O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, voltou a participar e a discursar numa manifestação em seu apoio em Brasília, onde se destacaram as mensagens a favor do levantamento das medidas de isolamento e também as faixas e palavras de ordem inconstitucionais, pedindo uma intervenção militar “com Bolsonaro”.

“Temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, pela liberdade”, disse Jair Bolsonaro aos manifestantes e também a quem o quis acompanhar em direto no Facebook.

– Palácio do Planalto (03/05/2020).

Posted by Jair Messias Bolsonaro on Sunday, May 3, 2020

Jair Bolsonaro insurgiu-se contra algumas instituições brasileiras, como é foi o caso específico do Supremo Tribunal Federal (STF), que impediu o Presidente de nomear para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal (PF) o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Alexandre Ramagem fez parte da equipa de segurança do Presidente durante a campanha eleitoral de 2018 e além disso é amigo próximo de um dos filhos dele — um facto que o STF pensou poder atrapalhar investigações da PF que decorrem em torno dos filhos de Jair Bolsonaro.

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Encostado a um canto, resta a Bolsonaro o que sempre rejeitou: a “política velha”

Apesar de ter retirado a nomeação de Alexandre Ramagem, Jair Bolsonaro fez uma alusão a esse tema ao dizer: “Chega de interferência”. 

“Ela [a Constituição] será cumprida a qualquer preço. E ela tem dupla-mão. Não é de uma mão, de um lado só, não. Amanhã nomeamos novo diretor da PF e o Brasil segue o seu rumo, aí”, acrescentou Jair Bolsonaro.

“Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três poderes, e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente. Acredito no povo brasileiro e nós todos acreditamos no Brasil”, disse o Presidente do Brasil este domingo.

O Presidente do Brasil discursou sem máscara e sempre com a sua filha Laura, de 9 anos, ao lado. Os manifestantes que se deslocaram até à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, onde se situa a residência oficial do Presidente, o Palácio do Planalto, juntaram-se antes numa marcha lenta de carro. Quando ali chegaram, Jair Bolsonaro aproximou-se de alguns manifestantes para cumprimentá-los, mesmo sem tocar neles, juntamente com uma comitiva que erguia três bandeiras: do Brasil, dos EUA e de Israel. Já do lado dos manifestantes, alguns carregavam tarjas com mensagens a favor de uma intervenção militar — um apelo que é ilegal, de acordo com a Constituição do Brasil.

De resto, uma manifestação semelhante, que aconteceu a 19 de abril e que também contou com um discurso de Jair Bolsonaro, está a ser investigada pela Polícia Federal. Essa investigação foi iniciada após pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que quis que fosse averiguado se naquela manifestação foram praticados “atos contra ao regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais”.

A propósito dessa manifestação de 19 de abril, há deputados pró-Bolsonaro e também empresários próximos do Presidente que estarão a ser investigados por terem apoiado na logística daquela manifestação.

“Muitos perderão as suas vidas, mas é uma realidade que temos de enfrentar”

No seu discurso, Jair Bolsonaro voltou a carregar numa das suas principais causas neste momento: o levantamento das medidas de distanciamento social, que no Brasil são da responsabilidade dos governadores.

“O país, de forma altiva, vai enfrentar os seus problemas. Sabemos do efeito do vírus, mas infelizmente muitos serão infetados, infelizmente muitos perderão as suas vidas também. Mas é uma realidade e nós temos que enfrentar”, disse.

“Não podemos fazer com que o efeito colateral do tratamento do combate ao vírus seja mais danoso do que o próprio vírus.”

Jornalistas de vários meios agredidos em área de imprensa

A manifestação ficou ainda marcada por agressões a alguns dos jornalistas no local. De acordo com o jornal Estado de S. Paulo, o seu fotojornalista Dida Sampaio foi agredido enquanto fazia fotografias do Presidente “numa área restrita para a imprensa”.

“Sampaio usava uma pequena escada para fazer o registro das imagens quando foi empurrado duas vezes por manifestantes, que desferiram chutes e murros nele. O motorista do jornal, Marcos Pereira, que apoiava a equipe de reportagem também foi agredido fisicamente com uma rasteira. Os manifestantes gritavam palavra de ordem como ‘fora Estadão'”, escreve aquele jornal, que adianta ainda que outros dois jornalistas da sua equipa — Júlia Lindner e André Borges — foram insultados verbalmente.

O mesmo jornal escreve ainda que o jornalista Fabio Pupo, da Folha de S. Paulo, também foi empurrado ao tentar proteger os colegas do Estado de S. Paulo.

Por sua vez, a Folha de S. Paulo escreve que os seus jornalistas no local pediram proteção à Polícia Militar no momento em que os jornalistas foram agredidos. De acordo com aquele jornal, os agentes não responderam a esse primeiro pedido. Só posteriormente, respondendo a um segundo pedido, quando já quatro repórteres tinham sido expulsos do local, é que a Polícia Militar formou um cordão em torno dos jornalistas.

Também há registo de agressões a profissionais do jornal O Globo, Poder360 e da TV Record.

Estes incidentes foram comentados por alguns juízes do Supremo Tribunal Federal. A juíza Cármen Lúcia disse que “quem transgride e ofende a liberdade de imprensa, ofende a Constituição, a democracia e a cidadania brasileira”. Outro juiz daquele tribunal, Gilmar Mendes, comentou que “a agressão a jornalistas é uma agressão à liberdade de expressão e uma agressão à própria democracia”.

Também houve reação de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. “Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror”, escreveu no Twitter.

Rodrigo Maia, que começou a legislatura como aliado político de Jair Bolsonaro mas que, neste momento é um dos principais alvos do Presidente e dos seus aliados na Câmara dos Deputados, acrescentou ainda que “no Brasil, infelizmente, lutamos contra o coronavírus e o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade”. 

Enquanto presidente da Câmara dos Deputados, é a Rodrigo Maia que cabe a decisão de dar ou não seguimento aos pedidos de impeachment a Jair Bolsonaro, que nesta altura já ultrapassam os 30. Alguns deles, já foram redigidos por antigos aliados de Jair Bolsonaro. No entanto, Rodrigo Maia tem sido contra a possibilidade de iniciar um processo de impeachment.

“Temos de ter prioridades. Houve conflito do presidente com o ministro [Sergio Moro] e vai para o impeachment? Não é assim. Temos de ter equilíbrio, paciência. É claro que, quando você pede a moderação, o Brasil e o mundo está mais radicalizado, uns contra e outros a favor. Mas o nosso papel é tentar reduzir a projeção”, disse Rodrigo Maia numa entrevista à TV Bandeirantes.