O arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, que completou 98 anos a 25 de maio, é homenageado esta sexta-feira pela Câmara de Lisboa através de uma exposição que marca a reabertura, depois de profundas obras de reabilitação, da Igreja Paroquial de São José e da histórica Casa dos Vinte e Quatro (órgão de administração da capital durante quase 500 anos). A cerimónia decorre a partir das 18h00, na Rua de São José, junto à Avenida da Liberdade, onde se situa a igreja.
Estão anunciadas presenças do primeiro-ministro, do presidente da Câmara, do cardeal-patriarca de Lisboa, de Duarte Pio de Bragança e da presidente da Fundação Calouste Gulbenkian. A família do arquiteto estará representada pelo filho Francisco Ribeiro Telles. Será também rezada uma missa para um máximo de 20 pessoas, devido às medidas de contingência face à covid-19.
A exposição intitula-se O Mester da Paisagem e tem curadoria de Margarida Cancela de Abreu, Teresa Bettencourt da Câmara e António Braga. Faz parte da programação da iniciativa Lisboa Capital Verde Europeia 2020, consistindo numa retrospetiva de projetos emblemáticos criados por Ribeiro Telles, como sejam os jardins da Gulbenkian, a intervenção na Avenida da Liberdade ou o Corredor Verde na capital. Constam também desenhos originais do arquiteto, com esquemas que utilizava para explicar os vários tipos de paisagem aos alunos da Universidade de Évora, onde foi professor, de 1976 a 1992.
Formado em 1950 em agronomia e arquitetura paisagista pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, Ribeiro Telles conjugou a atividade profissional com uma intervenção política permanente. Integrou vários governos a partir de 1974, como secretário de Estado de Ambiente e Ministro da Qualidade de Vida, e foi vereador na Câmara Municipal de Lisboa pelo Movimento da Terra (que daria origem em 1993 ao Movimento Partido da Terra). É-lhe atribuído um papel pioneiro nas políticas públicas ambientais. Por exemplo, a criação da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional, mas também a Lei de Bases do Ambiente ou o Projeto do Corredor Verde de Lisboa.
Há poucas semanas, a propósito dos 98 anos do arquiteto paisagista, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, elogiou-o “pela rara coerência de princípios e valores, entre os quais avulta o amor profundo ao seu país e aos seus concidadãos” e “pela dedicação corajosa e indomável à proteção do planeta e da beleza dos seus frágeis equilíbrios”.
A estreita ligação de Gonçalo Ribeiro Telles à Igreja Paroquial de São José (ou Igreja de São José dos Carpinteiros) justifica a homenagem agora prestada pela Câmara de Lisboa, na qual se envolveu o vereador do Ambiente, José Sá Fernandes, e a Irmandade de São José dos Carpinteiros, uma associação religiosa que remonta a 1532. Ribeiro Telles nasceu na Rua das Pretas e tem casa na Rua de São José, precisamente nas imediações daquela igreja, de que é paroquiano. Foi durante anos juiz-presidente daquela irmandade.
“O arquiteto partilhou comigo várias vezes o desejo de ver este património recuperado”, sublinhou José Sá Fernandes ao Observador. Referindo-se ao Plano Verde de Lisboa, concebido por Ribeiro Telles e que deu origem a decisões municipais na área do ambiente, o vereador anunciou que em julho a Câmara “vai lançar dois concursos para as últimas duas parcelas do Corredor Verde” da capital — no Vale de Montanha, zona da Bela Vista, e no Vale do Forno, zona norte da cidade (que permitirá ligação Odivelas).
Obras na igreja revelaram ossadas
Os trabalhos de reabilitação do templo demoraram cerca de três anos e incluíram tetos e paredes, talhas e madeiras da sacristia e dos altares alterais, toda a estatuária, pinturas de estuque, pinturas de cavalete, painéis de azulejos. “Restituímos ao edifício a originalidade da reconstrução que se seguiu ao Terramoto de 1755 e estamos bastante satisfeitos”, afirmou ao Observador o arquiteto Luís Rebelo de Andrade, coordenador da equipa.
“Foi talvez uma das minhas primeiras experiências como arquiteto em que projeto consistiu em subtração e não em adição, como é costume. Retirámos do edifício uma série de construções de muito má qualidade. Demolimos um piso e uma cobertura. Essas construções tinham sido feitas no século XX, quando a igreja foi adaptada para receber o Corpo Nacional de Escutas. Obviamente, este argumento da subtração não serve para todas as reabilitações. Não se deve demolir só porque não condiz, deve-se demolir o que é bastardo, o que não tem qualidade”, explicou Luís Rebelo de Andrade, que em 2018 também assinou a recuperação da Igreja do Loreto, no Chiado.
Durante o processo de reabilitação, Rebelo de Andrade teve de “lidar com algumas surpresas”, como um poço encontrado por detrás de um vão e restos mortais enterrados a cerca de 30 centímetros num dos pátios da igreja. “Já se esperava que os trabalhos de arqueologia detetassem ossadas, mas houve duas coisas surpreendentes. Que algumas estivessem a 30 centímetros de profundidade, e não a um metro e meio como seria normal, o que sugere que a cota daquela área fosse mais alta do que hoje. E que num espaço de 12 metros quadrados tenham aparecido ossadas de mais de 180 pessoas, o que está a ser estudado por arqueólogos forenses.”
Um momento insólito deu-se em janeiro de 2018, quando os operários abriram uma parede de tabique e encontraram um baú com uma múmia. Inicialmente, pensava-se que o achado correspondesse aos restos mortais da madre superiora do Convento da Anunciada por volta de 1600. Segundo Rebelo de Andrade, percebeu-se mais tarde que serão de um dos juízes da Casa dos Vinte e Quatro.
Mesa de madeira da Casa dos Vinte e Quatro
Anexo à Igreja de São José dos Carpinteiros, e a ela ligado, está um edifício onde depois o Terramoto de 1755 funcionou a Casa dos Vinte e Quatro. A entrada faz-se pelo número 53 da Rua da Fé, uma artéria esconsa que vai dar à Rua de São José. A Casa dos Vinte e Quatro tinha sido criada em 1383 pelo Mestre de Avis (futuro D. João I) e conheceu diversas composições até ser extinta em 1834. Era uma assembleia municipal com poder deliberativo e permitia que o governo da cidade tivesse a participação das corporações, ou ofícios, da cidade.
Reuniam-se à volta de uma mesa de madeira com 24 gavetas, que agora também se apresenta restaurada. “É uma mesa muito bonita com estrutura indo-portuguesa e sobretudo um enorme significado histórico”, recordou Rebelo de Andrade.
A intervenção em todo o espaço foi possível através de um apoio de mais de 400 mil euros que o município atribuiu à Irmandade de São José dos Carpinteiros. A reabertura do templo chegou a estar marcada para 19 de março, mas tal não se verificou devido à pandemia. “Não é uma espaço grandioso, mas tem um simbolismo tremendo”, justificou Sá Fernandes. “Passará a ser gerido pela Câmara e pela Irmandade e o objetivo é fazermos ali exposições de longa duração sobre os ofícios da cidade.”
O evento desta sexta-feira corresponde a uma reabertura temporária da igreja, esperando-se que o culto contínuo regresse em breve. Para já, e desde há cerca de dois anos, o prior tem celebrado missa numa outra Igreja de São José, esta no Largo da Anunciada, a poucos minutos de distância da Rua de São José.