Ginásio do Design
Maria Ruivo e Raquel Pais têm treinado todos os dias n’ O Ginásio do Design, um relato diário sobre a pandemia, em forma de cartaz. “Surgiu justamente na segunda semana de isolamento quando começámos a sentir essa desaceleração e de como era difícil manter uma rotina e entusiasmo no trabalho, nomeadamente no desenho de peças gráficas. Pensamos que era uma questão de sanidade mental, tal como o é o exercício físico, para o corpo e para o espírito”, recordam, justificando a escolha do nome. “A verdade é que é um processo semelhante de obrigação à prática de um exercício que tem consequências imediatas, como seja a produção de um cartaz, ou ganhar de volta essa noção de ritmo, mas também a longo prazo, porque nos mantém ativas no desenho, na investigação formal e temática, na comunicação com os outros através do design”, explicam os nomes por trás do À Capucha! Design Studio, que repôs no mapa as famosas capas de burel, apenas um dos exemplos felizes da combinação de design e património, e que por esta altura se vai valendo do seu conceito multidisciplinar.
“Para nós tem sido uma flutuação constante de humores. Ao mesmo tempo que o espaço diminui, parece que tudo o que acontece ganha uma importância enorme”, descrevem assim esta fase pautada pelo distanciamento social. Mas para lá dos aspetos negativos que tocam de forma genérica cada um de nós, há algumas oportunidades para saborear pelo caminho. “O tempo para pensar é ótimo, aquele tempo que sentimos que nunca temos na vida que nos habituamos a viver. Tempo também para ler, para ver filmes, e para aprender coisas novas, como por exemplo fazer pão. Uma coisa que se tem revelado inspiradora para nós é o poder que nos confere fazer coisas com as próprias mãos, uma certa sensação de autosuficiência que é muito compensadora e que vai além da componente pessoal”.
Não estranhe por isso que os cartazes, além de cumprirem a regra de serem a preto e branco e não demorarem mais de 20 minutos a ser feitos, bebem da componente manual no processo, sendo assim criada todos os dias uma peça gráfica longe do ecrã, “de forma a usarmos aquilo que nos rodeia, reforçando o lugar de confinamento, mas também para nos afastarmos um pouco do computador, que embora seja uma ferramenta de trabalho constante, neste período torna-se quase uma extensão de nós”. Enquanto isso, se já estava a olhar para a carteira, um pouco de calma. “Este é um mero exercício pessoal. Não gostávamos que isto se transformasse numa coisa maior do que aquela que é. Não são produtos finais, pensados para terem uma vida longa, são antes breves diálogos diários que decidimos ter com quem quiser dialogar connosco. Aliás, quem quiser participar é bem-vindo, o ginásio é grande e dá para muitos. Vemos o Ginásio do Design como uma espécie de diário gráfico desta quarentena, há posters que gostamos, outros que não gostamos nada mas publicamo-los na mesma, porque assim são os dias”.
Sebenta da Quarentena
Esta Sebenta da Quarentena não é um bloco de rascunhos (mas poderá vir a ser!), avisa a Mister Maker, a plataforma artística fundada por Lara Seixo Rodrigues, criadora dos workshops de graffiti para idosos Lata 65, que surgiram em 2012 em Lisboa e que entretanto já pularam fronteiras. A Mister Maker desafiou 40 ilustradores para compor este projeto ilustrado que fornece instruções para tempos de isolamento, que funciona como enciclopédia e caderno de exercícios para corpo e mente e ainda sugere ideias para ocupar os dias em casa, tendo como alvo privilegiado uma das faixas etárias mais expostas ao desafio neste momento.
A Sebenta foi lançada no começo de abril e já conta “com dezenas (e dezenas) de pedidos que nos chegaram um pouco de todo o país e de além fronteiras”, um bom sinal para contrariar incertezas. Desde o pontapé de saída deste projeto, já se registaram 45 mil acessos em 20 dias, 15 mil sebentas impressas e novas edições em 3 línguas estrangeiras — em inglês, francês e espanhol, sendo que até ao fim deste mês será libertada também a versão em italiano. A grande boa nova é que estas folhas cheias de desafios aliciantes, disponíveis online e de forma gratuita, estão a ser “trabalhadas por idosos de Gondomar, de Bragança, de Lisboa, da Covilhã, das Caldas da Rainha e de tantos outros sítios” — a plataforma arranjou parceiros que conseguem imprimir a Sebenta da Quarentena, para ser entregue em mãos a quem está mais afastado das tecnologias, combatendo assim os fenómenos de isolamento que o vírus agravou, tendo assim como foco a sua distribuição por lares, instituições e casas particulares.
E porque os conteúdos em questão casam bem com uma histórica portuguesa, a Mistaker Maker estabeleceu uma parceria com a fábrica de lápis Viarco, que cedeu material de colorir a estes idosos. Por aqui encontra as explosões de cor dos Los Pepes Studio, os bordados de Ivânia Rute, ou “a imaginação lírica” servida pelas rodas de uma bicicleta, como nos lembra a páginas tantas Pantónio.
Aventuras e desventuras da vida doméstica: a #quarentenalife dos nossos ilustradores
Ana Seixas Santos
Farta de estar em casa? Por esta altura, até pode usar e abusar do caps lock. FARTA DE ESTAR EM CASA é o que confessa a ilustradora e ceramista Ana Seixas Santos (é também este o código que pode usar para obter 15% de desconto nos prints digitais). Já agora, “não afoguem as vossas plantas durante estes dias” e se sempre teve dificuldade em manter as mãos afastadas da face, saiba que não está sozinho.
Tiago Galo
Caprichar no batom? Porque não? Tiago Galo ajuda a ornamentar os dias mais cinzentos e não faltam trabalhos capazes de arribar os ânimos mais desmaiados. A atividade deste confinamento pode ir sendo monitorizada no instagram.
https://www.instagram.com/p/B_KgrgnhqgV/
Clara Não
Com a ironia e subversão do costume, Clara Silva, aka Clara Não, diz sim às piadas em forma de caligrafia, como esta para “apaixonados separados na quarentena”. E porque o tempo convida à reflexão há muita tinta para gastar e boas conversas para manter a partir da sua página e mais além. Arrumações? “Finalmente pus-te numa caixa e arrumei direitinho”, é apenas uma das soluções possíveis em temporada de reclusão forçada e muita coisa a ganhar pó.
Maria Corvacho
A “rotina mata a criatividade”, diz Maria Corvacho, ainda que nos recusemos a acreditar nisso (basta espreitar os seus acrílicos para rejeitar uma pintura catastrofista dos níveis de entusiasmo). Nada como imaginar que continuamos a circular por aí livremente, ou pedalamos por aí livremente, melhor escrevendo, já que parece que “bike days are over”. Também pode entregar-se a sonhos com paisagens idílicas. Ou esperar, quem sabe, vamos torcer, que a arte dos artistas encontre o seu justo caminho quando sairmos do túnel. “Uma das coisas que gostava que acontecessem depois disto tudo: expor os meus trabalhos novos”. Mas por enquanto, pacientemente, #homemustbetheplace.
Amalteia
Ana, ou Amalteia, é uma ilustradora freelancer baseada no Porto, mas que acaba por nos abrir a porta a todo o país e sobretudo a esta primavera envergonha que tarda a chegar em pleno. “Da minha varanda” é um dos motes mas há uma série de outras boas ideias para aproveitar os restos de casa, a começar pelos rodapés, prontos para serem pintados
Mariana a Miserável
Se há fase em que sentimos via verde para nos sentirmos miseráveis, sem dedos acusadores à vista, é este. Mas não é menos verdade que é difícil permanecer muito tempo no fundo do buraco quando privamos com a ironia de Mariana a Miserável. Daqui não dá para ver o final desta história mas, vá por nós, que fermentamos esta história com uma pitada de spoilers, dará por si a pensar que “devia fazer pão”. Bem vindos ao “Clube do Otimismo”.
Another Angelo
Se é para dizer que seja com as letras todas, mesmo que as palavras se encavalitem e a simetria e o rigor pareçam ficar fora de cena. Também ninguém disse que isto correr direitinho e a prova provada bateu-nos à porta vai para dois meses. Descontraia com as evidências e provocações de Anotherangelo.
Marta Teives
O mundo não para, mesmo quando lhe parecem querer pôr um travão. Dentro de quatro paredes ou nas breves escapadinhas à rua, a estação agita-se o mais que pode para dar nas vistas e nada disso passa despercebido aos sketches de Marta Teives. Das oferendas dos vizinhos durante a Páscoa à época dos morangos, sem esquecer as saudades da árvore preferida ou a roupa estendida à janela, é tudo para provar com gosto.
Carolina Celas
São apenas 50 exemplares, assinados, numerados, e criados de propósito para a nova coleção de ilustrações da Revista Observador Lifestyle e que podem ser comprados aqui. Carolina Celas, colaboradora regular da publicação, mostra um mundo inteiro “À Janela”, expectante, numa imagem que vale por qualquer diário de quarentena. A impressão manual, a duas cores, ficou a cargo da Lavandaria. Quanto às revistas, já sabe que basta procurar e encomendar por aqui.
Fátima Bravo
Comer panquecas para lá da conta, estragar os animais de companhia com mimos (será que não são eles quem já nos chama de humanos de companhia?), recuperar velhos hábitos sobre rodas, consumir séries até à exaustão e, enfim, praticar o distanciamento social com todas as suas matizes. #drawfromdistance ou as pequenas histórias do dia a dia de muitos de nós vão sendo desfiadas em imagens por Fátima Bravo.
Kruella D’Enfer
“Embrace it and go through this door, don’t be afraid to step in”, convida-nos Kruella D’Enfer, porque afinal de contas a sorte costuma sorrir aos audazes, o estampado animal não podia estar mais in, e a garra é sempre uma arma poderosa quando nos pedem para trepar degraus, rumo ao desconhecido.
Joana Rosa
Quem não precisa de um abraço extra por estes dias? Antes, já Joana Rosa nos tinha servido um “cházinho do arco-íris” com bolachinhas, quando nos faziam crer que tudo era fácil e garrido. “Perdoem-me a ironia deste desenho, mas fi-lo numa semana em que estava a ressacar da vaga de “produtividade em quarentena” que inundou a internet, juntamente com um otimismo ligeiramente desajustado para uma altura como estas… em que estar emocionalmente equilibrado, por si só, já é uma tarefa difícil (e pêras!). O otimismo é maravilhoso, mas não há nada como o humor!”.
https://www.instagram.com/p/B-66rllHnyY/
Júlio Dolbeth
Longa se torna a espera, de tal forma que é fácil perder a casa no meio deste turbilhão Covid. Os sorrisos cinzentos ou o desnorte também desfilam pelo diário gráfico de Júlio Dolbeth, um dos nomes que também contribuiu para a Sebenta da Quarentena, e cujo efeito minimalista chega e sobra para amplificar o impacto máximo que esta fase tem em cada um de nós.
Joana Estrela
@dortyparker, que é como quem diz Joana Estrela, ainda anda à procura de soluções eficazes para mantermos as mãos prudentemente afastadas do nosso rosto. Mas há muito mais ideias criativas a borbulhar na sua conta de Instagram. Porque a vida fica sempre um pouco mais macia quando é levada com boa disposição e sentido de humor. E no final, o seu amigo de quatro patas agradece.
João Fazenda
Não há calculadora que ajude e João Fazenda mostra-nos como a rotina de uma família em quarentena consegue num ápice ver esgotada a noção de tempo. E porque os caminhos para o exterior estão-nos mais ou menos vedados, nada como tomar nota dos interiores ao pormenor, ou neste caso revirar o baú em busca de cenários como estes. Aqui, viaje até uma cozinha desenhada para a mais recente edição da revista Gourmand, sobre as memórias de um chef na Londres dos anos 70.