Se tivesse apostado no dia de “hoje” [quarta-feira] como a data em que Estado e privados iriam, finalmente, chegar a uma solução para o futuro da TAP, António Costa teria perdido. As cartas estão todas em cima da mesa, mas a corrida vai mesmo ser até ao fim e a linha da meta é o Conselho de Ministros desta quinta-feira, até ao momento em que o executivo aprovar o diploma para uma eventual nacionalização da companhia aérea.

A informação de que as partes não tinham chegado a acordo e que o caminho era a nacionalização já circulavam na imprensa desde a tarde de quarta-feira. Mas por essa altura, o gabinete do primeiro-ministro garantia ao Observador que “as negociações ainda decorrem” e outra fonte do Governo explicava que a sequência de notícias dos últimos dois dias – que davam como certa a nacionalização e horas depois davam como certa a possibilidade de um acordo – provavam que cada uma das partes estava ainda a fazer o seu jogo, quer à mesa das negociações, quer no espaço público. Mas ao final da noite desta quarta-feira já não havia dúvidas e um membro do Governo que tem acompanhado de perto o processo confirmava ao Observador que “as negociações terminaram” mesmo.

Mas isso não quer dizer que o processo já esteja fechado: “Até votarmos a nacionalização, eles podem recuar”, diz a mesma fonte. Ou seja, o relógio está em contagem decrescente, mas “se eles recuarem e aceitarem a nossa proposta final antes de votarmos a nacionalização, fechamos acordo”.

E o que quer o Governo que conste desse acordo final? Para já, a saída de David Neeleman – o homem que o executivo considera indesejável na TAP – a troco de 55 milhões de euros. Mas também uma condição imposta à última hora pelo Governo: a brasileira Azul terá de abdicar do direito de converter em capital o empréstimo obrigacionista de 90 milhões de euros que fez à companhia portuguesa.

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David Neeleman aceitou sair da TAP, mas empréstimo da Azul é obstáculo a acordo final

Esta condição, como escreveu o Observador, foi o obstáculo a um acordo final para evitar algo que (quase) ninguém quer: a nacionalização. Apesar de ter sido admitida desde o início da crise por vários membros do Governo, nacionalização é um cenário que tem sido usado na praça pública, mais como arma negocial do que como objetivo final. O problema é que o outro lado da negociação sabe disso.

Os privados conseguiram em 2017, com a reversão parcial da privatização da TAP, uma proteção para os seus interesses patrimoniais e financeiros no caso de o Estado vir a tomar conta da companhia. O acordo parassocial assinado entre a Parpública, empresa do Estado, e a Atlantic Gateway, prevê que em caso de incumprimento ou bloqueio acionista, a Parpública possa assumir a totalidade da empresa e as responsabilidades de capitalização.

E nesse processo ficou estabelecido que os privados seriam compensados pelo dinheiro injetado pós 2015 no quadro do contrato de privatização da TAP, cerca de 220 milhões de euros colocados através de prestações acessórias de capital. Foi este trunfo que permitiu a David Neeleman obter um acordo para compra da sua participação por 55 milhões de euros. E será também uma mais-valia jurídica para a Azul não aceitar a condição agora imposta pelo Estado de abdicar do direito de conversão do empréstimo obrigacionista de 90 milhões de euros em capital da TAP.

Não é contudo evidente neste quadro se esta cláusula do acordo parassocial é aplicável no atual contexto e, sobretudo, se o é em tempo útil para viabilizar uma injeção do Estado na TAP a curto prazo.

Comissão Europeia não trava ajuda, mas poderá “endurecer” os termos da reestruturação

Outra razão de peso pela qual a nacionalização será de evitar é o acordo negociado pela Comissão Europeia. Questionada pelo Observador, fonte oficial da Comissão não comenta a questão concreta de uma eventual tomada de controlo da TAP pelo Estado, e acrescenta apenas que as regras europeias que regulam ajudas do Estado são neutrais quanto à propriedade, pública ou privada, da companhia que recebe a ajuda. Desde que a operação que dê o controlo ao Estado seja feita a preços de mercado. Isso por si só não obrigará a rever os termos do acordo anunciado a 10 de junho.

No entanto, há o receio de que uma TAP detida pelo Estado possa vir a ser mais “penalizada” pela Comissão Europeia no que toca ao processo de reestruturação que vem como contrapartida às ajudas de Estado de 1.200 milhões de euros. Não no sentido global (de a Comissão Europeia reverter a autorização e obrigar a iniciar um novo processo), mas sim nos termos do plano de reestruturação que está associado à ajuda estatal.

“As condições associadas iriam, certamente, endurecer”, indicou ao Observador uma outra fonte com conhecimento deste processo. E que condições são estas? Ainda não se conhecem ao detalhe, mas é habitual nestes processos uma redução do número de trabalhadores – sim, é de despedimentos que estamos a falar – e um reequilíbrio financeiro da companhia, redução de tamanho, frota e rotas. Condições que se forem feitas num contexto de nacionalização se tornam piores, e, potencialmente, com mais custos políticos para o Governo.

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Por outro lado, se no quadro do processo de nacionalização ou de tomada de controlo da empresa, se o Estado meter dinheiro fresco na TAP, seja através de aumento de capital ou seja por conversão de dívida em capital, então esta nova ajuda teria de voltar a ser notificada à Comissão Europeia, de acordo com informação recolhida pelo Observador. Essa operação poderia ser enquadrada no plano de reestruturação que a TAP tem de apresentar, como contrapartida da ajuda até 1.200 mil milhões autorizada através de um empréstimo do Tesouro. Mas também poderia dar origem a um novo processo de ajuda de Estado que terá de ser autorizado pela Comissão com mais contrapartidas.

O modelo da ajuda de Estado negociado pelo Estado português em Bruxelas, ao abrigo do quadro de resgate e reestruturação, foi um dos fatores que conduziu à situação em que estamos nesta quarta-feira à noite. Os acionistas privados da TAP, em particular David Neeleman, acreditavam que teria sido possível negociar um quadro mais favorável à estratégia que têm para a empresa. Isso mesmo foi afirmado por Antonoaldo Neves no Parlamento quando disse que a comissão executiva tinha recomendado outras soluções.

Mas a gestão da empresa não foi envolvida no processo de negociação.  O Estado, através do grupo de trabalho criado para o efeito conduziu as discussões e acabou por fazer a notificação no regime que será mais exigente em termos de reestruturação da TAP.

TAP foi prejudicada em Bruxelas? Porque é que o Governo não conseguiu ou não quis outra solução?

É certo que Bruxelas não aceitou o pedido de apoio ao abrigo do quadro temporário aplicado a outras companhias aéreas, por considerar que a TAP já estava em dificuldade antes da pandemia — e para este resultado, muitos apontam culpas ao ministro da Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, por ter defendido esta tese publicamente no Parlamento. Mas o Governo recusou a possibilidade de recorrer ao mecanismo das compensações por danos causados pelo Covid-19 porque, conforme explicou o Ministério das Finanças ao Observador, este regime não era o mais adequado e não permitiria uma ajuda da dimensão que era pedida para a TAP.

O resultado obtido em Bruxelas, e o condicionalismo de apresentar um plano de reestruturação que vai reduzir a dimensão da TAP, entrou em choque com a estratégia expansionista de Neeleman para a empresa e que o terá levado a aceitar sair do capital da transportadora portuguesa. Outro fator que não ajudou um processo negocial que já era muito difícil foi a remodelação nas Finanças que promoveu a secretários de Estado duas pessoas que assumiram um papel vital no grupo de trabalho criado para a TAP que ficou desfalcado com estas saídas.

O líder deste grupo, João Nuno Mendes, passou a secretário de Estado das Finanças, e Miguel Cruz, presidente da Parpública subiu a secretário de Estado do Tesouro. Pela informação recolhida pelo Observador, Miguel Cruz tem sido um dos interlocutores do Estado com os privados nesta negociação, onde também participa Pedro Nuno Santos, ministro que tem uma relação publicamente complicada com os gestores e acionistas privados da TAP.

Caso nenhuma das partes evite o choque frontal – até à hora do conselho de ministros – que tipo de nacionalização será feita? Fontes ouvidas pelo Observador referem que o Estado poderá optar por nacionalizar não todo o perímetro, a TAP, SGPS, mas apenas a TAP Air Portugal (a companhia aérea em si).

Certo é que uma TAP nacionalizada teria impacto direto nas contas públicas. A dívida da TAP passaria a ser mais uma dor de cabeça para o novo ministro das Finanças, João Leão. De acordo com a mais recente informação enviada pela companhia aos mercados, na segunda-feira, a dívida líquida da TAP ascendia a pouco mais de 1.125 milhões de euros até ao final de março (primeiro trimestre).

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Mas questionado sobre o assunto na terça-feira, o ministro da tutela, Pedro Nuno Santos, deu um cenário bem mais negro. O ministro das infraestruturas acrescentou às responsabilidades financeiras da TAP os contratos de leasing para a frota de aviões. Ou seja, contabilizou um total superior a 3.300 milhões de euros. Pedro Nuno Santos chamou-lhe “uma dívida brutal”. E que em caso de nacionalização contaria, por inteiro, para o défice.