Kim tinha 21 anos quando decidiu fugir do regime de Kim Jong-un na Coreia do Norte e encontrar uma nova vida do outro lado do Paralelo 38, na Coreia do Sul. Deixou Kaesong para trás, nadou 1,6 quilómetros pelo mar Amarelo, depois entrou num cano de esgoto. E após ter rastejado sob as cercas de arame farpado chegou finalmente a Ganghwa.
Foi em 2017 que Kim completou esta viagem. Mas três anos depois, já com 24 anos e em plena crise pandémica provocada pelo novo coronavírus, decidiu fazer o percurso inverso para regressar ao país de origem, tornando-se o 12º desertor a voltar à Coreia do Norte. Em junho, uma mulher tinha apresentado uma queixa por violação contra o homem. Kim fugiu a 19 de julho, no mesmo dia em que foi lançado um mandado de detenção.
Do lado sul da fronteira das Coreias, as autoridades confirmaram que o homem havia escapado pela mesma rota com que havia entrado no país. Sabem-no porque encontraram pistas no local — um saco que lhe deveria pertencer e que tinha ficado para trás, descreveu o coronel Kim Jun-rak à agências de notícias Yonhap.
Do lado norte da fronteira, uma acusação: o homem tinha exibido sintomas da Covid-19. Podia estar infetado pelo novo coronavírus. A confirmar-se a suspeita, Kim tornar-se-ia na primeira pessoa infetada pelo novo coronavírus na Coreia do Norte de que há registo. Kaesong, a cidade por onde chegou, foi colocada em confinamento obrigatório. O país inteiro entrou no nível de emergência máximo.
Kim Jong-un nunca chegou a confirmar se o homem testou ou não positivo para o novo coronavírus, mas o governo sul-coreano garantiu que o desertor não estava registado como portador do vírus da Covid-19 nem tinha estado em contacto com pessoas infetadas pelo SARS-CoV-2.
A história de Kim é conhecida menos de uma semana depois de a Coreia do Norte ter afirmado que estava a desenvolver uma vacina para combater a infeção pelo novo coronavírus, apesar de insistir até aqui que não tinha qualquer caso de Covid-19. De acordo com a Comissão da Ciência e Tecnologia, a vacina já foi testada em animais. Agora faltará delinear os procedimentos para avançar para testes em humanos.
A página desta Comissão afirma que a imunogenicidade da vacina — isto é, a capacidade de desencadear uma resposta imune no organismo —já foi confirmada em ensaios clínicos desenvolvidos em animais ao longo deste mês. Se assim for, os ensaios clínicos deveriam avançar para testes em humanos, mas não são conhecidos os dados sobre a segurança do fármaco.
De resto, o facto de não haver casos de Covid-19 no país pode impossibilitar a avaliação da eficácia da vacina. Por norma, para testar uma vacina, os cientistas usam dois grupos de pessoas: um que recebe o fármaco, outro que recebe um placebo. Ao fim de algum tempo, algumas dessas pessoas já terão contactado com o vírus e corrido o risco de infeção. É nesse momento que os cientistas calculam se as pessoas vacinadas ficaram ou não mais protegidas do que as outras. Mas se o vírus não estiver em circulação, isso invalida a avaliação.