O cardeal D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, revelou esta terça-feira que contactou o Ministério da Administração Interna para saber se era mesmo verdade que estivesse a ser planeada uma cerca sanitária em torno da cidade com recurso a milhares de agentes das forças de segurança. “Espalhou-se aí a notícia de que o Santuário estaria praticamente sitiado“, disse D. António Marto, durante uma conferência de imprensa que antecedeu as celebrações do 12 e 13 de maio sem peregrinos em Fátima.
“Eu fui consultar o ministério da administração interna para saber se era verdade ou não”, disse o cardeal, admitindo que “as fake news” se espalham depressa. D. António Marto acrescentou que recebeu vários e-mails de fiéis em protesto pela forma como os católicos estariam a ser tratados como criminosos — e repetiu que não há nenhum cerco a Fátima. “Ninguém tem sido iludido“, assegurou. “O impedimento, o encerramento do santuário é só na tarde de hoje e na manhã de amanhã.”
Porém, para o cardeal, nunca esteve em cima da mesa a possibilidade de repetir no recinto do Santuário de Fátima um cenário semelhante ao registado na Alameda, em Lisboa, durante a manifestação do 1.º de Maio organizada pela CGTP. “Não podemos comparar o que é incomparável. Uma coisa são as manifestações de caráter sindical, político, outras coisas são a responsabilidade da Igreja“, assegurou o D. António Marto.
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O cardeal disse que seria impossível organizar uma peregrinação a Fátima com um número limitado de peregrinos. “Para guardar o distanciamento físico, não poderia caber muita gente em relação à multidão que ia aqui chegar. Seria, porventura, um caos. Se acontecesse alguma coisa, a responsabilidade caía toda sobre a Igreja. Ninguém se lembraria das outras manifestações. Seria esta. Não queria ficar na história como responsável por um agravamento da pandemia“, assegurou Marto, lembrando que a Igreja atua “fora dos esquemas” habituais e tem a “responsabilidade própria de corresponder ao melhor que a situação nos parece exigir”.
“Dadas as informações que tínhamos, o risco de contágio era muito elevado. Mas era sobretudo numa manifestação destas, onde era imprevisível saber quanta multidão tinha e como gerir isso“, acrescentou. Estarão presentes apenas “convidados selecionados” — na noite de dia 12, três peregrinos em representação da multidão habitual; no dia 13 será um grupo de profissionais de saúde e bombeiros, para uma homenagem aos que estão na linha da frente do combate à pandemia.
O cardeal lembrou que, durante o processo de organização da peregrinação, recebeu “dezenas de emails”, sobretudo “depois das declarações da ministra” — Marta Temido, ministra da Saúde, chegou a abrir a porta a uma celebração ao estilo da CGTP. “Se os outros fizeram nós também devíamos fazer”, disseram ao cardeal, em mensagens que D. António Marto descreveu como “agressivas e até ofensivas“. “Mas a Igreja não vai por aí”, assegurou.
“A peregrinação mais difícil deste santuário”
Durante a conferência de imprensa desta tarde, o cardeal de Fátima reconheceu também que esta é “a peregrinação mais difícil deste santuário”, em mais de 100 anos de história. Mas “o vazio que os olhos alcançam, podemos dizer que talvez nunca tenha estado tão preenchido“, assegurou D. António Marto, que lembrou as semelhanças entre o contexto atual, de pandemia global, com o contexto de há 100 anos, altura em que a epidemia da gripe espanhola “deixou também características devastadoras e desastrosas” — incluindo a morte de dois pastorinhos de Fátima, Francisco e Jacinta Marto.
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“Por isso, queremos ultrapassar aquela atitude espontânea do medo, das ameaças que estão à nossa frente, e assumir exigências que se põem diante dos nossos olhos“, sublinhou o cardeal. “Todos somos interdependentes e por conseguinte e tem se traduzido na responsabilidade e solidariedade”, acrescentou, destacando o papel da Igreja Católica na reconquista da esperança entre os mais afetados pela doença.
“A Igreja viveu este tempo com uma responsabilidade e preocupação com a saúde pública, procurando evitar o contagio do vírus. Agora, mesmo depois desta fase de desconfinamento, não quer dizer que a pandemia já está vencida, e por isso continuamos com as precauções, em colaboração com as autoridades governamentais, que julgamos necessárias para evitar este contágio da infeção”, disse o cardeal.
D. António Marto destacou há milhares de pessoas que gostariam de estar hoje em Fátima e que não o conseguem fazer — e acrescentou que “a pandemia exige uma terapia não só física, não só da medicina normal, mas também da medicina espiritual“, que a fé pode ajudar a obter.
Devido à pandemia da Covid-19, o Santuário de Fátima optou este ano por, pela primeira vez, encerrar o recinto aos peregrinos e por celebrar a peregrinação de modo simbólico — mantendo a procissão das velas e fazendo a multidão representar-se por um pequeno grupo de pessoas, que ficarão dispostas com distância de segurança em frente ao altar do recinto.