Portugal pode ter muitas mais pessoas infetadas com Covid-19 do que as registadas oficialmente, porque há “uma percentagem enorme de indivíduos que não desenvolve sintomas”, disse o investigador Henrique Veiga-Fernandes.

Investigador principal do Laboratório de Imunofisiologia da Fundação Champalimaud, Henrique Veiga-Fernandes coordenou os esforços de diagnóstico e rastreio da Covid-19 na Fundação.

No dia em que foram divulgados os resultados de testes serológicos a enfermeiros e assistentes nos hospitais de Santo António, no Porto, e Santa Maria, em Lisboa, segundo os quais o número de infetados é 10 vezes superior ao que se julgava, o investigador disse à Lusa que o que se sabe pode ser “a ponta do iceberg”.

Os resultados esta quinta-feira divulgados, disse, estão alinhados com outros estudos internacionais e com um estudo-piloto que a Fundação fez no concelho de Loulé, distrito de Faro, e mostram que há pessoas que são infetadas e que não têm sintomas ou têm sintomas ligeiros, pelo que não são elegíveis para testes de diagnóstico.

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Esses resultados indicam que Portugal pode ter uma percentagem bem mais elevada da população que já foi infetada, disse o investigador, salientando no entanto que se essa percentagem for de 2% a 3% da população total é demasiado baixa para se obter uma “imunidade de grupo”, que é obtida com 60% a 70% da população exposta ao vírus, segundo alguns estudos, ainda que outros indiquem que pode ser substancialmente menor essa percentagem.

Henrique Veiga-Fernandes considerou significativa a percentagem de pessoas infetadas, com base nos resultados de testes agora divulgados, mas também disse que tal decorre do tipo de trabalho que exercem, muito exposto ao vírus. E acrescenta que estes estudos são importantes para criar modelos, que são úteis para a tomada de decisões.

“Números mais rigorosos permitem projeções mais precisas”, afirma.

“Ao ter 10 vezes mais pessoas infetadas (entre enfermeiros e assistentes), não quer dizer que na população em geral seja este o número“, alertou, acrescentando no entanto que será sempre superior ao oficial, porque há “muitos casos assintomáticos”.

E precisamente porque “há uma percentagem elevadíssima de indivíduos infetados mas que nem se apercebem da infeção”, e tendo em conta estudos que já se fizeram noutros países, o investigador, diretor de investigação e especialista em imunologia, acrescentou: “não ficaria surpreendido se os infetados fossem cinco a 10 vezes mais” do que os números oficiais.

Uma coisa tem a certeza, havendo mais infetados “a taxa de letalidade é bastante inferior” ao que antes se julgava. “E isso é uma boa notícia. A de que provavelmente temos uma doença que é muito grave mas que não é tão assustadora como de início se pensava”, afirmou à Lusa.

Em resumo, disse o investigador, houve no início da pandemia uma “fase exponencial de crescimento” da infeção, mas Portugal foi “bastante eficiente” na contenção. E é possível que num novo ciclo de infeção se consiga “um bom achatamento da curva” sem medidas tão restritivas.

E quanto ao facto de muitas pessoas estarem infetadas mas sem sintomas, tal não quer dizer que não tenham uma fase ativa de infeção de outros, alertou.

A estimativa de que pode haver 10 vezes mais enfermeiros e assistentes infetados nos hospitais de Santo António e Santa Maria parte dos resultados de testes serológicos feitos nos dois hospitais, da responsabilidade da Fundação Champalimaud, em associação com a Ordem dos Enfermeiros.

O rastreio serológico foi feito a 657 profissionais, 206 enfermeiros e 141 assistentes no Hospital de Santo António, e 184 enfermeiros e 126 assistentes no Hospital de Santa Maria.

E os resultados esta quinta-feira divulgados pela Fundação Champalimaud e pela Ordem dos Enfermeiros mostraram que no Porto 8,4% dos profissionais foram infetados, mas na maioria assintomáticos e sem nunca antes terem sido identificados com a Covid-19. Em Lisboa a percentagem foi de 6,5%.

Os testes serológicos permitem detetar se as pessoas que foram infetadas de forma assintomática ou com sintomas ligeiros, e que nunca sequer perceberam que estiveram infetadas, têm anticorpos para o novo coronavírus, que provoca a doença Covid-19.

O novo coronavírus, que provoca a Covid-19, já fez mais de 297 mil mortes e infetou mais de 4,3 milhões de pessoas, segundo um balanço da AFP.

Em Portugal morreram 1.184 pessoas das 28.319 confirmadas como infetadas, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.