Ao mesmo tempo que António Costa se dirigia ao país para detalhar o calendário de desconfinamento que o Governo tem na manga, o ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, anunciava aos deputados essas mesmas medidas. Estado de calamidade não significa que o confinamento é para descurar, havendo agora o “dever cívico de recolhimento“, teletrabalho é para manter e os apoios do Estado vão ser prolongados aos mais “frágeis”, as “franjas da população sem proteção”.
Entre os partidos, houve quem achasse “prematuro” desconfinar já em nome de questões “económicas” ou até “ideológicas”, e houve quem, pelo contrário, apelasse ao “dever cívico de atrevimento“, para a população perder o medo de sair à rua. Sobre preços das máscaras e gel no mercado, o Governo garante a baixa do IVA, mas isso não é sinónimo de garantir a baixa dos preços: essa é “responsabilidade” dos comerciantes e vendedores, que têm o “dever cívico” da não especulação.
Quem não usar máscaras nos transportes públicos pode ser multado até 350 euros
A tarde parlamentar foi longa, com o Parlamento a debater desde o relatório de aplicação da segunda prorrogação do estado de emergência (de 3 a 17 de abril) até a três propostas de lei do governo, culminando num debate sobre a resposta económica pós-Covid. Foi aí que Pedro Siza Vieira anunciou o plano do Governo, saiu em defesa da Segurança Social – que só não conseguiu dar resposta a todos os pagamentos até 28 de abril porque “houve um crescimento avassalador de pedidos de layoff” – anunciou que vai haver apoios “a fundo perdido” para as micro e pequenas empresas fazerem face às despesas com as novas regras de higiene e proteção, e prometeu continuar a proteger os mais frágeis e continuar a apostar no investimento. As limitações, apesar de não haver estado de emergência, vão continuar em várias atividades. Quais?
Uma nova fase, mais “exigente e mais difícil”, não um regresso à normalidade, avisa Siza Vieira
Pedro Siza Vieira adiantou logo na abertura do debate parlamentar sobre o relançamento da economia pós-Covid que o Governo vai permitir a reabertura do comércio a retalho em área até 200 metros quadrados e com acesso direto para rua — excluindo, assim, os centros comerciais —, das livrarias, stands de automóvel, barbearias e cabeleireiros, tal como o Observador já tinha avançado ao início da tarde de quarta-feira. No entanto, durante todo o mês de maio, vai manter, para quem pode, “a obrigatoriedade do teletrabalho”. Em junho, esse regime vai ser levantado aos poucos, mas só se a evolução da pandemia o permitir. Esta segunda-feira abrem também bibliotecas e arquivos e passa a ser possível praticar desporto ao ar livre.
Lojas mais pequenas, cabeleireiros, livrarias, stands de automóveis. O que vai abrir daqui até junho
“É o início de um novo percurso, não é o regresso à normalidade da nossa vida comunitária. Vamos ter de aprender a conviver com o coronavírus”, disse o ministro, acrescentando que a nova fase vai ser “mais exigente e mais difícil, e testar-nos-á a todos. Vamos ter de ser capazes de sair de casa e sermos disciplinados o suficiente para nos protegermos a nós e aos outros”.
Tal como António Costa também adiantou, nos transportes públicos, que terão lotação limitada, nos locais de trabalho onde não seja possível manter distanciamento social e nos espaços comerciais e estabelecimentos abertos ao público será obrigatório o uso de máscara. Já as lojas do cidadão só deverão abrir em junho, uma avaliação que, porém, só vai ser feita no final do mês. E os espaços de restauração e cafés vão reabrir na segunda quinzena de maio com lotação limitada a 50%. Nessa altura, serão também reabertos os espaços comerciais até 400 metros quadrados. No final do mês, vão abrir os restantes espaços comerciais, incluindo centros comerciais.
Quanto ao ensino, as aulas do 11.º e 12.º anos reabrem presencialmente a 18 de maio, assim como creches — durante esse período ainda será possível aos pais optarem por ficar em casa e receber um apoio, que cessa a 1 de junho, altura em que abrem o pré-escolar e as creches por inteiro. A 18 de maio abrem ainda museus, monumentos públicos e galerias de arte. No final do mês de maio é a vez dos cinemas, auditórios e salas de espetáculos, mas com lotação limitada. Também nessa data retoma a primeira liga de futebol.
DGS prepara norma para creches e anuncia campanha nacional sobre uso de máscaras
“É com a mesma confiança que encarámos o período de confinamento que encaramos agora esta fase de retoma coletiva”, termina Siza Vieira, no Parlamento. O ministro da Economia adiantou ainda que as micro e pequenas empresas vão ter apoio “a fundo perdido” para fazer face às despesas com a adaptação dos locais de trabalho às novas regras, no que toca à segurança e higienização. Mas não especificou que apoios, exatamente, serão dados nem a que empresas. O Observador solicitou informações adicionais ao gabinete do ministro da Economia, mas até ao momento não obteve resposta.
Depois de, na SIC Notícias, ter culpado a “máquina da Segurança Social” pelos atrasos no pagamento de layoff — a “máquina”, disse, não foi capaz de responder a um grande número de pedidos — Siza Vieira mudou um pouco o discurso. Para sair em defesa da Segurança Social. “A Segurança Social não falhou, o que sucedeu foi que todos os pedidos entrados até 10 de abril serão pagos até 5 de maio. Tivemos um crescimento avassalador dos pedidos de layoff, os funcionários da Segurança Social excederam-se, trabalhando dia e noite, e neste momento já 600 mil portugueses beneficiaram de apoios pagos, e 150 milhões chegaram a tesouraria das empresas, ao bolso dos trabalhadores independentes e ao apoio aos pais que estão com os filhos”, disse.
“Sabemos que não conseguimos processar tudo até ao final do mês, reconhecemos isso, e queremos louvar os funcionários que estão a tentar estar altura das responsabilidades neste momento”, notou ainda.
O ministro garantiu que o Governo vai aprovar medidas para apoiar as situações que ainda não têm proteção, mas não especificou os casos em que isso irá acontecer. Os deputados pediram, no entanto, por diversas vezes, medidas que salvaguardassem que as linhas de crédito chegam às micro, pequenas e médias empresas em necessidade — o que não está a acontecer em todos os casos, defendem — e que o apoio do layoff chegue a todos os gerentes de micro e pequenas empresas, já que atualmente é atribuído aos sócios-gerentes que não tenham trabalhadores por conta de outrem e tenham tido uma faturação no ano anterior inferior a 60 mil euros.
Temos de assegurar que nesta nova fase protegemos os mais frágeis, asseguramos a cobertura das franjas que não têm proteção”. Por isso, garante que o Governo vai aprovar medidas “no sentido de cobrir os casos sociais para os quais ainda não existe proteção no nosso sistema para uma resposta adequada e fá-lo-á o mais rapidamente possível”, frisou.
Dever geral de atrevimento, críticas à burocracia do layoff e prolongamento dos apoios
Do lado dos partidos, as respostas a Siza Vieira já estavam planeadas. Enquanto o deputado do Iniciativa Liberal se atreveu a pedir ao Governo para criar condições para um “dever geral de atrevimento“, ou seja, para as pessoas perderem o medo e se atreverem a sair à rua, e enquanto o PAN, pela voz de André Silva sugeriu várias formas de ir buscar dinheiro para responder à crise para “não serem os mesmos a pagar”, os restantes partidos concentraram-se em apontar o dedo ao que tem corrido mal, nomeadamente às questões laborais e à burocracia excessiva no acesso ao regime do layoff simplificado.
Bruno Dias, do PCP, criticou os cortes salariais, mesmo os que estão previstos no layoff. E apontou abusos laborais “a pretexto do surto”, a que o Governo tem de dar resposta. Além disso, “exige-se uma intervenção que limite e impeça a distribuição de dividendos por parte dos grupos económicos”. O deputado comunista considerou ainda que “vai ser indispensável” diversificar a atividade económica, com um combate a défices “que se arrastam há décadas”. E acrescenta que é preciso recuperar empresas privadas, como a TAP.
Do lado do Bloco de Esquerda, Isabel Pires sublinhou, relativamente ao layoff e aos despedimentos, que “parte da receita do período de austeridade está já a ser utilizada”. “O Estado assume os custos dos desempregos e os acionistas vão guardando os lucros em offshores para mais tarde pedirem ajuda ao Estado e despedirem”, criticou. E mostrou preocupação com os micro e pequenos empresários — “muitos ficam para trás” nos apoios previstos pelo Governo, considera. Pediu também medidas “que se mantenham para lá da duração do estado de emergência”, como moratória nas rendas.
Layoff. Pedidos que incluam o pagamento a administradores voltam para trás
José Luís Ferreira, dos Verdes, disse que o futuro depende de como o governo “vai conseguir travar os despedimentos e garantir a sobrevivência de micro e pequenas e médias empresas”, que estão muito dependentes da procura interna. O mercado interno, aponta, vai demorar a chegar a níveis desejáveis, devido à perda do poder de compra e dos rendimentos. “Sem procura interna a vida das pequenas empresas vai continuar em estado crítico”. Por isso, defende que é preciso prolongar apoios além do estado de emergência e garantir ajuda a quem ainda não a tem — como algumas pequenas e médias empresas. “O caminho podia ser mais curto se o governo obrigasse bancos a dar crédito a todas as PMEs que cumprem critérios, o que não está a acontecer”, acusa.
Já André Ventura, do Chega, criticou a “charada de discurso” do Governo. “Dizemos que vamos mudar do estado de emergência para o de calamidade onde a Assembleia da República e o Presidente da República não têm intervenção. É o governo a concentrar aquilo que quer”. “Vamos começar a fazer o desconfinamento quando muitas empresas ainda não receberam dinheiro do primeiro layoff”, criticou, acrescentando que “alguns dos setores mais afetados ficam para trás na reabertura sem qualquer plano especial de apoio”.
Também o CDS citou o número de desempregados e em situação de layoff dizendo que não são números, são pessoas. João Gonçalves Pereira disse que a Segurança Social, que o ministro da Economia assumiu ontem que falhou no processo de pagamento do layoff, falhou onde não podia falhar, na data de 28 de abril, e “era importante que o Estado cumprisse a data de pagamento” por uma questão de “confiança”.
Pelo PSD, Clara Marques Mendes criticou igualmente o facto de o apoio as empresas não estar a chegar em tempo útil. “O layoff simplicado é tudo menos simplificado”. A deputada referiu que muitas empresas não receberam o pagamento do layoff no tempo previsto inicialmente. Também do PSD, Afonso Oliveira, criticou os atrasos, admitidos por Siza Vieira, no pagamento a fornecedores. “O Governo não pode falhar na confiança que é o elo decisivo e que não se pode quebrar entre os decisores políticas, as autoridades de saúde e todos os portugueses”,
Desconfinamento prematuro? Contenção sim, totalitarismo não
Apesar de o ministro da Economia ter defendido que “vamos ter de ser capazes de sair de casa e sermos disciplinados o suficiente para nos protegermos a nós e aos outros“, houve quem discordasse à priori do calendário. Para Inês Sousa Real, líder parlamentar do PAN, em termos de saúde pouco mudou de uma quinzena para a outra, daí ter receio do passo que o Governo se prepara para dar.
“Todos percebemos a urgência de termos a economia de novo a funcionar, todos percebemos que a cada dia a situação se agrava, mas também percebemos que esta é uma situação que não dominamos, por isso não podem ser as questões económicas ou ideológicas a ditar o levantamento do estado de emergência e com ele o relaxamento prematuro de medidas sanitárias que ainda são necessárias. este continua a ser o momento da luta sanitária”, disse. “O levantamento do estado de emergência neste momento pode até ser popular dada a saturação acumulada mas não acautela o que é necessário”, afirmou ainda a deputada do PAN.
Os 7 gráficos com que o Governo justificou o desconfinamento
Também o CDS preferia maior prudência, ao nível de algumas idades e regiões do país, durante o desconfinamento, mas João Gonçalves Pereira acabou por dizer que “espera que corra bem”. Em todo o caso, o que uniu os vários partidos foi o facto consumado: vamos sair do estado de emergência e vamos entrar em estado de calamidade. O que significa isso? Os partidos mostraram-se desconfiados e pediram detalhes ao Governo, com o PCP, por outro lado, a dizer que não é o quadro legal que faz diferença, porque as medidas de contenção são para manter independentemente de tudo. “As medidas de contenção vão ter de se manter muito para lá do estado de emergência“, disse João Oliveira. “Não é inevitável nem obrigatório passar o do estado de emergência para o estado de calamidade, as medidas que têm de ser tomadas têm de ser tomada dentro do que é necessário e adequado para fazer cumprir as medidas de contenção”, acrescentou.
Todos, sem exceção, elogiaram o comportamento dos portugueses, com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, a elogiar a “profunda consciência social”, a”convergência” política e a postura “pedagógica” do Governo durante o período do estado de emergência, e com o Bloco de Esquerda a saudar o facto de o Governo não ter cedido a “alguma direita” que queria aproveitar o estado de emergência para “pôr os militares na rua”. “Felizmente o sonho de alguma direita de usar o estado de emergência para pôr militares na rua e retirar direitos não aconteceu”, disse Pedro Filipe Soares, elogiando o povo que de forma “pacífica e voluntária” cumpriu as recomendações.
Também a ministra da Saúde, que fez uma breve intervenção num dos pontos do plenário, elogiou o não recurso ao totalitarismo numa altura em que o Governo tinha todos os poderes à sua disposição. “O SNS tratou esta emergência como uma emergência sanitária, mas não como uma emergência totalitária“, disse Marta Temido aos deputados, sublinhando a evolução positiva dos números: no dia 15 de abril, na última reunião do Infarmed tínhamos 643 casos de infeção, 32 óbitos e 1200 doentes internados, ontem tínhamos 295 casos, 20 óbitos e 936 doentes internados.
IVA máscaras e gel. Governo espera “grande responsabilidade” dos comerciantes para não haver especulação dos preços
Todos os partidos se mostraram favoráveis às medidas fiscais do governo e de aumento das garantias do Estado, mas apontaram defeitos. O PCP e o BE, por exemplo, notaram que o Governo tem de fazer algo para impedir os comerciantes de especularem os preços das máscaras e gel, já que o facto de o IVA baixar para a taxa mínima não significa que o preço final chegue mais baixo ao consumidor, e Mariana Mortágua alertou sobretudo para o facto de o governo não se limitar a aumentar garantias de Estado para empréstimos, o que faz com que resposta seja sempre pela via do crédito e do endividamento, mas aposte mais em injeção direta de apoios, através de subsídios. O PSD, por exemplo, quis garantias do Governo de que o dinheiro vai chegar efetivamente às empresas, às pessoas, às famílias.
Leia aqui na íntegra o calendário do Governo para o regresso à vida normal
No encerramento do debate sobre as medidas fiscais e em resposta aos partidos, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi claro: o Governo confia na boa-fé das empresas e dos vendedores. “O governo espera que a descida da taxa de IVA destes produtos seja acompanhada por grande responsabilidade por aqueles que os comercializam, porque a descida do IVA de facto não garante que desce o preço das máscaras e do gel, a única ferramenta que temos é a medida do controlo da margem de lucro, mas as empresas têm responsabilidade na crise para não tirarem partido”, disse António Mendonça Mendes.