Era o dia “D” da TAP, com um possível nacionalização em cima da mesa – mas com um princípio de acordo com vista a evitar esse passo. Só que o Governo trocou as voltas a quem esperava por um (ou outro) desfecho e anunciou mesmo uma nacionalização, mas da participação de Isabel dos Santos na Efacec.

O Conselho de Ministros desta quinta-feira aprovou o decreto de lei para nacionalizar “71,73% do capital social da Efacec”, ou seja, a parte que a filha do ex-presidente angolano detém através da Winterfell, e que adquiriu em 2015 num negócio que está sob investigação por parte das autoridades angolanas.

A nacionalização da participação de Isabel dos Santos foi apresentada como “temporária”, mas desengane-se quem pensa que será uma entrada e saída rápida do Estado: a ideia em cima da mesa é manter o atual processo de escolha do acionista que vai (re)comprar a parte de Isabel dos Santos. E esse nunca estará concluído antes do final do ano. Mas já lá vamos.

A justificação dada pelo governo português é que a Efacec “constitui uma referência internacional em setores vitais para a economia portuguesa”, pelo que a “intervenção do Estado procura viabilizar a continuidade da empresa, garantindo a estabilidade do seu valor financeiro e operacional e permitindo a salvaguarda dos cerca de 2.500 postos de trabalho”.

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As palavras são da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, no briefing após o Conselho de Ministros, mas os detalhes foram dados pelo ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira.

“O Conselho de Ministros tomou esta decisão porque a Efacec se encontra em grande impasse acionista desde que no final do ano passado, na sequência do Luanda Leaks foi decretado o arresto desta participação social. O governo tem acompanhado de perto os esforços entre os bancos credores da sra engenheira Isabel dos Santos e as próprias sociedades em causa para tentar encontrar forma de viabilizar possibilidade de ações serem entregues aos bancos”.

Segundo Siza Vieira, desde o Luanda Leaks, a Efacec passou a ter “dificuldade na relação com clientes” e também fornecedores. A sociedade “do ponto de vista reputacional é dominada por uma entidade que neste momento tem problemas diversos”. Além disso, o arresto determinado sobre a participação social significa que a sociedade tem “bloqueio na sua atividade” porque os direitos sociais inerentes à sua participação não estão a ser exercidos.

Quanto paga o Estado a Isabel dos Santos? E será mesmo a Isabel dos Santos?

Uma outra questão é a de saber quanto é que o Estado português vai pagar a Isabel dos Santos pela sua participação. O ministro da Economia teve o cuidado de evitar referir que o Estado português vai pagar a Isabel dos Santos. Primeiro disse que, nos termos da lei, o Governo tem de proceder a uma avaliação desta participação social [de Isabel dos Santos na Efacec].

A seguir sublinhou que este valor, que decorrerá da avaliação, será pago apenas quando for definido quem é o titular desta participação. E para ficar claro, recordou que sobre essa participação de Isabel dos Santos na Efacec existem penhores dos bancos credores [entidades portuguesas que a financiaram na compra], bem como um arresto a pedido das autoridades judiciais angolanas.

O Governo tem agora de nomear avaliadores independentes para procederem à avaliação do valor da participação social. A indemnização será paga “a quem mostrar ter direito sobre essa indemnização”. “Existem interesses de terceiros: os bancos que financiaram a aquisição e que têm penhor sobre as ações, e o estado angolano que tem arresto sobre estas ações. Tem de haver discussão sobre quem tem direito a receber o valor da indemnização e isso não cabe ao governo”.

Estado não deverá sair da Efacec antes do final do ano, em linha com o processo em curso

Certo é que esta “intervenção do Estado deve ser feita por período restrito no tempo e com vista à resolução temporária da respetiva situação, estando prevista a sua imediata reprivatização, a executar no mais curto prazo possível”, indica o comunicado do Conselho de Ministros.

Fonte conhecedora deste processo indicou ao Observador que existe vontade do Governo de continuar o atual processo para encontrar um novo acionista. “De uma forma ou de outra: ou pegando tal como está ou relançando no quadro societário que se alterou. Mas a ideia é manter o processo definido pela Efacec”. E isso atira a escolha do novo acionista que vai substituir o Estado para o final do ano. Ou mesmo para 2021, “porque agora poderá haver um pequeno compasso de espera”.

E independentemente da pressa que o Estado até pode ter, do ponto de vista da empresa a sensação de urgência mudou por completo. Em entrevista em junho ao Observador o administrador-executivo da Efacec, Ângelo Ramalho, tinha aludido ao bloqueio que a banca estava a fazer, negando à empresa a possibilidade de financiamento para as suas operações diárias.

Agora, com o Estado como acionista, a expectativa do Governo e da própria empresa é que o sistema bancário desbloqueie o financiamento. E sendo assim, o objetivo estratégico de encontrar um novo acionista tão rápido quanto o possível mantém-se, a urgência de tempo é que se altera.

O Governo considera que “a repercussão dos acontecimentos relacionados com a estrutura acionista da Efacec Power Solutions, particularmente os efeitos do arresto de ativos de alguns dos seus acionistas, levou à impossibilidade de exercício dos direitos inerentes às participações que correspondem à maioria do capital da empresa, gerando diversas dificuldades no plano comercial e operacional e, em consequência, agravaram a situação financeira desta, situação que se tem vindo a deteriorar a um ritmo acelerado”.

Entretanto, na página do Presidente da República, já foi publicada a promulgação deste “diploma do Governo destinado a salvar a Efacec”.

Este processo decorre da saída – anunciada pela própria – de Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos do capital da Efacec, na sequência do envolvimento do seu nome no caso ‘Luanda Leaks’, sobre alegados esquemas financeiros da empresária e do marido que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.

A empresária angolana tinha entrado no capital da Efacec Power Solutions em 2015, após comprar a sua posição aos grupos portugueses José de Mello e Têxtil Manuel Gonçalves, que continuam ainda a ser acionistas da empresa, enfrentando atualmente o grupo sérias dificuldades de financiamento devido à crise acionista que atravessa. O negócio, polémico, foi feito com recurso a financiamento de 160 milhões de euros concedido por um consórcio de bancos portugueses e uma parte pela Empresa Nacional de Distribuição de Energia de Angola (ENDE, empresa pública), que entrou no capital da Winterfell.

Acionistas minoritários aplaudem decisão de nacionalizar

O grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, acionistas minoritários da Efacec, afirmaram – na sequência da decisão do Governo – que estão satisfeitos pela nacionalização, uma solução que permite desbloquear o “impasse” em que se encontrava.

“Na sequência da decisão do Governo de nacionalizar a participação da acionista maioritária da Efacec, o Grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, na sua qualidade de acionistas minoritários, manifestam a sua satisfação por ter sido encontrada uma solução que permite desbloquear a situação de impasse em que a empresa de encontrava”, consideraram os acionistas, numa declaração escrita enviada à Lusa.

Para a José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, que detêm, em partes iguais, 28% do capital da Efacec, “era urgente” encontrar uma solução para a empresa prosseguir, tendo em conta a sua “importância e relevância” em Portugal, a qualificação dos colaboradores e a necessidade de proteger o interesse de clientes e fornecedores.

“Como sempre sucedeu, o Grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves mantêm o compromisso de contribuir para um futuro sustentável da Efacec”, concluem.

“Deve-se aos processos kafkianos da justiça portuguesa”, diz advogado de Isabel dos Santos

Também o advogado de Isabel dos Santos, o português Paulo Saragoça da Matta, reagiu à decisão, momentos depois de ter sido anunciada pelo governo no briefing do Conselho de Ministros. Para o defensor de Isabel dos Santos, este desfecho deve-se aos “processos kafkianos” criados pela justiça portuguesa.

“Isabel dos Santos já em março assinou todos os documentos e memorandos necessários a salvar a empresa e os postos de trabalho. Uma demora de três meses sem se encontrarem os entendimentos necessários e a situação judicial desnecessariamente criada em Portugal irrefletidamente com processos totalmente kafkianos levaram a este triste desfecho”, comentou Saragoça da Matta em declarações ao Observador.

O advogado acrescentou ainda que “o impacto das notícias na empresa levaram a uma situação de emergência que culmina nesta situação”.

“Importa referir que Isabel dos Santos manteve sempre uma abertura para negociar desde que houvesse consenso entre todos os intervenientes, incluindo a ENDE [Empresa Nacional de Distribuição de Energia de Angola] e o levantamento do arresto para evitar que a cliente pudesse vir a ser acusada pela Justiça angolana de estar a dissipar património, e com isso ainda voltar a ser visada pela mesma”.