A Grécia conseguiu ser uma das exceções na Europa. Durante os meses de pandemia, enquanto França, Itália ou Espanha caíam numa espiral com milhares de casos, o país manteve-se sempre entre os menos afetados na União Europeia e conseguiu um desempenho melhor do que outros de dimensão semelhante, como é o caso de Portugal. Até esta terça-feira, registou apenas 2566 pessoas infetadas com o novo coronavírus e 138 vítimas mortais. É com base nestes números que se assentou o discurso de Kyriakos Mitsotakis, primeiro-ministro grego, que falou ao país e anunciou as medidas que inauguram “a nova normalidade”.

O início da segunda fase de resposta ao surto global fica marcado para 4 de maio, a próxima segunda-feira, e, a partir daí, a população deve esperar uma abertura gradual, que siga o esquema 4-11-18. Quer isto dizer que os diferentes setores de atividade vão reabrir progressivamente semana a semana, como parte de um plano que o chefe de governo descreveu como “detalhado e meticuloso”. O comércio dá os primeiros passos, mas a população deve seguir “com as regras de higiene”, não deixando que o slogan “Fique em casa” seja esquecido. Mitsotakis completaria a ideia pós-discurso no Twitter com a expressão “Saímos de casa, mas somos sempre responsáveis”.

A partir da próxima semana, livrarias e lojas de equipamento eletrónico poderão abrir novamente, acompanhados dos cabeleireiros, que têm uma própria exceção: só poderão funcionar por marcação. Seguindo o esquema 4-11-18, a partir da segunda semana de maio o restante retalho deverá poder ter as portas abertas e o regresso dos centros comerciais fica marcado apenas para o início de junho, com restrições de distanciamento e proteção: será obrigatório o uso de máscara e cada estabelecimento poderá ter um cliente por cada 20 metros quadrados.

A nova realidade na Grécia vai pintar-se ainda mais de máscaras, com a população na rua e nos transportes públicos, onde funcionários e passageiros terão também de se proteger. A redução do cruzamento entre pessoas vai ser possibilitada com o aumento na frequência dos transportes, como autocarros, por exemplo, e uma distribuição de automóveis nas estradas que evite grandes concentrações em hora de ponta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na educação, a escola primária e os jardins de infância permanecem fechados, enquanto os restantes níveis terão reabertura gradual a partir de 11 de maio. O pontapé de saída é dado pelo ensino secundário. Por outro lado, o culto religioso presencial em igrejas volta a ser permitido, mas só de forma individual, deixando para o domingo, 17 de maio, o regresso das missas em grupo. Os restantes pormenores para os diferentes setores vão sendo anunciados nos próximos dias, e reforçados no início de cada semana.

De acordo com o primeiro-ministro grego, toda esta configuração deverá manter-se até que seja iniciada uma terceira fase: um momento em que haverá um equilíbrio mais próximo da fase pré-pandemia e que vai durar até que surja uma vacina para a população. Tudo só terá sido possível, afirmou Mitsotakis, com um índice de reprodução do vírus que, por esta altura, permanece abaixo de 1. Ou seja, em média, cada infetado transmite a doença a menos de uma pessoa, um valor a que todos os países têm prestado atenção para pensar o regresso à normalidade.

Como ainda nesta terça-feira explicou o Observador, se esse valor for superior à unidade 1, significa que os números da propagação da Covid-19 estão a aumentar; se estiver abaixo, existe tendência de diminuição de casos do surto. É este último ponto que o primeiro-ministro grego diz que o país alcançou, graças às medidas tomadas previamente.

“Hoje podemos dizer com segurança que as medidas que tomámos valeram a pena. […] Hoje estamos mais preparados do que há três meses”, rematou no discurso. A verdade é que a Grécia conseguiu escapar aos números elevados de casos de infetados, mesmo estando entalada de um lado e do outro de países profundamente abalados: a Itália contava nesta terça-feira quase 200 mil infetados e cerca de 27 mil mortes e a Turquia 112 mil doentes e perto de 3 mil vítimas mortais, de acordo com a Worldometers.

Para trás, o governo grego começa a deixar medidas de restrição que chegaram cedo: ainda antes da primeira morte por Covid-19, cancelou as festividades do carnaval. A 10 de março, assim que morreu a primeira pessoa, escolas e universidades foram fechadas, com os restaurantes e os pontos turísticos fechados três dias depois. As viagens não essenciais foram descartadas a 23 de março, numa corrida em que se colocou à frente de países como Itália, Espanha, França no tempo de resposta. O país teve de parar a economia numa altura em que ainda recupera da crise financeira da última década; associado a este fator, o sistema de saúde está hoje muito mais frágil por causa da recessão grega dos últimos anos e, por fim, a bomba relógio de infeções que os campos sobrelotados de refugiados representavam.

No Twitter, minutos depois de ter terminado o discurso, Kyriakos Mitsotakis quis lembrar que nesta fase “quem fechar a porta de casa abrirá, ao mesmo tempo, a porta da responsabilidade”. O primeiro-ministro grego foi reforçando uma mensagem de cautela para as próximas semanas, que representam um cenário inédito, desconhecido — tal como têm sido os últimos meses de pandemia.