisco e aos bispos progressistas, que têm permitido a adoração de ídolos e que “aprovam implicitamente relações sexuais fora de um casamento válido, ao permitir que os chamados ‘divorciados e recasados’ que são sexualmente ativos recebam a sagrada comunhão”.

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O cardeal norte-americano Raymond Burke, considerado o líder da oposição ao Papa Francisco, emitiu no mês passado um comunicado em que, sendo mais contido nas palavras, deixa no ar a mesma ideia. “Uma pessoa de fé não pode considerar a calamidade atual em que nos encontramos sem considerar também o quão distante a nossa cultura popular está de Deus“, escreveu Burke, antes de sublinhar aquele que considera ser grande problema da cultura atual: o “ataque à integridade da sexualidade humana, à nossa identidade enquanto mulher ou homem”.

Também em março, o cardeal alemão Paul Josef Cordes juntou-se a este grupo num artigo sobre a pandemia publicado na edição em alemão da CNA. “A palavra de Deus diz claramente que uma vida contrária a Deus pode conduzir à doença“, escreveu o cardeal alemão.

Nos Estados Unidos, a polémica surgiu com as palavras do pastor Ralph Drollinger, conselheiro de Donald Trump e líder do grupo de estudo bíblico da Casa Branca — um grupo que se reúne às quartas-feiras para a leitura da Bíblia e que inclui vários membros do governo norte-americano, incluindo o vice-presidente Mike Pence e o secretário de Estado Mike Pompeo. Drollinger escreveu, em março, que os EUA estão a experienciar a “ira de Deus“.

Mais recentemente, o próprio Papa Francisco foi questionado sobre o mesmo assunto numa entrevista pelo seu biógrafo, Austen Ivereigh, mas optou por fazer uma reflexão sobre a forma como natureza está a responder às agressões humanas contra o planeta.

“Há um ditado espanhol: Deus perdoa sempre, nós de vez em quando, a natureza nunca. As catástrofes parciais não foram atendidas. Hoje em dia, quem fala dos incêndios da Austrália? Ou de que há um ano e meio um barco cruzou o Pólo Norte porque se podia navegar, porque se tinha dissolvido os glaciares? Quem fala de inundações? Não sei se é vingança, mas é a resposta da natureza“, afirmou o líder da Igreja Católica.