António Joaquim Santos tem 89 anos e vive há quase dois no lar do CBESQ, o Centro de Bem-Estar Social de Queluz, em Sintra, onde na passada sexta-feira, dia 22, foram confirmados nove casos de infeção pelo novo coronavírus; seis funcionários e três utentes — ele é um deles. Desde sábado que a mulher e os quatro filhos, revela ao Observador António Santos, o mais novo, de 32 anos, estão impossibilitados de contactar com ele, seja por telefone ou por videochamada.
“No domingo ligámos para o CBESQ e fomos informados de que a partir dessa altura não ia haver mais comunicações com os utentes. Foi uma decisão arbitrária e sem grande justificação ou, melhor, que foi justificada de formas diferentes. A nós disseram que por uma questão de falta de recursos humanos não iam poder continuar a levar os telemóveis aos utentes, mas quando a polícia ligou, para produzir o auto, a presidente da direção explicou que não havia contactos por questões sanitárias, o que não faz sentido absolutamente nenhum. A própria DGS recomenda que não se perca o contacto com os familiares durante o isolamento”, argumenta António Santos, que nesse mesmo dia à tarde apresentou queixa contra o CBESQ na esquadra da PSP de Queluz.
“A PSP disse que não via naquilo que eu descrevia nenhum crime e que se quisesse podia avançar para tribunal. É o que estamos a fazer, já apresentei queixa na Segurança Social e arranjámos uma advogada. Isto é um crime. Uma IPSS não pode sobrepor-se à lei portuguesa, à DGS e à própria Constituição, Nenhuma instituição pode impedir os utentes de comunicar com a família, aquilo não é uma prisão — aliás, mesmo que fosse, o meu pai foi preso político e, mesmo em prisões do fascismo, nunca esteve tão isolado como agora”, diz António, que entretanto denunciou também o caso no blogue coletivo onde costuma escrever.
Tendo em conta o estado do pai, que, além de sofrer de demência, tem problemas cardíacos e outras doenças associadas à idade, preocupa-se com o desfecho da doença e também com os efeitos que o isolamento possa ter na saúde mental do pai. “Ele tem 89 anos, uma saúde frágil e um quadro clínico complicado. Não querendo agoirar, isto quer dizer que há uma possibilidade real de não voltarmos a falar com o nosso pai. Desde que isto começou e os lares deixaram de ter visitas, tem estado em estado quase vegetativo, não respondia quando falávamos com ele, não abria os olhos, não há dúvidas de que isto esta a ter consequências graves para a saúde mental dele”, descreve António Santos, que garante ainda que foi o próprio médico interno do CBESQ quem mencionou os possíveis efeitos do isolamento e da quebra de contacto com a família no diagnóstico do pai.
Contactada pelo Observador, Fernanda Braz, presidente da direção do CBESQ, confirma que desde domingo à noite nenhum dos 62 utentes do lar, infetados ou não com o novo coronavírus, tem contacto direto com os familiares no exterior — pelo menos através dos telefones da instituição.
“A equipa de saúde falou comigo e achou por bem que ficassem suspensas as comunicações enquanto os outros utentes não forem testados — estamos a testar cerca de 60 pessoas, devemos ter os resultados entre terça e quarta-feira —, para que os tablets e os telefones não andassem de mão em mão. A partir daí as comunicações com a família passaram a ser feitas pela equipa de enfermagem”, explica a responsável, garantindo que, até então, o próprio lar sempre facilitou e incentivou os telefonemas e videochamadas entre utentes e familiares, tendo inclusivamente comprado equipamentos novos para o efeito.
Questionada sobre o caso concreto de António Joaquim Santos, explica que a ausência de comunicação direta com a família foi imposta por decisão da equipa médica que presta serviço no lar: “É um utente que está com covid e está isolado, obviamente que não pode estar em contacto com ninguém. Não há visitas, não há contactos e isso é mais do que admissível. A família está a ter contacto com a equipa de enfermagem e está a par da evolução do estado de saúde do senhor, portanto não é verdade que não haja contacto. Obviamente não pode é contactar telefonicamente, se o senhor estivesse num hospital a situação era exatamente a mesma”.
Na verdade, as orientações da Direção-Geral de Saúde vão exatamente no sentido contrário e incentivam o “contacto com amigos e familiares via telefone ou outros meios telemáticos”, tanto aos doentes isolados em casa, como para os internados em hospitais — algumas unidades de cuidados intensivos chegaram até a solicitar doações de tablets e afins para que os infetados sem meios próprios pudessem manter sempre o contacto com os entes queridos.
António Joaquim Santos, diz o filho e confirma a presidente da direção do CBESQ, até tem um telemóvel próprio, com o Skype instalado, para poder não só ouvir mas também ver a família do lado de lá. Mas ao contrário do que aconteceu com os restantes utentes do lar, que ainda esperam os resultados dos testes à covid-19 e foram autorizados a manter e fazer uso dos seus telefones, não terá podido levá-lo para o quarto onde está em isolamento, com outro utente positivo.
“Sempre teve telemóvel até sexta-feira passada, que foi quando entrou em isolamento. O quarto está com o mínimo de objetos possíveis, todos os objetos pessoais foram retirados, foi o aconselhamento que tivemos. Tudo o que estivesse nas mesas e poderia ser suscetível de ser contagiado foi retirado, para que as superfícies estejam completamente livres e a desinfeção possa ser feita mais facilmente”, explica Fernanda Braz ao Observador, frisando que se trata de uma restrição temporária e garantindo que os familiares dos demais utentes não contestaram a nova medida. “Numa sala de isolamento as regras são diferentes. Isto é um caso de saúde pública, é uma questão de saúde dos utentes e de todos nós, portanto eu tenho de tomar as medidas que me são aconselhadas pela equipa de saúde.”