O Presidente dos Estados Unidos admitiu, no sábado, ter pedido às autoridades de saúde para diminuírem o ritmo de despistagem da Covid-19 devido ao aumento de casos diagnosticados no país, o mais atingido no mundo pela pandemia.
Sem deixar claro se falava à sério, Donald Trump disse aos apoiantes reunidos em Tulsa, no estado de Oklahoma, que a despistagem da doença era “uma faca de dois gumes”.
“Eis o lado mau: quando se faz este volume de testes, encontramos mais pessoas, mais casos”, explicou, durante o primeiro comício para retomar a campanha para a reeleição presidencial, organizado durante a epidemia nos Estados Unidos.
“Então disse à minha equipa para diminuir o ritmo da despistagem. Eles fazem testes e testes…”, acrescentou Trump, cuja gestão da crise sanitária nos Estados Unidos é alvo de críticas de todos os quadrantes.
Sem se identificar, um responsável da Casa Branca defendeu Trump e disse que o presidente dos EUA “estava claramente a falar em tom de brincadeira para denunciar a cobertura absurda dos media”.
“Estamos a liderar no número de testes e estamos orgulhosos de ter realizado mais de 25 milhões de testes”, acrescentou a mesma fonte.
Opositores já criticaram
A diretora-adjunta da campanha de Joe Biden, que tudo indica será o oponente de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas de novembro, classificou, num comunicado, as declarações do atual chefe de Estado de “indígnas” e considerou que serão lembradas “por muito tempo”.
“O Presidente Trump apenas admitiu que está a colocar a política à frente da segurança e do bem-estar económico dos norte-americanos. Ainda por cima, quando registamos o número mais alto de novos casos da covid-19 e 20 milhões de pessoas estão desempregadas”, sublinhou.
No mesmo sentido, a ‘mayor’ (presidente da câmara) da cidade de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, que poderá ser escolhida por Biden para candidata à vice-presidência, afirmou que as declarações de Trump foram “uma vergonha”.
“Dá o melhor de si mesmo quando cerca de 120 mil pessoas já perderam a vida devido à covid-19 e atreve-se a dizer que deu ordens para travar a realização de testes. Isto é de loucos”, afirmou a autarca de Atlanta.
Especialistas em saúde pública rejeitam a visão do presidente sobre a pandemia se “desvanecer”
Os especialistas norte-americanos em saúde pública reagiram este domingo às afirmações de Trump alertando para o facto de que acreditam que a pandemia de coronavírus não vai desaparecer tão cedo. Naquilo que é uma crítica clara às afirmações de Donald Trump em Tulsa, que afirmou que a Covid-19 acabaria por desaparecer, os especialistas dizem que os aumentos dos últimos dias são “reais” e comparam o novo coronavírus a um “incêndio florestal”: enquanto tiver combustível irá queimar. Criticam ainda a estratégia de resposta do país à pandemia e os comícios que Trump tem na sua agenda — na campanha para a reeleição — que aumentam o risco de contágio da doença.
Tom Inglesby, diretor do Centro de Segurança em Saúde da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, afirmou ao “Fox News Sunday”, citado no The New York Times, que os picos de casos confirmados em muitos dos estados a sul e oeste “não são apenas o resultado do aumento do número de testes”. Os dados mostram que a percentagem de testes positivos está a aumentar, disse Inglesby, acresentando que em muitos estados esse aumento também é acompanhado pelo aumento no número de doentes internados. E apontou os exemplos do Arizona, Texas, Carolina do Norte e do Sul e Florida onde afirma que “esse é um aumento real”.
Em “Face the Nation” na CBS, Scott Gottlieb, ex-comissário da Food and Drug Administration (FA), disse que o aumento das taxas de casos positivos “é uma indicação clara de que agora o vírus se está a espalhar na comunidade e que as taxas mais elevadas não são apenas uma consequência de maior testagem”.
Michael T. Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota apontou ainda que o número de casos atual representa já cerca de 70% dos casos que existiam em abril, quando a doença estava no auge no país. O médico, que pertence ao centro que tinha apontado para a hipótese de a pandemia abrandar no verão e outono, nega agora essa hipótese: “Não vejo que possa haver uma desaceleração no verão ou no outono”.
Seis membros da campanha de Trump estão infetados
Seis membros da equipa de campanha de Donald Trump receberam testes positivos para a Covid-19 e foram colocados sob quarentena, algumas horas antes do início deste comício. Até aqui bastante poupado, o estado de Oklahoma regista agora um forte aumento de casos.
Os Estados Unidos são o país mais atingido pela Covid-19, com mais de 2,2 milhões de casos e quase 120 mil mortos, numa população de 300 milhões de habitantes.
Na intervenção, Trump retomou os ataques contra o adversário democrata na corrida à Casa Branca, o antigo vice-Presidente Joe Biden, ao mesmo tempo que voltou a responsabilizar a China por não ter controlado a propagação do novo coronavírus. Se Biden chegar ao poder, será “o fim dos Estados Unidos” já que estará “controlado pela esquerda radical”, advertiu o candidato republicano.
O comício decorreu num estádio com capacidade para 19 mil pessoas e que a campanha de Trump tinha prometido encher. As imagens difundidas mostravam bancadas vazias.
Um outro evento previsto no exterior do recinto, em que devia participar também o vice-Presidente norte-americano, Mike Pence, foi cancelado horas antes devido à baixa afluência.
A data e o local escolhidos por Trump para este comício vieram aumentar as tensões raciais que se vivem nos Estados Unidos desde o homicídio do negro George Floyd às mãos de um polícia branco em Minneapolis, em finais de maio. Este homicídio desencadeou uma onda de protestos sem precedentes em todo o país.
Tulsa foi palco de um dos piores massacres de afro-americanos da história, quando em 1921 cerca de 300 negros foram assassinados por grupos brancos.
O comício de Trump estava inicialmente previsto para decorrer na sexta-feira, 19 de junho, data conhecida como “Juneteenth” e que comemora a abolição da escravatura nos Estados Unidos.
“Somos o partido de Abraham Lincoln e o partido da lei e da ordem”, salientou Trump, numa referência ao Presidente republicano que apoiou a abolição da escravatura em plena guerra civil (1861-1865).
Sobre as manifestações generalizadas, que levaram ao derrube de várias estátuas e monumentos da Confederação, que integrou os estados do sul e esclavagistas que se rebelaram contra o resto do país, a União, o Presidente norte-americano acusou os manifestantes de serem “anarquistas e incendiários”.
“Querem demolir a nossa herança (…) Devíamos ter legislação para prender durante um ano quem queimar a bandeira e a pisar”, declarou.
Depois de Oklahoma, Trump tem previstos, nas próximas semanas, comícios na Florida, no Arizona e na Carolina do Norte, todos estados que podem decidir o resultado das eleições presidenciais de 03 de novembro.
(Artigo atualizado com declarações da diretora-adjunta da campanha de Joe Biden, as críticas da oposição e dos especialistas em saúde pública norte-americanos)