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Portugal testa plasma contra a Covid-19 já em maio. Como funciona e que resultados deu lá fora?

Este artigo tem mais de 3 anos

O São João pode vir a usar plasma em doentes da Covid-19. O Curry Cabral não prevê fazê-lo para já. A técnica transfere anticorpos de recuperados para doentes — e valeu o primeiro Nobel da Medicina.

Os ensaios clínicos na China e em Itália deram resultados promissores. Em Portugal, os testes arrancam em maio
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Os ensaios clínicos na China e em Itália deram resultados promissores. Em Portugal, os testes arrancam em maio

Robert Michael/picture alliance via Getty Image

Os ensaios clínicos na China e em Itália deram resultados promissores. Em Portugal, os testes arrancam em maio

Robert Michael/picture alliance via Getty Image

Em 1900, a medicina mudou. Emil Adolf von Behring, microbiólogo alemão, descobridor dos anticorpos, conseguiu curar doentes com difteria ao transferir para eles o plasma de cavalos imunes à bactéria. Um ano depois, von Behring venceu o primeiro Nobel da Medicina da História. E tornou-se o pai da imunologia.

Quase 120 anos mais tarde, após muitos avanços médicos e tecnológicos, a mesma técnica de transfusão está a ser testada para combater a Covid-19. Portugal está neste momento a preparar-se para iniciar um ensaio clínico que arrancará em maio. Lá fora, a terapêutica já deu resultados e pode ser usada enquanto se espera pela vacina.

Como funciona o tratamento com plasma do sangue?

O plasma é a parte líquida do sangue, excluindo todos os glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas, explica Pedro Madureira, investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3s) e co-fundador da biotecnológica Immunethep.

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Embora seja essencialmente composto por água, o plasma contém também as proteínas, hormonas, minerais e nutrientes que circulam no sangue. Mas não só: “As pessoas que recuperaram da infeção, vão ter no plasma muitos anticorpos contra o novo coronavírus”, acrescenta.

Por isso, o tratamento com plasma transfere esse plasma rico em anticorpos contra o SARS-CoV-2 para os doentes infetados pelo vírus.

“Esses anticorpos entram no sistema circulatório do recetor e, como são específicos para o vírus, vão reconhecer as moléculas na sua superfície, revesti-lo e, assim, impedir que ele consiga ligar-se às proteínas na superfície das nossas células”, descreve Pedro Madureira.

Com o vírus neutralizado, a batalha do sistema imunitário contra o invasor torna-se mais simples. Para sobreviver, o SARS-CoV-2 precisa de entrar numa célula e fazer dela refém, utilizando determinadas estruturas para se replicar e espalhar pelo corpo. Mas se for revestido com os anticorpos, já não conseguirá fazê-lo. E a infeção estanca.

Em que pacientes pode ser utilizado?

Em teoria, todos os pacientes infetados pelo novo coronavírus poderiam receber o plasma de pessoas recuperadas para combater a doença. No entanto, na maior parte das pessoas, o sistema imunitário consegue enfrentar a infeção, mesmo que com a ajuda de medicamentos. Por isso é que Pedro Madureira acredita que esta terapêutica “só fará sentido para os casos graves”. Os pacientes recuperados da Covid-19 ainda são poucos, por isso “haverá sempre uma limitação grande na quantidade de plasma a utilizar”.

Questionado sobre se o tratamento com plasma também pode ser usado preventivamente, isto é, para evitar uma infeção pelo novo coronavírus, Pedro Madureira explica que sim, mas que os efeitos dessa terapêutica durariam muito pouco tempo.

É que estes anticorpos não circulariam para sempre no sangue do receptor e deixariam de fazer efeito ao fim de cerca de dois meses.

“O tempo de semi-vida da classe de anticorpos que dura mais, a imunoglobulina G, é de 23 dias. Ou seja, passados 23 dias, a quantidade desses anticorpos já passou a metade. Passados 46 dias, será um quarto da quantidade inicial e por aí adiante”, explica o imunologista.

Que riscos pode haver neste tratamento?

A utilização do plasma do sangue no tratamento da Covid-19 envolve um certo grau de “risco de haver qualquer efeito adverso”. “Em circulação no plasma estão algumas proteínas que o recetor pode não tolerar. Nunca é ideal doar plasma na sua totalidade”, adverte Pedro Madureira.

Ainda assim, os riscos de uma transfusão de plasma já são controláveis. Apesar de atualmente haver poucos tratamentos feitos com esta técnica, quando eles são aplicados utilizam-se “temperaturas moderadamente elevadas [60ºC] para despistar possíveis efeitos tóxicos e retirar moléculas causadoras de alguns problemas”.

As moléculas de que fala o imunologista do i3s pode ser a causadora de um dos riscos que poderiam advir da utilização do plasma em doentes. São substâncias que, no organismo, estão relacionadas com o sistema imunitário mas que fazem parte do chamado sistema complemento. Dele faz parte um conjunto de proteínas que ajudam a ação dos anticorpos.

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Isso é particularmente importante em infeções bacterianas, descreve Pedro Madureira: “Quando um anticorpo se liga a uma bactéria, ele não a vai matar. Há um conjunto de moléculas e células que vão reconhecer que esses anticorpos se ligaram à bactéria e, aí sim, vão destruí-la”.

Ora, o trabalho desse sistema complemento é precisamente identificar os anticorpos que neutralizaram o vírus ou a bactéria: “O anticorpo que reveste o invasor fica exposto e é identificado pelas proteínas do sistema complemento, que levam à destruição dele”.

Na maior parte dos casos, essas proteínas não causam nenhum problema no recetor do plasma. No entanto, em algumas circunstâncias, pode traduzir-se num aumento da inflamação no organismo do paciente:

“Os mediadores inflamatórios, se forem transmitidos em excesso, podem causar problemas”.

Quando isso acontece, pode surgir a chamada doença do soro — uma reação alérgica desencadeada por quem recebe o plasma sanguíneo por causa de uma resposta exagerada do sistema imune. Por isso é que, hoje em dia, se transfere apenas a quantidade necessária de componentes no plasma.

O São João, no Porto, é um dos hospitais que consta na lista de instituições que podem vir a empregar esta terapêutica durante os ensaios clínicos

ESTELA SILVA/LUSA

Como vai funcionar o ensaio clínico em Portugal?

Sabe-se pouco sobre o ensaio clínico que vai ser conduzido em Portugal para testar a eficácia da utilização de plasma sanguíneo em doentes da Covid-19. Na conferência de imprensa de segunda-feira, António Lacerda Sales, secretário de Estado da Saúde, confirmou que o ensaio clínico vai arrancar em maio.

Neste momento, a Direção-Geral da Saúde (DGS), o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) estão a preparar os procedimentos que devem ser seguidos pelos participantes no ensaio clínico. “Há toda uma tecnologia que tem de ser previamente avaliada”, acrescentou António Lacerda Sales.

“Estes ensaios clínicos começarão por doentes moderados e graves, não muito graves como muitas vezes tem sido transmitido para a opinião pública. Será um pouco esta a estratégia que utilizaremos. Queríamos ver se até ao final do mês podíamos ter toda esta uniformização perfeitamente contemplada para iniciarmos estes ensaios clínicos”, afirmou o secretário de Estado.

Até ao momento, nenhum hospital português utilizou a terapêutica com plasma de doentes recuperados para tratar pacientes graves da Covid-19. O São João é um dos hospitais que consta na lista de instituições que podem vir a empregar esta terapêutica durante os ensaios clínicos.

Já o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que inclui o Dona Estefânia e o Curry Cabral, por exemplo, não prevê para já usar o plasma de doentes recuperados para tratar os pacientes em estado grave infetados com o novo coronavírus, confirmou fonte oficial ao Observador.

O que dizem os testes no estrangeiro?

O ensaio clínico português não é o primeiro a testar a eficácia desta técnica em doentes da Covid-19. Em Itália, pelo menos nove pessoas internadas nos cuidados intensivos já foram curadas com recurso ao plasma recolhido de outros pacientes recuperados. Os doentes receberam o plasma rico em anticorpos contra o novo coronavírus desenvolvidos por pessoas que tiveram a doença e já estão saudáveis. O procedimento foi conduzido por uma escola politécnica após a autorização do Instituto Superior de Saúde.

Itália cura nove pessoas com COVID-19 que receberam plasma de doentes recuperados

A transfusão de plasma já tinha dado resultados promissores em Wuhan, na China, no início da pandemia. Num estudo com cinco pacientes chineses, três tiveram alta e dois saíram de uma condição crítica para uma mais estável após terem recebido o plasma de pacientes recuperados, indica um relatório publicado no Journal of the American Medical Association.

Nos Estados Unidos, não se sabe quantas pessoas já receberam este tratamento, mas a Food and Drug Administration (FDA) autorizou a utilização de plasma em doentes com COVID-19 “com infeções sérias ou que ameaçam a sua vida”.

Mas as autoridades de saúde norte-americana sublinham que esta estratégia não pode ser usada como mecanismo de prevenção da doença, pelo menos enquanto os estudos clínicos não derem resultados sobre a real eficácia desta abordagem em doentes infetados pelo novo coronavírus.

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