Apesar de ainda não haver data oficial para a reabertura das creches portuguesas — apontada para 1 de junho –, a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP) deixa o aviso: pais que deixaram de pagar mensalidades sem qualquer acordo com o estabelecimento de ensino vão ter um regresso mais complicado. “Houve quem achou que não devia continuar a pagar as creches e não o fizeram. Se quiserem regressar agora terão de resolver essa situação. Não seria justo fazer de outra forma por causa dos pais que mantiveram os pagamentos.”, diz à Rádio Observador Susana Batista, a presidente desta associação.

A responsável explicou que houve “situações de pais com dificuldade em pagar as mensalidades” por terem visto “os seus rendimentos reduzidos” ou por terem “ficado desempregados” e que, perante essa realidade, chegaram-se à frente, “junto das direções”, e definiram-se soluções de pagamento mais leves e ajustadas. “Tentou-se ajudar e encontrar soluções como reduzir mensalidades ou pagamentos faseados”, afirma Susana Batista. “Estas pessoas não vão ter problemas na reabertura porque houve um acordo prévio”, remata.

Creches. “É urgente abrir em maio”. Mensalidades em atraso têm de ser pagas

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O pior é mesmo o caso de “pais que rescindiram contrato por achar que os estabelecimentos já não iam abrir até ao final do ano letivo”, por exemplo, ou ainda os que “acharam que não deviam pagar qualquer mensalidade já que as aulas foram suspensas — mesmo em situações em que foi possível enviar propostas de atividade à distância”, explica. Serão estes exemplos os que mais dificuldades terão quando for dada a autorização de reabertura. “Os pais que não anularam a matrícula terão de resolver as mensalidades que ficaram por pagar. Os que anularam terão de fazer tudo do zero, ainda terá de haver decisões sobre esse processo”, explicou.

Esta quebra nas fontes de receita tem sido um grande problema para este setor que não tem qualquer outra forma de rendimento. A líder da ACPEEP conta que dados reunidos por um inquérito entre associados revelam que “em março, 67% dos associados já reportavam que 5 a 20% das famílias tinham deixado de pagar mensalidades”, valor que em abril subiu consideravelmente: “Agora em abril, 98,6% dos sócios dizem que cerca de 65% dos pais deixaram de pagar e há quebras superiores a 40% de faturação em relação a janeiro, um mês normal”, referiu.

“As pessoas pensam que como as crianças não estão nos estabelecimentos, a única despesa são os ordenados: isso não é verdade”, afirma. Sem esclarecer ao pormenor que outras despesas existem, Susana Batista afirma que há “toda uma estrutura de custos que os pais desconhecem” e que, consequentemente, “fica em causa se não houver pagamento de mensalidades.” É ainda explicado que que o dinheiro que “pouparam” com o layoff de alguns funcionários foi o que, em muitos casos, permitiu as reduções parciais no valor cobrado mensalmente.

Perante um cenário — ainda — de incerteza face à data de reabertura das creches e jardins de infância, a responsável da ACPEEP aproveitou para destacar a extrema importância de que essa data seja já em maio, à semelhança do que acontecerá com alguns estabelecimentos comerciais. Não faria sentido, aliás, que fosse de outra forma: “Os pais que quiserem voltar ao trabalho terão imensas dificuldades se as creches não abrirem agora. Se for só em junho [a reabertura], onde vão pôr os filhos?”

Prevê-se uma situação ainda mais complicada se a abertura não acontecer já no próximo mês também porque não só muitos negócios não conseguirão sobreviver mais tempo. A este fator acresce ainda o facto de que só 46% dos país estariam dispostos a colocar os filhos nas creches, muitos terão ainda receio de o fazer — “Devia ser dada a possibilidade aos pais que precisam desta resposta [as creches abertas], de a terem. Quem optar por ficar com as crianças em casa também o deveriam poder fazer”, rematou.

A ACPEEP já enviou ao Governo um documento com sugestões de medidas a serem tomadas com o desconfinamento e é nessa mesma carta que explica, por exemplo, que as creches privadas já perderam, em média, 15% dos seus alunos e os jardins de infância 10%. A associação fala no “esforço” para reduzir as mensalidades mas ressalva que mesmo assim o incumprimento de pagamentos disparou entre março e abril, realidade que só este mês, veja-se, já representa uma quebra de 50% na faturação para 35% das creches desta associação.

Por outro lado, ao Jornal de Notícias Susana Batista referiu a probabilidade de se assistir a uma onda de encerramentos destes estabelecimentos e sugeriu que sejam atribuídos subsídios de 150 euros por família às creches para, assim, garantir-se a sua “sustentabilidade”.

A estes problemas financeiros juntam-se ainda a quebra de confiança natural dos pais perante a situação de pandemia. Ou seja, segundo um questionário promovido pela ACPEEP, só 42% dos país se sentem confortáveis em deixar os seus filhos nas escolas, realidade que fará com que muitos decidam manter os filhos em casa. Apesar do impacto negativo que isso pode causar, Susana Batista preferiu ver o lado mais positivo e explicar que no início isto até pode ser bom, já que permite “uma redução automática dos grupos”.

Sem ainda se saber ao certo que medidas de segurança serão obrigatórias de cumprir na “nova normalidade” — a ACPEEP sugeriu 28 ao Governo –, tudo aponta que a utilização de termómetros infravermelhos, por exemplo, bem como máscaras, viseira e álcool certamente se tornem obrigatórias. 

A posição da Deco

A Deco, em contraponto, pede cautela e aconselha a creches a não tomar “uma atitude tão agressiva”. Em declarações à TVI24, Carolina Gouveia disse que devem procurar sim “um acordo e perceber porque é que a família não pagou. Se calhar ficou sem emprego ou qualquer tipo de rendimento.”

“Encostar as famílias à parede não é a melhor atitude, é preciso saber, na prática, o que diz o regulamento das escolas sobre estas situações. Muito provavelmente uma mensalidade em atraso não implica recusar a entrada de uma criança na escola. E mesmo que esteja escrito, é preciso ter em conta que a escola também esteve fechada”, reforçou a mesma representante.

A associação de defesa do consumidor aconselha que quem quiser fazer uma reclamação deve fazê-lo por escrito, via e-mail, onde explica o porquê de não ter pago. Nesse mesmo documento deverá também explicar que há uma vontade de voltar a usufruir do serviço e que há margem para se negociar uma solução. Carolina Gouveia explicou ainda que as escolas devem fazer um desconto mas pode haver sempre um valor a pagar, consoante o nível de ensino. 

A representante da Deco deixa ainda uma nota: para não se deixar de pagar têm de haver contrapartidas. “Se a escola cobrou os valores normais durante todos os meses, e os pais não pagaram porque estavam a protestar, a criança também não pode ser recusada (…) se a escola/ creche não deu nada há uma quebra de contrato e não podem ameaçar.”

Quem nunca fez qualquer esforço para tentar cumprir as suas obrigações “terá de liquidar primeiro a dívida se quiser que a criança regresse” ao estabelecimento de ensino.