Devia ter começado no Grande Prémio do Qatar mas a corrida acabou por ser suspensa e depois cancelada. Devia ter a paragem seguinte na Tailândia mas a prova passou ainda sem confirmação oficial para outubro, assim como a Argentina ainda tem esperança de poder entrar com a corrida prevista para 19 de abril para 22 de novembro. E só na Europa ainda houve os cancelamentos de provas com tradição como os Grandes Prémios de Itália, Holanda, Grã-Bretanha ou Alemanha. Mais: a esta hora devíamos estar a fazer o rescaldo do regresso das corridas a um país que foi perdendo espaço no calendário mas que iria regressar 38 anos depois, a Finlândia (que viu adiado esse desejo para 2021). Nesta altura do ano o Campeonato do Mundo de MotoGP deveria ir na oitava prova do ano com passagens por Ásia, América do Sul, América do Norte e Europa; ao invés, ia começar a só na Europa.

Como em tantas outras modalidades, a pandemia virou o calendário e ainda nem tudo é seguro a 100% porque basta um novo foco, um aumento de casos ou diferentes necessidades de confinamento para colocar de novo em causa o Mundial que chega com regras novas de segurança semelhantes ao que tinha acontecido na Fórmula 1. E, antes da primeira prova, condicionou e muito os pilotos pela falta de testes para poderem ir preparando a moto da melhor forma. “Esse período, apesar de ser igual para todos, acho que vai ser um pouco mais prejudicial para nós”, admitira Miguel Oliveira em entrevista ao “Nem tudo o que vai à rede é bola” da Rádio Observador.

Miguel Oliveira. “Era um sonho tornado realidade. Mas Portugal não tem o aspeto monetário para ter Moto GP”

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“A KTM tem, naturalmente, o menor tempo de pista e a menor experiência de entre todos os outros construtores. Acho que quanto mais tempo passarmos em pista, mais benéfico seria para todo o projeto. É de lembrar também que toda a estrutura da equipa de testes não pode sair para fazer testes, o que era algo que, menos não estando nós a correr em pista nos Grandes Prémios, era um trabalho que estava a ser feito por trás que talvez não fosse tão visto ou reconhecido mas é muito importante para nós”, acrescentou a esse propósito, ainda antes de ser confirmado como piloto principal da formação austríaca em 2021 ao lado de Brad Binder, sendo substituído na Tech 3 por Danilo Petrucci e ocupando a vaga de Pol Espargaró, que se vai mudar para a Honda de Marc Márquez.

Com todo este contexto pelo meio, este primeiro fim de semana de prova, no circuito Ángel Nieto em Jerez de la Frontera, tinha uma dose de imprevisibilidade acima do normal. Depois de um 11.º lugar nos treinos livres de sexta-feira, que correram da melhor forma de manhã mas que já foram menos conseguidos no sábado por todas as dificuldades para encontrar aderência e virar nas curvas, o piloto português ficou com a 17.ª melhor marca para a corrida deste domingo (1.37,964), bem à frente do companheiro de equipa espanhol na Tech 3 (1.38,352), Iker Lecuona, e atrás dos dois pilotos da KTM, Pal Espargaró (sétimo com 1.37,493) e Brad Binder (12.º, 1.37,396). Na frente, as Yamaha de Fabio Quartararo e de Maverick Viñales foram superiores a Marc Márquez.

Miguel Oliveira sai de 17.º na primeira prova de Moto GP de 2020. Quartararo ficou com a pole-position

“Esta manhã foi muito difícil encontrar o ritmo para uma volta rápida. Lutámos novamente para encontrar aderência. No FP4 finalmente conseguimos dar um passo à frente e planeámos fazer o melhor possível na Q1. Acho que precisava de um pouco mais de tempo para melhorar a configuração da moto. O nosso ritmo é bastante forte. Amanhã será uma corrida longa e difícil, por isso mantemos nossas mentes positivas e na esperança de uma boa estratégia para a corrida”, comentou o português da Tech 3 após a qualificação para a prova deste domingo.

O prognóstico confirmou-se: mesmo saindo de trás, Miguel Oliveira conseguiu rapidamente ganhar duas posições na primeira volta, onde Quartararo teve uma saída falhada e Viñales e Marc Márquez aproveitaram para começar uma acesa luta pela frente da corrida, e subiu ao 13.º posto à terceira volta – ou seja, um início muito consistente, com um bom ritmo e que foi permitindo ir subindo ainda mais degraus sobretudo depois de ultrapassar Danilo Petrucci, reforço da Tech 3 para a próxima temporada. Com sete voltas realizadas, Miguel Oliveira entrava no top 10. À oitava volta, melhorou mais uma posição. O português era o melhor em pista olhando para a ordem de saída após as qualificações deste sábado e mantendo um ritmo forte que o colocava com os tempos de Valentino Rossi e sendo apenas superado por Marc Márquez, num cenário poucas vezes visto no Moto GP.

Já depois de ter ultrapassado Viñales, o hexacampeão teve uma anormal falha numa curva, teve de alargar depois a sua trajetória e caiu praticamente para a última posição. O piloto da Yamaha isolou-se, forçou o andamento mas não conseguiu descolar e viria depois também ele a errar, sendo ultrapassado pelo companheiro de equipa Fabio Quartararo, que vencera antes o duelo individual com Jack Miller. Estas eram as posições a meio da corrida, com Quartararo, Miller e Viñales na frente, Márquez a recuperar várias posições e a chegar ao oitavo lugar de forma mais célere do que se pensava, Miguel Oliveira em décimo atrás de Rossi. Atrás? Sim, aí. Mas à frente duas voltas depois: o italiano, grande ídolo do português, abriu um pouco mais o 88 não perdoou.

Desta forma, Miguel Oliveira, que no Mundial de 2019 se tinha estreado com um 17.º lugar no Grande Prémio do Qatar e que não foi além do 18.º posto em Jerez de la Frontera (onde chegara ao pódio em anos anteriores, em Moto 3 e Moto 2), conseguiu igualar aquele que era o melhor resultado de sempre na principal categoria do motociclismo (Grande Prémio da Áustria). Aliás, esta foi apenas a segunda vez que o piloto português terminou no top 10, noutro ponto que reforça a estreia de sonho nesta atípica época de 2020. E na frente também se fez história, com Fabio Quartararo a conseguir a sua primeira vitória de sempre no MotoGP (há mais de 20 anos que um francês não ganhava) e Marc Márquez mais uma vez a falhar, arriscando em demasia para tentar ir ainda ao pódio, a ter uma queda “feia”, a sair com muitas dores no braço e a ficar fora de prova, o que permitiu então a Miguel Oliveira subir mais uma posição e sem a pressão de Valentino Rossi que tinha também desistido.