Na primeira entrevista depois de bater com a porta no PAN, e de ter ficado como deputada não inscrita, Cristina Rodrigues acusa o porta-voz do PAN, André Silva, de acumular demasiado poder no partido, de afastar todos os que trabalharam com ele e de ter sido de uma “desonestidade brutal” nas declarações que fez após a sua saída. Em entrevista ao programa Direto ao Assunto da Rádio Observador, Cristina Rodrigues afirma que quer manter o mandato até ao final da legislatura mas, quando questionada sobre se há espaço livre na política para um partido de cariz animalista, admite que sim.

“Houve uma desonestidade brutal no comunicado emitido, e importa evidenciar que não há uma única pessoa que tenha permanecido com André Silva da anterior legislatura”, acusou, referindo-se à forma como o líder do PAN reagiu ao anúncio da sua saída, quando sugeriu que a ex-deputada eleita pelo círculo de Setúbal “não convivia bem com a democracia” e que as sete desvinculações do partido eram parte de uma “estratégia concertada”. Para Cristina Rodrigues, “não houve qualquer estratégia concertada”, o que houve foram “pessoas insatisfeitas com o rumo que o partido leva”.

PAN diz que saídas são “estratégia concertada”. Acusa deputada de prosseguir “agenda pessoal” e não “conviver bem com democracia”

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Na reação à desvinculação da deputada, André Silva chegou a sugerir que isso só aconteceu porque havia “um inevitável processo de retirada de confiança política do partido” em marcha, daí que a deputada de Setúbal se tenha querido antecipar. Mas também isso Cristina Rodrigues contesta: “Se houvesse fundamento para retirar a confiança teria havido um processo nesse sentido, e isso não aconteceu, daí a desonestidade do comunicado”.

Depois de ter começado por dizer que um dos motivos por que tinha tomado a decisão de sair tinha a ver com o facto de o PAN se ter “afastado da génese do partido” no que diz respeito a prioridades, isto é, tinha deixado de lado a bandeira da causa animal (“das 170 iniciativas legislativas que apresentou nesta sessão legislativa, apenas 18 tinham a ver com animais”), Cristina Rodrigues acabou por concluir que outro dos motivos tinha a ver com a “atitude agressiva e menos construtiva” que o partido assumiu. “A forma como a comissão política vem reagir às saídas mostra isso mesmo, essa atitude agressiva”, diz.

“André Silva acumula demasiado poder no partido”. A entrevista a Cristina Rodrigues, ex-deputada do PAN

Lembrando que um dos princípios fundamentais do PAN enquanto partido era o princípio da “não violência” e o princípio de “não atacar pessoas, apenas ideias”, Cristina Rodrigues acusa André Silva de ter feito um “ataque pessoal” a ela própria, e não às suas ideias, aquando da sua saída, criticando também o facto de no último congresso ter havido uma “alteração profunda dos estatutos”, o que levou a que as candidaturas deixassem de ser pessoais, mas sim em lista. “No momento em que passou a haver eleição por listas, ficou tudo controlado por André Silva”, disse.

Questionada sobre se isso não são apenas “detalhes”, Cristina Rodrigues disse que se trata de uma questão de fundo. “O PAN era um partido inovador, com um posicionamento diferente face à política, era um partido de causas, e eu que nunca liguei a política só me interessei quando entrei no PAN, porque esse era um fator determinante para estar associada a um partido”, disse, sublinhando que foi também essa mudança do PAN para o estilo de partido mais “tradicional” que a fez afastar-se.

Falsos recibos verdes. “Foi André Silva que procedeu a todas as contratações”

A ex-deputada confirma também a notícia avançada pelo Observador de que, na legislatura passada, havia trabalhadores do PAN a recibos verdes — sendo falsos recibos verdes — e atribui a culpa em André Silva. “Havia pessoas a trabalhar a recibos verdes, que cumpriam horário de trabalho e que estavam diariamente na AR a trabalhar”, diz, sublinhando depois que “foi André Silva que procedeu a todas as contratações”. “Era ele que definia as contratações todas, o vínculo, foi sempre ele o coordenador da secretaria financeira“, atira.

A discussão entre André Silva e Francisco Guerreiro que precipitou a saída e revelou casos de falsos recibos verdes no PAN

Questionada sobre se isso não são, também, ataques pessoais que está a fazer ao porta-voz do PAN, Cristina Rodrigues diz que está apenas a referir-se a “factos”. “É do regimento, mais ninguém podia fazer isso por ele”, diz, sublinhando que considera que André Silva “acumula demasiado poder no partido” e que tem o objetivo de “conseguir estar em todo o lado”.

Questionada ainda sobre as eventuais pretensões do IRA (Intervenção e Resgate Animal) de vir a criar um partido e sobre se a sua saída do PAN tem alguma coisa a ver com essas pretensões, a ex-deputada do PAN, que manifesta o desejo de cumprir “o mandato até ao fim” como deputada não inscrita, rejeita a “coincidência”, mas não descarta a ideia de que “pode haver espaço” para a causa animal no espectro partidário, se o PAN continuar o rumo de afastamento seguido até aqui.

Cristina Rodrigues vai agora “formar equipa” no Parlamento como deputada não inscrita, sendo que admitiu em entrevista à Rádio Observador, que vai buscar a antiga chefe de gabinete que saiu em conflito com André Silva para trabalhar consigo, assim como tenciona também ir buscar mais algum dos antigos assessores que se desvincularam do porta-voz do PAN.

Oiça aqui a entrevista na íntegra.