Um parecer remetido aos partidos antes de arrancar a discussão e votação da proposta de Orçamento suplementar para 2020, avisa os deputados de que as eventuais propostas de alteração com impacto nos quadros da despesa e receita estão limitadas.

O parecer, que segundo o comentador Marques Mendes, foi enviado pelo Governo ao parlamento defende que a amplitude de discussão e alteração de um orçamento suplementar, ou retificativo, não é mesma que a existente no Orçamento anual. Em causa está o alcance da chamada lei travão que impede o Parlamento de aprovar medidas que aumentem a despesa ou reduzam a receita, à revelia de uma lei de Orçamento do Estado em vigor.

Marques Mendes fala “Intimidação” e “irresponsabilidade”. Governo enviou documento aos deputados a proibir mudanças no orçamento suplementar

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Já esta segunda-feira, António Costa, esclareceu que Marques Mendes “está mal informado” porque o Governo não anexou nenhum parecer à proposta de Orçamento. Segundo o primeiro-ministro, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares “partilhou com os diferentes partidos um parecer que segue um acórdão muito conhecido do Tribunal Constitucional”, com objetivo de para “refrescar a memória” de que “a lei-travão também se aplica” aos orçamentos retificativos.

Neste caso, o parecer do Centro de Competências Jurídicas do Estado, defende que a “Assembleia da República não tem competência para proceder a modificações na Lei do Orçamento do Estado que não se inscrevam no âmbito da proposta (de alteração) do Governo, sob pena de violação do equilíbrio de equilíbrio constitucional de poderes que inere à relação fiduciária entre os dois órgãos”.

O documento assinado por Carlos Blanco de Morais sublinha ainda que a doutrina dominante é “unânime em considerar que a “norma-travão do nº 2 do artº 167º da CRP (Constituição) limita as iniciativas legislativas supervenientes dos deputados e grupos parlamentares durante um procedimento de alteração da LEO em vigor ativado por uma proposta de lei do Governo, as quais, incidindo sobre a mesma proposta, impliquem uma redução das receitas ou diminuição das despesas.”

Esta posição é sustentada um acórdão de 1986 do Tribunal Constitucional sobre o alcance da norma travão em matérias que são da competência do Governo considerando que as iniciativas supervenientes dos deputados, face à proposta de alteração orçamental, “podem aceitar ou rejeitar a proposta de lei que contém o orçamento retificativo ou, ainda aumentar em vários níveis as receitas propostas ou reduzir, também em vários níveis, as despesas.

“Contudo, interdita a possibilidade de as mesmas iniciativas endo-parlamentares poderem introduzir alterações na proposta que aumentem a despesa ou reduzam a receita ou, ainda, que descaracterizem a iniciativa de governamental.”

A dúvida surgiu numa reunião da Comissão de Orçamento e Finanças da semana passada, tendo levado o presidente desta comissão, o socialista Filipe Brandão Neto a alertar para esta interpretação do quadro legal num documento onde cita o referido acórdão 317/86 do Tribunal Constitucional.

“Não é de aceitar que, face a uma simples proposta de alteração do Orçamento, a Assembleia da República possa proceder a modificações orçamentais que se não inscrevam no âmbito da proposta do Governo […] Se fosse possível aproveitar uma proposta de alteração do Orçamento para introduzir modificações orçamentais que não se inscrevessem no âmbito da proposta governamental, poderia desfigurar-se, em qualquer altura, o Orçamento aprovado, criar até um novo Orçamento.[…]

“Não se pretende que a Assembleia da República esteja vinculada à proposta de alteração feita pelo Governo. Pode aceitá-la ou rejeitá-la. Pode aumentar as receitas, como se propõe, ou aumentá-las numa percentagem diferente do que a pretendida. Igualmente poderá não diminuir as despesas, ou diminuir menos do que se pretende. Não pode é proceder a alterações que extravasem o âmbito dessa proposta”.