O Conselho Europeu reúne esta quinta-feira e o Bloco de Esquerda não quer que seja mais mais uma oportunidade desperdiçada. Numa mensagem em vídeo enviada aos jornalistas esta segunda-feira, a coordenadora bloquista pressiona o Governo a resolver a indefinição que diz existir entre a posição do primeiro-ministro — que “tem dito que não quer austeridade e quer uma resposta solidária” — e a do ministro das Finanças, que, enquanto presidente do Eurogrupo “tem sustentado as posições alemãs”. O BE defende que a chave da resposta europeia deve ser a criação de um fundo de recuperação, que não aumente a dívida dos vários estados-membros, e até já apresentou essa proposta ao Governo. Hoje, contudo, pressiona o Governo a dar-lhe ouvidos, acenando com o exemplo do vizinho governo espanhol.
Bloco propõe fundo europeu que pode ir até 1470 mil milhões. Proposta de Centeno é “ineficaz”
“O Bloco de Esquerda apresentou uma proposta ao Governo para que pudesse levar ao Conselho Europeu, de [criação de] um fundo de recuperação financiamento diretamente pelo BCE, com juros próximos de zero e maturidades muito longas, o que daria aos países capacidade financeira para recuperar sem aumentar o serviço da dívida”, começa por relembrar Catarina Martins no vídeo, lançando depois o trunfo: “Hoje mesmo, o governo espanhol apresentou a proposta de um fundo de recuperação, dentro destas linhas também, com 1,5 bilião de euros para recuperar os vários países da UE. Ainda não sabemos o que fará o governo portuguêss”, diz a coordenadora bloquista, passando a bola para as mãos de António Costa.
É que, diz, o Governo tem mostrado uma “indefinição” nesta matéria, falando a duas vozes. De um lado, António Costa fala para dentro dizendo que “não quer austeridade e que quer uma resposta solidária” da UE. De outro lado, Mário Centeno, enquanto presidente do Eurogrupo, tem “sustentado as posições alemãs”, que preconizam uma resposta semelhante à dada durante a crise financeira de 2008, que passa por dar agora e pagar depois. “Esta duplicidade fragiliza Portugal e a possibilidade de uma resposta europeia” à crise da Covid-19, afirma.
Espanha propõe fundo de recuperação europeu de 1,5 biliões com dívida perpétua
Em causa está um mecanismo que ultrapassa o Mecanismo Europeu de Estabilidade e que se caracteriza por ser uma resposta com “capacidade estrutural” para a crise. A ideia do BE é que só um Fundo de Recuperação financiado diretamente pelo BCE, com taxas de juro próximas de zero e maturidades longas, que teria um valor mínimo de 750 mil milhões de euros, mas que podia ir, no seu entender, até 1.470 mil milhões, daria verdadeiramente aos países a capacidade financeira para se recuperarem sem aumentarem a dívida. Ou seja, sem terem de pagar depois sob a forma de políticas de austeridade. Esta, no entender dos bloquistas, é a única resposta “solidária” que a UE pode dar, que vai ainda mais longe do que a emissão de dívida conjunta, as chamadas coronabonds, que sempre tiveram a oposição do governo alemão e, portanto, nunca deverão ir para a frente.
O Fundo de Recuperação, por outro lado, pode ter a porta entreaberta entre os estados-membros. A ideia do fundo de recuperação, segundo conta Catarina Martins, surgiu numa reunião do Eurogrupo e não foi ainda descartada, apesar de neste momento não passar apenas de um “slogan”. É essa janela que o BE quer que o Governo português explore na próxima reunião do Conselho Europeu, na quinta-feira. Mas, para isso, o governo (Costa e Centeno) tem de falar a uma só voz.
Em jeito de pressão, os bloquistas até sublinham que o governo espanhol, na pessoa de Pedro Sánchez, conhecido aliado de António Costa nas instâncias europeias, anunciou esta segunda-feira que se prepara para defender isso mesmo no Conselho Europeu: a criação de um fundo de recuperação, financiado com dívida perpétua, no valor de 1,5 biliões de euros, sendo que as fatias seriam entregues aos países em necessidade como transferências e não como dívida pública (como acontece no Mecanismo Europeu de Estabilidade).
É o recurso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (proposta alemã) que o Bloco de Esquerda quer evitar. “Portugal infelizmente conhece bem demais esta receita, o MEE é aliás uma das partes da troika, e sabemos que só acrescenta crise à crise”, diz Catarina Martins na mensagem em vídeo hoje divulgada. Ou seja, no entender do BE, o MEE funciona apenas para os países terem acesso a dinheiro agora, endividando-se junto das instituições europeias, e tendo de pagar depois, “daqui a um ano ou dois”, “sendo forçados a medidas de austeridade com o pretexto da consolidação orçamental”. Esse caminho o BE não quer seguir.
Catarina Martins deixa ainda em aberto que, à semelhança do que tem acontecido noutros Conselhos Europeus, a reunião desta quinta-feira pode, uma vez mais, terminar sem qualquer decisão tomada. Mas isso, diz, é já por si uma decisão. “Adiar qualquer decisão é decidir que não há uma resposta europeia à crise”, afirma. Os dados estão lançados, mas está tudo nas mãos de Costa. E de Centeno.