O movimento norte-americano 1DaySooner está a reunir milhares de jovens saudáveis dispostos a serem infetados com o novo coronavírus, SARS-CoV-2, numa tentativa de acelerar a descoberta de um tratamento. Josh Morrison, que aos 20 anos cedeu um rim a um desconhecido, está à frente da iniciativa que pretende fazer frente a um vírus ainda sem cura e que já tirou a vida a mais de 300 mil pessoas.

A equipa responsável pelo movimento, tal como explica o espanhol El País, acredita que tal experiência poderia salvar “milhares” ou até “milhões de vidas”. Atualmente, conta com mais de 20 mil voluntários de 102 países, sendo que existem duas modalidades: a pessoa pode voluntariar-se para a experiência propriamente dita ou pode apenas voluntariar-se para defender publicamente a iniciativa.

Na página relativa ao movimento lê-se que se tal experiência acontecesse, e fosse além do campo hipotético, o “risco de danos seria minimizado na medida do possível” pelo facto de se escolherem pessoas “relativamente jovens”, entre os 20 e os 45 anos, sem quaisquer condições de saúde prévias. É ainda defendido que tal ensaio poderia reduzir riscos desnecessários, dado que os voluntários provavelmente já estariam expostos à Covid-19, uma vez que “muitas pessoas se encaixam nessa descrição porque vivem em áreas de alta transmissão” ou, então, têm trabalhos em que há risco de contágio (como é o caso dos profissionais de saúde).

Num relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), emitido a 6 de maio, lê-se que ensaios deste tipo “bem projetados” poderiam “não só acelerar o desenvolvimento de uma vacina para a Covid-19”, mas também “aumentar a probabilidade de que as vacinas implementadas sejam mais eficazes”. A OMS salienta ainda que “nos últimos 50 anos” estes ensaios foram realizados “com segurança em dezenas de milhares de voluntários adultos”.

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Há, no entanto, sempre riscos, com o mesmo documento da OMS a enfatizar que, considerando pessoas entre os 18 e os 30 anos, a taxa de hospitalização ronda os 1%, sendo que as infeções mortais são raras (0,03%). Tais experiências podem, atualmente, envolver um nível de risco e incerteza mais elevado do que outros ensaios comummente aceites porque “a patogénese da Covid-19 é atualmente pouco compreendida” e porque “não existe tratamento específico disponível”, além de que a “doença grave ou morte pode ocorrer em adultos jovens”.

Citado pelo El País, o jurista Carlos Romeo, do Grupo Europeu de Ética da Ciência e das Novas Tecnologias, que presta assessoria à Comissão Europeia, diz que as coisas têm de ser feitas “passo a passo”, manifestando preocupação face à falta de tratamentos capazes de resgatar um voluntário infetado casos surjam complicações. “Não se podem usar as pessoas como cobaias, mesmo que sejam voluntários. (…) De momento, desconhecemos quase tudo sobre o vírus. E existe a possibilidade de alguns voluntários morrerem, porque ainda não sabemos controlar esse risco.”

Sophie Rose, uma das fundadoras da campanha 1DaySooner, disse ao The Guardian que encontra motivação no eventual sofrimento e perda de vidas que a pandemia pode causar. “Enquanto uma jovem saudável de 22 anos sinto que voluntariar-me para participar num ensaio… poderia ter um impacto positivo, e não trivial, na sociedade”, disse.

Segundo a OMS, mais de 100 vacinas contra a Covid-19 estão atualmente a ser desenvolvidas.