Os líderes da União Europeia vão tentar na quinta-feira acordar um plano de recuperação da economia europeia à luz da crise provocada pela pandemia Covid-19, mas são ainda muitas as diferenças entre os 27 sobre as possíveis soluções.
Quase um mês após a anterior cimeira (26 de março), marcada por fortes desavenças sobre como a Europa deve responder à crise, e no fim da qual os líderes se limitaram a mandatar o Eurogrupo a prosseguir os trabalhos, os chefes de Estado e de Governo da UE voltam a reunir-se por videoconferência, já com propostas concretas acordadas pelos ministros das Finanças sobre a resposta de emergência, num pacote com um montante global de 500 mil milhões de euros.
Os líderes europeus deverão adotar o pacote de emergência acordado pelos ministros das Finanças, constituído por três “redes de segurança”: uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade, através da qual os Estados-membros podem requerer até 2% do respetivo PIB para despesas direta ou indiretamente relacionadas com cuidados de saúde, tratamentos e prevenção da Covid-19, um fundo de garantia pan-europeu do Banco Europeu de Investimento para empresas em dificuldades, e o programa ‘Sure’ para salvaguardar postos de trabalho através de esquemas de desemprego temporário.
No entanto, relativamente ao fundo de recuperação, que o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, estima que deva ascender a pelo menos o dobro do montante da resposta de emergência, ou seja, um bilião de euros, o Eurogrupo ‘passou a bola’ de novo aos chefes de Estado e de Governo, cabendo a estes definir os moldes e montante do mesmo, pelo que se adivinha nova discussão acesa em sede de Conselho Europeu, dadas as diferentes opiniões sobre os moldes do fundo de retoma, designadamente o seu financiamento.
As ideias para já são muitas, desde a emissão conjunta de dívida, os chamados ‘eurobonds’ ou ‘coronabonds’, que Itália continua a reclamar (mas que países como Alemanha e Holanda rejeitam liminarmente), aos ‘recovery bonds’ propostos pelo Parlamento Europeu (títulos de dívida emitidos pela Comissão Europeia e garantidos pelo orçamento comunitário), passando pelo fundo de 1,5 biliões de euros financiado pela emissão de dívida perpétua sugerido por Espanha.
Já Portugal defende que o plano de recuperação da economia europeia deve ser parte do orçamento europeu, financiado por um empréstimo a contrair pela UE e distribuído pelos Estados-membros sob a forma de subvenções.
“Portugal espera que o Conselho Europeu dê à Comissão Europeia um mandato político forte para que possa apresentar brevemente uma proposta de financiamento para o plano de recuperação económica e social de que a Europa vai necessitar”, disse na terça-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, à imprensa após uma reunião com os parceiros sociais com vista à cimeira europeia de quinta-feira.
Concordando com a estimativa de Gentiloni, ao prever que o montante do plano deverá ser “da ordem do bilião de euros”, o chefe da diplomacia portuguesa defende que “seja a própria União Europeia a contrair o empréstimo indispensável para alavancar esse fundo”, para que todos possam beneficiar das “condições excelentes” da UE para se financiar.
“Portugal inclina-se naturalmente para todas as soluções que permitam não sobrecarregar os Estados-membros com dívidas excessivas”, acrescentou o ministro, sublinhando que é essencial que não resultem do plano de recuperação “assimetrias entre os Estados-membros”, como “resultaria necessariamente se a forma exclusiva ou predominante de repartição do financiamento obtido fosse a de puros empréstimos”.
Também o presidente do Eurogrupo, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, — que participará igualmente na videoconferência de quinta-feira -, defendeu na terça-feira, perante o Parlamento Europeu, que os Estados-membros devem deixar as “velhas linhas vermelhas” e concentrarem-se em acordar uma “solução comum” para gerir o peso da dívida associado plano de recuperação da economia europeia.
“Devemos afastar-nos do caminho batido das velhas linhas vermelhas e concentrar-nos no que quer que funcione para resolver o problema. Necessitamos de um plano de estímulo considerável da UE e de uma solução comum para gerir o consequente peso da dívida”, advogou Centeno, numa audição, por videoconferência, com a comissão de Assuntos Económicos do Parlamento Europeu.
Na carta-convite dirigida aos líderes, o presidente do Conselho Europeu exorta os 27 a adotar o pacote de emergência acordado pelo Eurogrupo, de modo a que as três “redes de segurança” estejam já operacionais o mais tardar em 1 de junho, e quanto ao fundo de recuperação propõe que seja dado um mandato à Comissão Europeia “para analisar as necessidades exatas” e apresentar em breve uma proposta “à altura do desafio”.
Segundo Charles Michel, “a proposta da Comissão deve clarificar a relação com o Quadro Financeiro Plurianual [o orçamento da UE para 2021-2027], que estará sempre no cerne da contribuição da UE para a recuperação e que terá de ser ajustado para lidar com a atual crise e as suas consequências”.
“É fundamental que discutamos estas questões de forma aberta entre nós e avancemos com sentido de urgência […] É minha convicção que devemos mostrar ainda maior determinação em superar as nossas diferenças”, escreve o presidente do Conselho, numa clara alusão às divergências profundas que se registaram nas últimas cimeiras, designadamente entre os países ‘frugais’ e os ‘amigos da coesão’, e entre os Estados-membros do norte e do sul da Europa.
A cimeira por videoconferência, na qual Portugal estará representado pelo primeiro-ministro António Costa, tem início agendado para as 15h de Bruxelas, 14h de Lisboa.