António Costa Silva, gestor nomeado pelo primeiro-ministro para coordenar os trabalhos preparatórios do plano de relançamento da economia, considera que a recuperação económica “vai ser lenta”, impulsionada pelo fator “medo”, salientando que a duração terá efeitos “lesivos”.

“Acho que [a recuperação económica portuguesa] vai ser lenta, porque nós temos aqui a erupção de um fator novo que também tem consequências económicas que é o medo”, afirmou o responsável, em entrevista à Lusa.

Portanto, o regresso das pessoas à normalidade vai ser mais lento, estamos a ver nas reações. Há vários setores da população que têm reações diferentes, é aquilo que se chama a economia zombie, vamos ter aqui uma economia a funcionar a 70%, 80%, se tanto”, prosseguiu. “E basta isso para afetar todas as cadeias logísticas, as cadeias de transporte e de criar dificuldades na recuperação da economia, vamos ter isso durante algum tempo. Penso que até se descobrir a vacina realmente vai ser um período difícil”, considerou.

Questionado sobre o horizonte temporal desta recuperação, Costa Silva recordou que “quando a SIDA surgiu a demora foi de seis anos até ter o primeiro tratamento eficaz”. Agora, “não digo que vamos passar seis anos, mas a vacina pode eventualmente não surgir de um dia para o outro. Portanto, se tivermos mais um ano nesta situação isso tem efeitos já lesivos significativos na economia, para além daqueles que existiam”, salientou.

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“E atenção que a economia portuguesa estava a crescer, mas mesmo assim o crescimento ainda era um crescimento lento, como em toda a zona europeia. Portanto, temos aqui a retração provocada nesta crise sobre um paradigma de crescimento que já por si era lento, e isso é outra coisa que nós temos nas sociedades ocidentais”, disse.

Sobre se a dívida portuguesa condiciona ou pode condicionar o seu plano de recuperação económica de Portugal, António Costa Silva disse que “tudo depende de como é que os recursos financeiros que a União Europeia vai providenciar chegarem ao país”. Ou seja, “o desenho que existe atualmente” é de que “grande parte desses recursos vão chegar sob forma de subvenções”. Se forem subvenções, “não vão afetar a dívida pública portuguesa, se vierem sob a forma de empréstimos poderão afetar”, prosseguiu o gestor.

Sabemos muito bem que uma dívida elevada funciona como uma espécie de inibidor do crescimento e, portanto, é muito importante aí o país também lutar ao nível da União Europeia para realmente haver grande parte — como defendeu a presidente da Comissão Europeia — que venha sob a forma de subvenções, para impedir que a dívida dos países seja sobrecarregada numa fase de si que já é muito difícil”, considera.

“Penso que isso pode ser atingido, aliás, a União Europeia está a dar sinais muito claros a esse nível de que terá provavelmente aqui um novo quadro mental, estou muito esperançado”, afirmou.

Relativamente à reindustrialização, no qual Portugal tem de estar alinhado com os propósitos da União Europeia, António Costa e Silva referiu que o bloco europeu “está a estudar isso” e a “definir exatamente” o que “significa a autonomia estratégica da Europa nos vários setores da economia”.

Defendeu que Portugal deve “sintonizar-se com isso e analisar as suas valências internas e ver como é que pode capitalizar essa reorganização, sobretudo, das cadeias logísticas, aproveitando as potencialidades da indústria nacional”. No entanto, admitiu que a reconversão está “muito dependente também daquilo que for o programa europeu”.

Plano de recuperação económica deverá ser entregue no final do mês

O plano de recuperação económica terá “cerca de nove ou 10 pilares estratégicos” e deverá ser entregue “no final do mês”, revelou ainda António Costa Silva.

O presidente da Partex acrescentou que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, “tem participado e dado uma colaboração muito grande com a sua equipa, que tem sido extraordinária” e, portanto, “estamos a terminar a fase de reunião com os vários ministros” envolvidos nos vários pilares estratégicos, acrescentou o gestor.

São “cerca de nove ou dez pilares estratégicos” que o plano vai ter “e depois vamos começar a ouvir as personalidades da sociedade civil, empresários, líderes de instituições, enfim, para a visão ser o mais abrangente possível e refletir, de facto, as várias visões que existem na sociedade e digamos ser uma questão polifacetada”, acrescentou.

Trata-se de um “plano para recuperação da economia do país para ser executado ao longo da próxima década, se assim for determinado depois pelos responsáveis políticos”, disse Costa Silva, referindo que a sua contribuição é “meramente a de sugerir um quadro estratégico, os pilares do desenvolvimento”. Ou seja, os que são “abertamente cruciais para mudar o país e para o sintonizar com todas as tendências”, nomeadamente a “transição energética, a luta contra as alterações climáticas, a descarbonização, a necessidade” de criar e desenvolver “uma economia mais justa e mais equilibrada”, acrescentou.

A visão deste plano de recuperação, disse, “assenta em dois polos”, um para o curto prazo, que visa “recuperar a economia, proteger o emprego”, e para médio e longo prazo, com o objetivo de “transformar a economia, tornando-a mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico e social e, depois, mais eficiente no uso dos recursos, mais inovadora, mais interconectada, mais resiliente, mais digitalizada”, dando também, “uma massa crítica para o país poder competir no futuro a nível global”.

A aposta na economia do mar, as infraestruturas ferroviárias e o fim da bitola ibérica, a aceleração da transição digital são alguns dos pontos que integram o plano.

Sobre as vantagens competitivas de Portugal, António Costa Silva destacou que a primeira é o “recurso geográfico, a sua localização”. Portugal é “uma economia atlântica que está no cruzamento de três continentes e isso é extremamente importante. Somos um país que tem um relacionamento muito bom com o espaço europeu, embora haja um condicionamento grande por Espanha por razões territoriais e históricas, mas a relação com Espanha é muito boa, mas também somos um país que lutou contra esta dependência territorial ou continental, forjando alianças históricas com aliança com o Reino Unido e a aliança com os Estados Unidos da América”, prosseguiu.

“E ao meu ver, na política externa portuguesa, estas são vertentes que têm de se manter independentemente de tudo, mas depois o país tem relações extraordinárias com as várias Ásias, com a Índia, que deve ser explorada muito mais, com a China, com o Japão”, tal como “as Américas e África”.

Costa Silva visualiza o futuro de Portugal com “quatro, cinco ou seis futuros possíveis”. Um é de ser um país “que usa os portos, as plataformas que tem” para se inserir nas redes mundiais de “energia, de comércio” e, neste século, os países de insucesso são aqueles que são incapazes de integrar as redes globais.

A segunda é construir um grande espaço geoeconómico à volta dos seus recursos endógenos, as energias renováveis, o hidrogénio, os recursos minerais estratégicos, depois é um país que pode ser uma espécie de plataforma tecnológica”, prosseguiu, recordando que Portugal tem atraído multinacionais para o país, apontando que “uma das grande ideias do plano de recuperação económica” é transformar as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto “numa espécie de macro regiões competitivas globais”, criando cidades inteligentes.

“É apostar nestas grandes áreas metropolitanas, nos sensores, nos dados, no tratamento da informação. Para quê? Para integrar todas as cadeias de energia de resíduos de água, para construir cidades que sejam sustentáveis que tenham ao nível da sua digitalização um impacto muito grande na vida e na atratividade das pessoas”, explicou.

Questionado sobre o plano de transição digital do Governo, o gestor considerou ser “muito importante para o país”. “O que recomendo é a extensão da fibra ótica a todo o país e a capacitação dessas instituições” e depois “um grande programa para as competências digitais das pequenas e médias empresas. Acredito que isso pode ser um fator que faz crescer a produtividade das empresas”, salientou. “Não é justo deixar todo o interior do país” sem essa cobertura porque “estamos a excluir partes do país”, afirmou. “Estamos a impedir que a economia do interior se insira na economia nacional”, disse ainda.

Penso que se estes recursos financeiros vierem”, sendo que uma das questões claras da União Europeia como está assumida é a transição digital, “o Estado pode equacionar a hipótese de criar incentivos ou ele próprio assumir com as empresas um pacto para a extensão da fibra ótica”.

Isso “é benéfico para o país, reduz as desigualdades e impede que haja um país a várias velocidades”, rematou.

Sobre o setor tradicional – têxteis, calçado, vinhos, turismo -, Costa Silva disse que o documento tem um pilar “muito claro com o comércio, serviços e turismo para auxiliar” estas indústrias. “Defendo a combinação do novo com aquilo que nós temos”, salientou, dando exemplo da reinvenção da indústria do calçado na sequência da última crise, tal como a indústria metalomecânica, a cortiça, os vinhos ou as pescas. “Todas elas podem sofrer um estímulo novo nesta nova fase”, considerou.

“Ser membro do Governo não faz parte do meu ADN”

Integrar o Governo não faz parte dos projetos de António Costa Silva:

Estar no Governo não faz parte das minhas ambições e não faz parte do meu ADN”, afirmou o presidente executivo (CEO) da Partex, nomeado pelo Governo para coordenar os trabalhos preparatórios do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030.
“Sou um cidadão que gosta muito de pensar, de ler, de estudar e de investigar”, disse ainda António Costa Silva, que achou o desafio “muito aliciante”, como uma reflexão estratégica, para a qual poderia dar o seu “contributo cívico, ‘pro bono’”.

O professor e engenheiro também pôs de parte a ideia de incompatibilidades ou dúvidas em se manter a trabalhar na Partex. “Isso é afastado logo à cabeça, porque a Partex é uma empresa de petróleo e gás e este setor em Portugal foi completamente fechado por decisão política”, sublinhou. “Não há investimentos nessa área, a empresa não tem nenhuma operação no país”, afirmou ainda, referindo que é “muito independente” e que sempre pensou “além do barril do petróleo”.

O facto de ter passado apenas um mês até entregar ao chefe do executivo um primeiro esboço desse trabalho deve-se, disse, ao facto de não só trabalhar “bastante rápido”, como de contar com a colaboração da equipa do ministro Matos Fernandes, com a qual conseguiu montar o esboço à partida: “o Ministério do Ambiente nesta altura também é a minha casa de trabalho”. Além disso, referiu que já tem muito trabalho feito nas diferentes áreas que “são os pilares estratégicos da proposta”.

Entre esses pilares estão a transição energética, a descarbonização, a mobilidade elétrica o paradigma das cidades, as infraestruturas socialmente portuárias, a industrialização do país e o papel dos recursos na valorização do território.

Tenho feita muita reflexão, escrito artigos e ensaios e participado em livros e seminários, incluindo sobre políticas públicas”, disse. “É fundamental refletirmos e questionarmos os paradigmas que tínhamos sobre a economia”.

Na prática, o que procurou fazer — disse – foi “reestruturar isso tudo pensando dois quadros estratégicos, um do país e os seus dilemas estratégicos que vêm da história, e a parte marítima. Somos duplamente confinados, primeiro pela Espanha e, depois, a Península Ibérica. Liguei essa reflexão às consequências da crise da pandemia que está a mudar tudo e pode permitir ao país posicionar-se para o futuro”.

Apesar de tudo, confessou que ficou surpreendido com o desafio que lhe foi lançado pelo primeiro-ministro, mas que “não podia deixar de aceitar, sobretudo tendo em conta o momento que o país vive”.

A realidade é devastadora não só em Portugal, como na Europa e no mundo, onde” — citou — “o número de pessoas que passam fome duplicou nos últimos meses e a perda do PIB [Produto Interno Bruto] mundial em dois meses atingiu nove biliões de dólares, o que representa a perda para o Japão e a Alemanha juntas”. Para Costa Silva, não adianta, contudo, “chorar sobre o leite derramado”.

Tendo em conta os recursos financeiros provenientes da União Europeia, penso que é altura de repensar algumas das questões fulcrais do país, alguns entraves ao desenvolvimento e olhar para o futuro de forma diferente”, disse ainda.
De todo este trabalho há de resultar um programa para uma década, mais do que a duração de dois governos, mas sobre isso Costa Silva não se pronuncia.

“Isto não tem nada a ver com o programa do Governo até porque não sou do Governo, sou independente e assim serei”, disse, acrescentado que “o plano está concebido para ser executado ao longo da próxima década, se assim for determinado pelos responsáveis políticos”.

Sobre o facto de o plano poder ser executado ou não, nada disse: “Nada garante que vá ser cumprido no futuro porque são os titulares dos órgãos de soberania que decidem legitimamente, eleitos pelo povo português”, sublinhou.

A minha contribuição é fornecer uma ideia do que é que pode ser este plano de recuperação da economia”, mas como vai ser implementado e o que o Governo vai fazer já nada tem a ver consigo, acrescentou.

O programa terá uma multiplicidade de projetos, mas nem todos vão ser executados. “Terão que ser feitas escolhas e isso é competência do Governo, no seu legítimo exercício do poder”.

Numa primeira fase, Costa Silva está a terminar uma “ronda” de conversas com todos os ministros intervenientes nos pilares estratégicos que definiu e, depois, numa segunda fase, olhar para fora, para perceber quais são as expectativas da sociedade. E advertiu: “É absolutamente vital, nós já tivemos no passado muitas experiências deste tipo de situações e não queremos repetir os mesmos erros agora. Esta é uma oportunidade histórica, o país não pode dispensar recursos, tem de estar à altura fazer o seu trabalho de casa”.

É preciso dar esperança ao país, desenvolver uma visão, alavancar as vontades das pessoas, agregá-las e estudar porque falhámos no passado. O que nos vai salvar sempre é a mente humana”, concluiu o gestor, que, todavia, não gosta de ser apelidado de “visionário”.

“A TAP é uma empresa que o país não pode deixar, de maneira nenhuma, ir à falência”

António Costa Silva, advoga também um “pacto entre Estado e empresas” e um “equilíbrio virtuoso” com os mercados para recuperar a economia.

“Defendo aí que tem que haver um pacto entre o Estado e as empresas. Portanto, o Estado tem que definir as regras e tem que ser um facilitador”, afirmou o também presidente da petrolífera Partex, considerando que é preciso haver “um equilíbrio virtuoso entre o Estado e os mercados”.

Questionado sobre como entende esta intervenção, o gestor defendeu que o Estado deve “intervir na Economia”, primeiro “ao nível das infraestruturas que são cruciais para modernizar o país e prepará-lo para o futuro”. Depois, “o Estado [deve] intervir para salvar as empresas que são competitivas e que não podemos deixar ir à falência ou entrar em estado de coma. Portanto, para as capitalizar”, sublinhou.

“É por isso que eu defendo um pacto entre Estado e empresas”, o qual “define exatamente o que o Estado vai fazer, deixando o papel e o espaço às empresas”.

Mas, “não podemos ter uma visão estatizante ou coletivista agora na intervenção do Estado na economia. Tem que haver o tal equilíbrio entre Estado e empresas, entre Estado e mercados”, prosseguiu o gestor, que foi designado para coordenar os trabalhos preparatórios de elaboração do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030, não auferindo de qualquer remuneração ou abono.

O Estado vai ter que fazer investimentos grandes nas infraestruturas, sobretudo a ferroviária, as infraestruturas portuárias, completar a rede nacional, mas é também o Estado salvador das empresas que estão em crise ou podem entrar em falência e que são empresas rentáveis e aí o segredo é haver um equilíbrio virtuoso entre o Estado e os mercados”, considerou.

“Agora, aí o que me preocupa é como os recursos financeiros vão ser canalizados pelas empresas”, disse, salientando que há “várias maneiras” de o fazer: ou através de fundos criados pelo Estado, “através de um banco promocional, ou uma questão que pode ser uma revolução de facto, uma rutura do paradigma”, que é aproveitar para “criar um verdadeiro mercado de capitais”.

António Costa Silva apontou que um dos “grandes entraves ao desenvolvimento da economia é que as empresas se endividam só pela dívida, estão sempre em situações extremamente difíceis”. Ora, se houver um mercado de capitais a que as empresas passem a recorrer e depois entrar em bolsa, aí será possível “ter um sistema muito mais saudável, mas isso é uma transformação epistemológica”, considerou o gestor. Em suma, Costa Silva defende a intervenção do Estado “com plano de retirada estabelecido claramente”.

Não queremos um Estado que se substitua às empresas, já sabemos que isso não vai funcionar, não queremos um Estado que defina o que é que as empresas vão fazer, mas podemos ter um Estado que intervenha a nível da capitalização das empresas que, por exemplo, ao nível das pequenas e médias empresas (…), funcione no sentido de as apoiar, de contribuir para a sua internacionalização e, sobretudo, para criar massa crítica”.

O gestor sublinhou que existem muitas pequenas empresas que concorrem entre si, mas se for possível conseguir “associar e criar alguma massa crítica” será possível “ter melhores vetores para o desenvolvimento da economia”. “O Estado tem de definir as regras, tem que definir quais as empresas que vai intervir”, reiterou.

“Não sou favorável a atirar-se dinheiro para cima dos problemas, tem que se usar muito bem os recursos, as empresas que forem rentáveis, forem competitivas, mas que estejam em situações de tesouraria muito aflitivas têm que ser protegidas, porque não queremos lançar milhares e milhares de pessoas para o desemprego e porque sabemos que as empresas têm sustentabilidade, acho que isso vale a pena fazer com recursos que existirem”, defendeu.

Sobre uma intervenção do Estado na TAP, António Costa Silva disse desconhecer com detalhe a situação. “Não conheço em detalhe, mas presumo que a TAP é uma empresa que o país não pode deixar, de maneira nenhuma, ir à falência, desaparecer”, disse.

Se olharmos para a economia portuguesa, o transporte aéreo é provavelmente um dos fatores que tem maior influência para o desempenho da economia portuguesa e, atenção, não é só o turismo, é muitas das outras fileiras e muitas das outras áreas e, portanto, a questão dos transportes aéreos também é crucial para a sustentabilidade da economia”, explicou.

Portugal tem que repensar posicionamento” sobre rota da seda

O gestor considerou ainda que “Portugal agora tem de repensar o posicionamento” relativamente ao seu papel na nova rota da seda.

“A China, nesta crise, revelou de facto algumas facetas que são sempre esperadas de um regime totalitário, mas não na dimensão em que elas ocorreram”, afirmou António Costa Silva.

Relativamente ao papel de Lisboa na nova rota da seda, Portugal “deve repensar porque nesta altura (…) há muita coisa nova a passar-se no mundo e, portanto, nós vemos as reações que tudo isso está a provocar em termos deste novo posicionamento e desta nova guerra fria que existe”, referiu.

Mas eu separaria esse ponto, que é vital e que a Europa tem que refletir, da relação económica com a China”, sublinhou o gestor, pois “a relação económica de Portugal com a China é uma relação boa” e deve manter-se. “Penso que temos de ser mais cuidadosos do que nunca, nós Portugal, mas mantendo o nível das relações económicas e discutindo com os nossos parceiros europeus provavelmente uma abordagem unificada para este problema que se está a gerar no mundo”, sublinhou.

Questionado sobre o facto de setores estratégicos como a energia em Portugal estarem nas ‘mãos’ de investidores chineses, António Costa Silva recordou que na altura da sua entrada no capital foram estes que apareceram.

“Na altura também que era necessário foram os chineses que apareceram. É evidente que é sempre um bocado difícil quando nós analisamos ver a dependência de setores estratégicos de uma empresa chinesa, do Estado chinês, que as empresas que estão presentes quer na EDP, quer nos outros setores chave da energia, são empresas estatais chinesas”, apontou o gestor, que vai coordenar os trabalhos preparatórios de elaboração do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030.

“É um fenómeno novo com que nos temos de deparar, mas é por isso que, provavelmente, nesta nova fase é muito importante termos uma economia mais resiliente e o que nós precisamos é de várias empresas nacionais que sejam realmente resilientes e não só uma, duas ou três com este paradigma de dependência do exterior”, considerou.

Sobre o facto de não ser tranquilizador o retrato de Portugal ter algumas das suas grandes empresas estratégicas nas ‘mãos’ de investidores chineses, o presidente da Partex foi perentório: “Não é”. Na altura, “provavelmente, poderia ter havido um maior equilíbrio na seleção dos acionistas, poderia ter havido um maior equilíbrio na conjugação dos vários poderes”, disse António Costa Silva, que neste momento prepara o plano de recuperação económica do país para uma década.

Temos uma relação histórica com o Reino Unido, com os Estados Unidos. Mas na altura [em que os chineses entraram nas empresas portuguesas] também compreendo que a situação era extremamente difícil, era preciso encontrar uma solução”, prosseguiu. Mas, “às vezes a pressa é má conselheira”, rematou o gestor.

António Costa Silva disse ainda não acreditar que venha a existir “no mundo uma espécie de cortina de ferro tecnológica”. Isto é, “as tecnologias e as novas tecnologias de redes 5G e outras que são cruciais para o futuro, para a Internet das Coisas, para o ‘big data’, para tudo o que vem aí”, considerou.

O desenvolvimento do 5G e o papel que a fabricante chinesa Huawei tem nesta área tem servido de mote para o ‘braço-de-ferro’ entre Washington e Pequim, sendo que a empresa foi banida de operar nos Estados Unidos.

Acredito que no fim vamos ter aqui uma cooperação entre as várias soluções tecnológicas dos vários países, mas é muito difícil uma tecnologia traçar fronteiras. Portanto, ter parte do mundo a funcionar com uma tecnologia, outra parte com outra, se isso acontecer vai ser uma reversão muito grande”, considerou o gestor. Além disso, não se sabe o que vai acontecer com a reconfiguração do poder na China.

António Costa Silva admitiu ainda a possibilidade de numa “fase imediata” o processo de desenvolvimento do 5G poder “travar”. Tudo “vai depender do resultado final das eleições” nos Estados Unidos, “se continuarmos com o Presidente Trump eu acho que aí as coisas vão ser muito mais difíceis e, portanto, esta questão do 5G vai-se reconfigurar de novo”, advertiu.

“Vamos ver nos próximos anos, provavelmente, esta espécie de uma cortina de ferro tecnológica a existir, mas acredito que no fim pode imperar a sensatez. Vamos ver o desfecho da eleição americana”, disse ainda, sublinhando que “o controlo das tecnologias de ponta é fulcral porque são elas que vão formatar o futuro”.

O mundo pode estar perante nova “guerra fria” e prevê ajustamento da globalização

António Costa Silva considera que o mundo pode estar perto de uma “nova guerra fria” entre os Estados Unidos e a China, e prevê um “reajustamento em baixa da globalização”.

“É uma situação muito preocupante para o mundo, que possa haver entre as duas grandes potências ou superpotências uma espécie de nova Guerra Fria”, disse o gestor.

Se olharmos para o mundo de hoje, há uma espécie de deriva sino-americana”, explicou, colocando em paralelo a “liderança errática do Presidente Trump, completamente virado para si próprio para o interior do país” e a situação na China, “em que aumentam as forças nacionalistas”.

A China revelou nesta crise “algumas facetas que não estávamos habituados, nomeadamente as campanhas de informação e a exploração que fez de algumas debilidades na resposta dos países europeus, para tentar comparar com o seu modelo e pugnar que o regime autoritário é melhor do que as democracias”, afirma Costa Silva.

Quanto à globalização, o professor e engenheiro de minas e dos petróleos considerou como “inevitável” um ajustamento, quando não uma “desglobalização”. “Antes da crise, já se sentia uma certa retração no comércio internacional e as estimativas da Organização Mundial do Comércio apontam para que na próxima década possa haver uma redução entre 13% a 35% do comércio mundial”, esclareceu, para concluir que, se tal acontecer, “pode não haver uma ‘desglobalização’, mas pelo menos um reajustamento em baixa do processo de globalização”.

Só não acredito numa reversão completa porque o comércio é fundamental para o mundo e uma das grandes invenções da espécie humana, ao criar riqueza e confiança entre as sociedades”, sublinhou, citando o filósofo francês Montesquieu: “O comércio é um pacificador da ordem internacional”.

É neste contexto que Costa Silva colocou a tónica na Europa: “Numa situação como esta, em que se podem enfrentar as duas potências, o papel da Europa é ser um amortecedor muito importante, porque tem de convocar as outras grandes democracias, desde o Canadá à índia, à Nova Zelândia e Austrália”.

O professor afirmou, contudo, ter esperança que, depois das eleições, os Estados Unidos “possam regressar a uma força estabilizadora da ordem internacional”. “É muito preocupante o nível crescente de hostilidade e de agressividade entre os Estados Unidos e a China e a Europa pode servir de plataforma para atenuar essas tensões”, disse.

Sobre a atual situação nos EUA, considerou-a “expectável”. “As lideranças determinam as vidas dos povos e, portanto, o que esta crise está a revelar em toda a sua dimensão é que os líderes populistas e demagógicos têm muito pouca substância”, acrescentou.

Quanto à China, Costa Silva foi da opinião que ela “foi sempre vencedora das últimas grandes mutações geopolíticas sobretudo neste século”.

Enquanto em 2001, depois do ataque às Torres Gémeas, os Estados Unidos declararam ‘guerra ao terror’, tendo gasto sete ou oito triliões de dólares nas várias guerras”, nesse mesmo ano, destacou o professor, a China aderiu à Organização Mundial do Comércio e começou a trabalhar para desenvolver todo este paradigma”.

Costa Silva sublinhou também, a título de exemplo, como no último congresso na Assembleia Nacional Popular chinesa, pela primeira vez da expressão “ascensão pacífica da China no mundo” desapareceu a palavra pacífica.