“Se o Governo obrigar todas as salas de cinema a abrir portas no dia 1 de junho, há empresas de distribuição e de exibição que correm o risco de insolvência”, afirmou ao Observador nesta segunda-feira o diretor executivo da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP). Em concreto, segundo António Paulo Santos, o facto de o Governo alegadamente não aceitar a posição da FEVIP de uma reabertura das salas a 2 de julho, e não a 1 de junho como está decidido, “implicará a possibilidade de haver insolvências em salas de centros comerciais”.

A salvo deste cenário ficariam salas exploradas pela NOS Audiovisuais, por exemplo, por se tratar de uma empresa com capacidade financeira para encaixar perdas. No entanto, a rede Cineplace, com salas em centro comerciais de Portimão, Seixal, Leiria, Covilhã ou Maia, poderia ser uma das afetadas.

“Além disso, grupos multinacionais podem sair de Portugal”, acrescentou o diretor da FEVIP. “Se esses grupos decidirem que já não é adequado estarem a perder tanto dinheiro, podem pura e simplesmente decidir sair do país de um dia para o outro”. A UCI Cinemas, que explora por exemplo as salas do centro comercial El Corte Inglés, em Lisboa, encaixa neste perfil.

A posição foi sublinhada numa carta que a FEVIP enviou em meados deste mês ao primeiro-ministro, ao ministro da Economia, à ministra da Cultura e ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). A missiva foi citada pela agência Lusa nesta segunda-feira.

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“As salas de cinema dos centros comerciais pagam multas enormes se estiverem fechadas a partir da data em que os próprios centros reabrirem. Além disso, perdem acesso ao regime de lay-off. Entretanto, já perderam três milhões de euros por mês por terem estado encerradas e têm as rendas a pagar aos centros comerciais, que são de seis dígitos. Não temos capacidade de levar públicos aos cinemas antes de julho, porque não há estreias, não há produto com competência de mobilizar públicos”, sustentou António Paulo Santos ao Observador. “Abrir um cinema a 1 de junho é a mesma coisa que abrir um supermercado sem produtos para vender ou com produtos fora do prazo de validade.”

A FEVIP tem sede em Lisboa e representa editoras, radiodifusoras, empresas de videojogos e distribuidores de cinema, o maior dos quais é a NOS Audiovisuais. O mesmo responsável garantiu que uma associação de exibidores, a APEC  (Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas), “está totalmente ao lado” das reivindicações da FEVIP. Ambas as entidades têm mais de 500 salas de cinema em todo o país, cerca de 1500 postos de trabalho efetivos e 110 milhões em volume de negócios anual.

No dizer de António Paulo Santos, o Ministério da Cultura “está de acordo” com a FEVIP e a APEC. “Infelizmente, o Ministério da Cultura levou a nossa posição ao Conselho de Ministros da última quinta-feira e esbarrou na oposição frontal do Ministério da Economia”, afirmou, sugerindo que houve maior sensibilidade do Governo aos argumentos das multinacionais que exploram centros comerciais. O Observador pediu na tarde de segunda-feira um comentário ao ministério de Pedro Siza Vieira, mas não obteve resposta imediata.

Sabe-se que na terça ou quarta-feira serão conhecidas as regras definitivas do Ministério da Cultura e da Direção-Geral da Saúde para o regresso à atividade das salas de cinema, bem como de teatros, auditórios e espetáculos ao ar livre. Mas o calendário propriamente dito, ou seja, o dia 1 de junho como momento de reabertura, já está definido desde 30 de abril.

“Quando os distribuidores e exibidores, que são duas peças da mesma máquina, foram confrontados com a data de reabertura perceberam que nem uns nem outros tinham sido consultados pelo Governo”, relatou António Paulo Santos. “O problema não é só esse. O problema é que o mercado de cinema é global e não são os distribuidores e exibidores portugueses que controlam as datas das estreias. O cinema parou a nível mundial, quer na produção quer na distribuição. Foi tudo recalendarizado e nós não temos a mínima possibilidade de mexer nisso. Ora, o primeiro filme mobilizador de públicos está previsto apenas para 16 de julho [Tenet, de Christopher Nolan]. Antes disso, não temos qualquer produto. Não podemos exibir filmes que já passaram antes no cinema ou na televisão e noutras plataformas. Ninguém quer ver isso. As salas vivem de estreias e de exclusivos, sem isso, não há públicos”, argumentou.

António Paulo Santos acrescentou que alguns dos filmes em cartaz à data do encerramento das salas pela declaração do estado de emergência de 18 de março “serão recolocados em sala no início de julho”. “São poucos e permitem aguentar 15 dias sem estreias. Não podemos é estar já a abrir a 1 de junho e ficar um mês e meio sem nenhuma estreia.” Por outro lado, o responsável da FEVIP notou que foi adiada, sem data, a estreia de vários filmes portugueses que em condições normais chegariam por estes dias às salas. O filme biográfico das Doce, de Patrícia Sequeira, ou Irregular, com David Morgado como realizador, são apenas dois exemplos.

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Independentes regressam mas pedem “medidas de emergência”

Da parte dos chamados exibidores independentes, pelo menos em Lisboa, tudo indica que irão retomar a atividade mais cedo do que propõe a FEVIP. O Cinema Ideal, no Chiado, anunciou que reabre a 1 de junho, depois de 12 semanas de interregno, com o filme Retrato da Rapariga em Chamas, de Céline Sciamma, premiado como Melhor Argumento no Festival de Cannes, e os documentários Quem Escreverá a Nossa História, de Roberta Grossman, e Uma Vida Alemã, de Christian Krönes, Olaf S. Müller, Roland Schrotthofer e Florian Weigensamer. Os bilhetes terão um preço de reabertura de cinco euros, com a possibilidade de os espectadores doarem mais cinco euros. A sala é explorada por uma associação cultural do empresário Paulo Borges, também responsável pela distribuidora Midas Filmes.

“O Cinema Ideal reabre na expectativa das medidas de emergência a ser tomadas pelo Ministério da Cultura e o Instituto de Cinema para apoiar uma atividade que esteve quase três meses encerrada, o que significou uma perda de muitas dezenas de milhares de euros”, refere um comunicado do Cinema Ideal.

Já o Cinema Medeia Nimas, do empresário e produtor Paulo Branco, poderá abrir a 10 de junho, disse o próprio ao Observador. Para o dia 1 está convocada uma apresentação de novidades à imprensa, seguida da exibição de A Cidade Branca (1983), de Alain Tan.

António Paulo Santos garantiu que a FEVIP “não tem nada contra” o regresso da exibição a 1 de junho às salas pequenas e médias, mas disse que uma reabertura a dois tempos seria o adequado. “Os cinemas de nicho que quisessem abrir no dia 1, poderiam abrir, mas os outros não tinham de o fazer. Como os centros comerciais reabrem já a 1 de junho e os cinemas estão integrados nos centros comerciais, temos de reabrir na mesma data. Para nós a solução seria, e foi isso que o Ministério da Cultura levou a Conselho de Ministros, abrir uma exceção a dizer que as salas estavam autorizadas a abrir em julho independentemente da reabertura dos centros comerciais ser em junho”, disse o diretor executivo da FEVIP. “Como o Ministério da Economia não nos ouviu e persiste na teimosia do dia 1 de junho para todos, vamos ter problemas ao nível da solvabilidade das empresas e possivelmente desemprego neste setor”, alegou.

A FEVIP adiantou que ainda esta semana irá apresentar argumentos junto de grupos parlamentares, já estando agendadas audiências com Os Verdes e o PAN.