Desde o início da pandemia que a ministra da Saúde tem feito questão de garantir que “esta luta não é uma corrida de 100 metros” mas antes “uma longa maratona” — sempre com o foco na meta que é o R, “um dos indicadores mais comummente considerados” para que seja dada luz verde para o início do levantamento das medidas de restrição e confinamento, voltou a repetir este domingo na habitual conferência de imprensa na sede da Direção Geral da Saúde.
Que era difícil fazer baixar o número médio de casos secundários resultantes de um caso infetado depois de ultrapassada a barreira do 1, idealmente rumo aos 0,7, o valor mágico que fez com que países como a Noruega se permitissem a voltar à normalidade possível, também já se sabia. O que provavelmente não estaria nos planos — seguramente dos portugueses que passaram a assistir, quais adeptos ferrenhos, à comunicação diária de novas descidas; e provavelmente dos peritos que, no Instituto Ricardo Jorge (INSA), têm esta matemática a cargo — é que o R voltasse a subir, em vez de continuar a descer, ou pelo menos estagnar.
Esta sexta-feira o Observador deu eco aos receios de vários especialista do INSA, que consideram que ainda é cedo para levantar medidas restritivas — na altura o R estava mais ou menos estacionado nos 0,9. Este domingo, revelou Marta Temido, a partir das contas feitas com os casos de infeção registados entre 16 e 20 de abril, o R está no 1,04 — “0,99 na região Norte e 1,2 na região de Lisboa e Vale do Tejo”, especificou a ministra.
É uma grande melhoria face ao valor médio de contágios, registado logo no mês de março — 2,08, “podendo o verdadeiro valor situar-se entre 1,97 e 2,19”, especificou Temido — mas um retrocesso em relação aos valores registados nas últimas semanas. “Entre 16 e 20 de abril, este risco de transmissão ao longo do tempo subiu um bocadinho em algumas regiões. Na última vez que falei no tema, o risco era 0,95, não sendo muito divergente nas varias regiões. Hoje, está em 1,04”, admitiu a ministra da Saúde. Logo a seguir, recordou os portugueses da parte que cabe a cada um e da necessidade de manter o confinamento, bem como de cumprir as novas regras de distanciamento social e higiene: “Os números dependem da ação individual”.
“Continuamos a ter bastantes novos casos todos os dias”, admitiu também a diretora-geral da Saúde explicando que, para que a pandemia possa ser dada como controlada, falta baixar não apenas este mas vários outros indicadores. “Vamos tender a abrandar estes indicadores mas não será uma redução para zero. Há vários indicadores para ver como a situação está a evoluir, seja o número de pessoas que se infetam a partir de outra, seja o período que levamos para aumentar uma determinada percentagem de casos, seja a quantidade de pessoas que tem doença mais ou menos grave”, disse Graça Freitas.
Haverá um período interondas, quando chegarmos a uma situação mais confortável, em que a doença atinge níveis mais baixos que se manterão assim durante algum tempo. Quando há um vírus novo, prevê-se que a uma onda se possam suceder outras e não sabemos quantas vamos ter até haver uma vacina ou medicamento”, alertou ainda.
DGS apela à vacinação para evitar surtos de outras doenças “sobre uma epidemia de Covid-19”
Graça Freitas apelou às pessoas para que não deixem de cumprir o plano nacional de vacinação, isto depois de o nível de vacinação ter descido em março (cerca de 13%) embora esteja a recuperar em abril.
Portugal “não tem surtos, mas não podemos deixar de nos vacinar”, sublinhou. Desde o início do surto da Covid-19, os serviços continuaram disponíveis para vacinar, mas “verificou-se uma quebra no mês de março que está a ser recuperada em abril”. “O apelo que fazemos aos portugueses é que se vacinem e que vacinem as suas crianças. Os centros de saúde têm circuitos de casos Covid e não-Covid, pode haver marcação, podem ir diretamente a um enfermeiro ou enfermeira. Há horários para toda a gente”. Graça Freitas pede, assim, que sejam feitos esforços para “evitar que sobre uma epidemia de Covid, daqui a um ano ou dois, tenhamos outros surtos”, nomeadamente de meningite ou sarampo, “por baixa na vacinação”.
Os últimos dois anos em Portugal foram “extremamente bons em termos de vacinação, até em contraciclo com outros países. Nunca tivemos taxas de vacinação tão elevadas”, disse ainda a diretora-geral da Saúde. Em 2019, por exemplo, 95% a 99% das crianças até aos 7 anos de idade cumpriram os planos de vacinação, revelou. Perante a quebra de março, alertou as grávidas para que se vacinem — para evitar a tosse convulsa nos bebés — e que vacinem os filhos. “É sempre importante vacinar, mas os primeiros 12 meses de vida são críticos.”
Todos os trabalhadores têm “obrigação” de medir a temperatura duas vezes ao dia, diz Marta Temido
Sobre as dúvidas levantadas quanto à legalidade do registo de temperatura dos trabalhadores por parte das entidades patronais, Marta Temido defendeu que todos os trabalhadores têm a “obrigação” de medir a própria temperatura duas vezes ao dia e de se absterem de ir trabalhar caso notem alguma alteração.
A propósito da legalidade ou não das medições, a ministra explicou que todas elas deverão ser feitas pelos serviços de saúde ocupacional, “obrigados ao dever de confidencialidade”, e garantiu que são lícitas “quando estejam em causa motivos de interesse público no domínio da saúde pública” ou “quando esteja em causa a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros”.
Medição da temperatura corporal aos trabalhadores é viável sem registo, diz Governo
Marta Temido anunciou ainda que, dadas as dúvidas levantadas, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social vai “tomar medidas legislativas” sobre o assunto.
A ministra da Saúde frisou ainda que, enquanto o país se mantém em estado de emergência e não são divulgadas novas medidas de relaxamento, a regra para a generalidade dos cidadãos é a de “manter o distanciamento social e evitar todos os atos que não são essenciais, para o nosso trabalho, compras ou vida em comum”, deixando para o futuro a comunicação de “novas regras”.
O Governo, garantiu, “tomará as melhores medidas no contexto que venha a ser decidido como adequado para continuar a garantir que a contenção da infeção acontece”. E isso pode incluir a implementação de regras diferentes ao longo do tempo e também para os diferentes distritos do país, avisou.
Cedia os dados do seu telemóvel para a DGS localizar possíveis infetados?
Questionada sobre se a DGS e o Ministério estão a trabalhar sobre a possibilidade de os cidadãos serem monitorizados pelo telemóvel para identificar automaticamente casos suspeitos, Marta Temido respondeu que “todas as formas de acompanhamento do que possa ser regresso possível à normalidade estão a ser pensadas, avaliadas”. Os mecanismos serão definidos “em termos combinados com outras medidas”.