O tom não é crispado, e até os elogios são, aqui ou ali, frequentes. Os debates quinzenais por estes dias estão longe de ser o que eram nos tempos pré-pandemia. Numa altura em que o país se prepara para, em maio, dar início ao lento e gradual processo de desconfinamento, os deputados aproveitaram o momento para questionar o primeiro-ministro sobre como vai ser daqui para a frente, e como vai ser a retoma da economia. António Costa deu alguns detalhes: no fim da próxima semana será divulgado um calendário para esse regresso à nova normalidade, para que as pessoas vejam de facto a luz ao fundo do túnel; as restrições vão ser levantadas de 15 em 15 dias, para que dê para avaliar os impactos, e as máscaras e outros equipamentos de proteção vão ser postas à venda de forma abundante nos supermercados. A este propósito, um presente para o PSD: Costa “ouviu as sugestões de Rui Rio” e o IVA das máscaras e gel desinfetante vai baixar para a taxa mínima de 6%.
A Jerónimo de Sousa e também a André Ventura, com quem Costa se envolveu num debate mais aceso, o primeiro-ministro deu a garantia: o caminho do governo para a retoma não será o caminho da austeridade. Tudo o resto que se diga é abusivo. Quanto ao Conselho Europeu de amanhã, Costa não antecipa grandes novidades, mas garante que, se dependesse de si, apostaria num fundo de recuperação financiado através de subvenção direta aos estados-membros, e não de dívida, para todos ficarem em pé de igualdade.
Uma data para o fim? Restrições vão ser levantadas de 15 em 15 dias
Maio e junho são meses de transição, medidas vão ser levantadas de 15 em 15 dias. Esta é a ideia central do plano do Governo para equilibrar a economia com a pandemia. Ou seja, para evitar que haja um grande aumento de contágios quando a pressão na mola se começar a soltar. Assim sendo, o que o Governo se prepara para implementar é um processo gradual de desconfinamento, com medidas levantadas a uma cadência de quinze em quinze dias, de forma progressiva, setor a setor, atividade a atividade, “evitando a aglomeração em determinados pontos ou locais, com horários desfasados e uma gestão crítica da rede de transportes públicos”, disse.
Nada será como antes. O primeiro-ministro avisou várias vezes durante o debate que nada será como antes. Mesmo quando as restrições começarem a ser levantadas, isso não significa um regresso à vida normal, porque enquanto tivermos de conviver com o vírus teremos sempre de tomar medidas de prevenção do contágio. Os restaurantes não vão poder ter a mesma lotação, as pessoas vão ter de andar de máscara nos transportes públicos, o mesmo para os alunos nas escolas. Para isso, o Governo quer que haja “abundância de máscaras” no mercado, sendo acessíveis a todos nas superfícies comerciais, e não apenas nas farmácias. Quando à aquisição de materiais, garante que o Governo tem stock e reserva para duas semanas, estando em permanência a adquirir novos equipamentos e a adquirir junto de empresas portuguesas porque “não quer depender da importação”.
Calendário revelado para a semana: a luz ao fundo do túnel. Relembrando que as decisões políticas são sempre tomadas com um grau de risco inerente ao grau de incerteza da situação, Costa revelou que, no final da próxima semana, antes de terminar o estado de emergência, vai ser anunciado um calendário para o desconfinamento, porque “é importante que as pessoas comecem a ver a luz ao fundo do túnel e que tenham um calendário para ela”, disse.
Atenção: Poder ser preciso recuar! António Costa quis deixar isto bem claro junto dos portugueses: ver a luz ao fundo do túnel não quer dizer que está tudo bem. Quer dizer que é preciso contenção na mesma, para que não seja preciso voltar atrás e voltar a apertar o cinto. “É importante que as pessoas estejam preparadas para recuar. É fundamental que se perceba que quando formos libertando estas restrições nada vai ser como antes”, disse. Telmo Correia, do CDS, ainda perguntou qual vai ser o enquadramento jurídico, se é que vai haver algum, quando o estado de emergência acabar, se não for renovado, mas Costa não respondeu. Antes do estado de emergência, o país chegou a estar ao abrigo do estado de alerta, que prevê alguma contenção mas não prevê a suspensão de direitos e liberdades constitucionais.
Plano para a retoma definido no final de maio. Costa quer consenso político. Admitindo que não consegue prever com rigor qual vai ser o impacto da crise, embora anteveja que vá ser “brutal”, Costa defendeu que, no final de maio, os partidos e os parceiros sociais deverão sentar-se à mesa com o Governo para se procurar chegar a um plano para a retoma que reúna o maior consenso possível. O Orçamento Suplementar deverá ser debatido e votado em julho, antes do verão, e é também para isso que Costa quer o maior consenso político possível.
O bombom de Costa para PSD: IVA mais baixo para máscaras e desinfetante
Mesmo com o arrufo sobre a austeridade entre Ventura e Costa (já lá iremos), os tempos estão longe de ser os mais crispados. António Costa fez questão de destacar, mais uma vez, que o consenso entre vários partidos portugueses nesta fase de pandemia é um “capital imenso” do país e que isso ajuda quando olham do exterior para Portugal.
Num clima pouco crispado, Costa dirigiu-se até duas vezes para deputados de outros partidos a expressão: “Tem razão”. Tanto para André Ventura, como para Isabel Meirelles. E até protagonizou um momento de boa-disposição quando, já no final do debate, trocou o nome de André Silva por o de André Ventura.“São os dois Andrés e são os dois deputados“, justificou enquanto sorria.
Mas o maior bombom estava guardado para o maior partido da oposição e que tem prometido só fazer oposição ao vírus e não ao governo: o PSD. Ora enquanto o PSD perguntava, através de Álvaro Almeida se o governo já tinha lido as propostas do PSD — onde estava a redução do IVA em alguns produtos de proteção individual — Costa respondia afirmativamente: “Ouvimos as propostas do dr. Rui Rio. Estivemos a trabalhar sobre elas. Verificámos que a União Europeia, dizendo que era ilegal, disse que não levantaria problemas, que vários Estados-membros deram sequência a esta carta, reduzindo a taxa do IVA.”
Na verdade, quando Rui Rio propôs esta medida, a 16 de abril, já havia uma posição da Comissão Europeia de 8 de abril sobre o IVA, dispensando o Estado-membro de consultar Bruxelas para operar esta redução no caso destes materiais.
Costa que alegou ter estado a estudar o assunto nos últimos dias fez então o anúncio: “Nós iremos adotar essa medida, senão no Conselho de Ministros desta semana, no da próxima semana, a redução da taxa do IVA quer sobre as máscaras quer sobre os produtos de desinfeção”. Ou seja: António Costa quis dar aqui um bombom ao PSD pela postura de colaboração que tem tido com o governo.
O primeiro-ministro podia anunciar esta medida com pompa dentro de um pacote de medidas sem as atribuir diretamente ao PSD, mas quis fazê-lo na resposta à bancada do PSD e dando a paternidade da ideia aos sociais-democratas em pleno quinzenal.
Austeridade? Nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã. Palavra de Costa
A resposta a esta pergunta teve dois atos. Primeiro, questionado por Jerónimo de Sousa, Costa admitiu assimetrias e fragilidades na resposta à crise pós-pandemia, mas garantiu que a ACT estava a ser reforçada para fiscalizar os abusos e despedimentos nas empresas e que o caminho do Governo para responder à crise não vai passar por medidas de austeridade. “É preciso ter consciência de que esta crise não se pode resolver com respostas de austeridade, nem hoje nem amanhã nem depois de amanhã. O que temos feito visa manter vivas as empresas, os postos de trabalho e o rendimento. Temos de evitar acrescentar crise à crise”, disse, afirmando que a prioridade é manter o rendimento, as empresas. “Esse será o nosso caminho, daqui não iremos arredar pé”, insistiu.
Mais à frente no debate, contudo, André Ventura voltaria ao tema. Questionando o primeiro-ministro sobre a entrevista que deu ao Expresso, cujo título era “Austeridade? Não dou uma resposta que amanhã não possa garantir”, e pedindo a Costa que garantisse ali, olhos nos olhos, que não iria implementar medidas como corte de pensões, corte nos subsídios, ou aumento de impostos, Costa irritou-se e pegou num excerto da entrevista, que tinha ali consigo, para ler a resposta: “Foi uma má ideia e seria uma má ideia. O país não precisa de austeridade, precisa de relançar a economia”. Tudo o resto, disse, foi um uso abusivo das suas palavras para efeito de título da entrevista.
Ou seja, António Costa garantiu que não mudou de ideias nas várias entrevistas que deu nas últimas semanas, e reiterou que não irá impor austeridade porque esta “não é uma crise de finanças do Estado, é uma crise de saúde que está a impactar na economia” e, portanto, o que é preciso é apoiar as famílias e as empresas para responderem à crise. Logo, “não, não haverá medidas de austeridade”. Palavra de Costa.
Costa “fica contente” por receber dividendos da GALP
A GALP vai distribuir cerca de 300 milhões de euros de dividendos aos seus acionistas, numa decisão que será aprovada em Assembleia Geral no próximo dia 24 de abril. A líder do Bloco de Esquerda quis saber a opinião de Costa sobre a distribuição de dividendos da empresa depois de ter despedido trabalhadores e perguntou ao primeiro-ministro que indicação deu ao representante do Estado para votar esta decisão.
António Costa destaca que impôs “proibições de dividendos a empresas às quais o governo concedeu apoios (seja lay off ou financiamento) na resposta à pandemia, onde a GALP não se inclui. E, se assim é, o governo não se mete no mercado nem naa empresas: “Devemos perturbar o mínimo possível o normal funcionamento da economia”.
Para o primeiro-ministro não há razões para o Estado “impedir dividendos em empresas que não têm apoios do Estado” e acrescenta ainda que “o Estado como acionista fica contente por receber a sua parte dos dividendos a que tem direito“.
Europa: Costa já fez o desenho da bazuca que queria, mas não é ele que decide
O primeiro-ministro tem esta quinta-feira reunião do Conselho Europeu, reunião onde tem havido muita crispação ente os líderes europeus. António Costa continua com a dúvida se o apoio de Bruxelas acabará por ser uma “fisga” ou uma “bazuca”. Há guerras que sabe que não vai ganhar ou que não vale a pena insistir nesta altura, por isso definiu objetivos mais pragmáticos. Isto com uma certeza mais ou menos certa: “Não vai haver qualquer decisão final e as conclusões vão ser congratular os resultados do Eurogrupo e mandatar a Comissão Europeia para preparar o programa de recuperação”.
Ora é neste “Fundo de Recuperação” ou “Fundo de Retoma” que se deve centrar a discussão. Costa diz que já há consenso para a dimensão do fundo (que “rondará 1 a 1,6 biliões de euros) e também quanto à forma de financiamento: “Há um acordo que deve ser com emissão de dívida, com base no acordo 123 do tratado, por parte da Comissão Europeia. Portanto, debate que estava em aberto sobre mais coronabonds, mais eurobonds, está superado porque já há um consenso que deve ser feito por emissão de dívida”.
Para Costa, o grande ponto está então em perceber como este dinheiro vai chegar aos Estados-membros e como podem aceder a ele. O “problema essencial”, antecipa Costa, é perceber “como as verbas levantadas pela Comissão Europeia chegam a cada um dos Estados-membros”. E acrescenta: “Aqui é que é a questão crítica: se hegam através de dívida ou como subvenção não-reembolsável. Se chegarem através de dívida não há igualdade entre todos os Estados-membros, porque os Estados que estão já endividados terão dificuldades em aceder a esse montante e se acederem não deixarão de ser penalizados pelos mercados”.
Costa prefere assim melhor solução para Portugal, que é “por via de subvenção”, tal como acontece com os fundos europeus. Para o primeiro-ministro português desta forma ficariam “todos em pé de igualdade”. E atirou: “Se fosse eu a decidir em nome dos 27 era só por via de subvenções. Mas a opinião dos outros 26 é tão legítima como a minha, por mais disparatada que seja”.